O uso de inteligência artificial para reconhecimento facial de crianças em estádios viola as leis brasileiras de proteção de dados e os direitos de crianças e adolescentes, segundo um novo relatório do Panóptico, um grupo que monitora novas tecnologias e suas aplicações na segurança pública no Brasil.
Atualmente, cerca de 20 estádios utilizam tecnologias de reconhecimento ou biometria facial para entrada em eventos ou compra de ingressos. Clubes esportivos começaram a adotar biometria facial para o cadastro de torcedores, incluindo crianças de colo, conforme aponta a pesquisa publicada na terça-feira, 27 de agosto.
APAGÃO DE DADOS. Geralmente, esses sistemas dependem da coleta de dados realizada antes mesmo da compra do ingresso, exigindo duas fotos: uma selfie e uma fotografia do documento.
Embora esses entes privados estejam lidando com informações sensíveis de milhares de brasileiros, o relatório afirma que o Ministério dos Esportes não sabe quantos estádios utilizam essa tecnologia, nem como ela é aplicada.
ROLANDO SOLTO. O Panóptico solicitou a seis clubes informações sobre o número de torcedores cadastrados, quantos eram menores de idade e a partir de qual idade o cadastro biométrico é exigido para a compra de ingressos.
Apenas o Goiás Esporte Clube respondeu, informando ter 30 mil cadastros de crianças entre 2 e 14 anos. As informações sobre os outros clubes foram obtidas em fontes abertas, como sites e redes sociais dos próprios clubes.
O relatório revela que três clubes — Palmeiras, Fluminense e Botafogo — exigem o cadastro biométrico independentemente da idade. O Flamengo solicita o cadastro para menores de 12 anos e exige que os responsáveis acompanhem pessoalmente a criança para concluir o procedimento. No Vasco, a biometria é exigida a partir dos 2 anos.
NÃO PODE. De acordo com a legislação atual, essas informações não poderiam ser coletadas, especialmente para crianças e adolescentes até 16 anos.
- A Lei Geral do Esporte (LGE), em vigor desde o ano passado, proíbe a coleta de dados de menores de 16 anos para participação em jogos ou eventos esportivos.
- Além da LGE, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) exige que o tratamento de dados pessoais de menores de 18 anos seja realizado em seu melhor interesse e com consentimento específico.
- A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) orienta que o tratamento deve ser limitado ao mínimo necessário.
Os pesquisadores afirmam que essa orientação da ANPD não está sendo cumprida. Eles destacam que os clubes "não devem exigir informações pessoais além das estritamente necessárias", como CPF ou RG, para a participação de crianças em jogos.