Arte Rodolfo Almeida
Edição Alexandre Orrico
Em um mundo no qual o trabalho e a existência de jornalistas são alvos corriqueiros de influenciadores de todas as matizes, ideólogos de subculturas extremistas e chefes de Estado descompromissados com a democracia, a escolha de um produtor de conteúdo em cultivar ou não presença em redes sociais perpassa variáveis pessoais e profissionais.
É uma faca de dois gumes: ao passo que repórteres são vítimas latentes de perseguição online e veículos de comunicação buscam formas de vigiar e eventualmente puni-los pelo que escrevem nas redes sociais – por meio de diretrizes muitas vezes definidas por executivos que não têm pleno entendimento do ecossistema de desinformação que atua contra jornalistas –, os profissionais que têm muitos seguidores tendem a ser vistos com bons olhos pelas chefias, uma vez que possuem maior potencial para atrair cliques e gerar conversas relevantes.
O ajuste fino entre carreira, dieta midiática e saúde mental tornou-se ainda mais desafiador no momento em que muitos jornalistas passaram a trabalhar de casa.
Um aviso importante: este texto não é apenas mais um depoimento de uma pessoa que, ó, guerreira, eremita, diferentona, abdicou das dores e delícias das redes sociais. Não. A ideia é ser um breve guia para te ajudar a estabelecer critérios para curar as informações mais relevantes – o que pode ou não significar o fim dos teus perfis. Só tu saberás.
Em 13 anos como usuário do Twitter, dos quais 10 como jornalista profissional, passei por situações agradáveis e apavorantes naquela rede social, cujo aplicativo até há poucos meses era o que eu mais usava. Analisando em retrospectiva, foi uma ferramenta de divulgação essencial nos momentos em que trabalhei como freelancer, meses em que a melhor propaganda do meu trabalho eram os meus tuítes. No início da pandemia, por volta de abril do ano passado, a estridência acima do comum que tomou as redes deixou claro que havia mais malefícios do que benefícios naquele momento.
Na minha rotina atual percebi que era mais importante organizar as leituras mais relevantes do que necessariamente ler notícias em primeira mão, característica positiva do Twitter que costuma se destacar. De quebra, deixei também o Instagram, que eu usava exclusivamente para seguir amigos e familiares. Aproveitei o ímpeto e deletei-o também.
A enxurrada de notícias, colunas de jornais, newsletters, podcasts, notificações, mensagens de WhatsApp – e tudo o mais virtual ou físico que assombra nossas atenções durante o trabalho ultimamente, da pilha de louça na pia àquele boleto em cima da mesa – já era informação suficiente mesmo sem contar a timeline do Twitter, que muitas vezes serve mais para despertar indignação do que reflexão. Quem nunca viu a caixa de entrada acumular centenas de emails não lidos que atire a primeira newsletter velha.
São dez meses sem Twitter nem Instagram.
O Facebook era um hábito que já havia abandonado há anos, como relatei na Folha de S.Paulo em 2014. É lógico que às vezes dá o sentimento de que estou perdendo algo. Quando chega aquele tuíte engraçado pelo WhatsApp. Quando uma fofoca política circula só na timeline, sem virar notícia. Situações específicas.
No geral, substituí tudo o que havia de mais relevante no Twitter por newsletters.
Os critérios são mais ou menos os mesmos de quem eu seguia por lá:
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veículos nacionais e internacionais;
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assuntos de interesse pessoal
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jornalistas e especialistas que admiro etc.
De certa forma, criei uma timeline própria na minha caixa de entrada.
A diferença do que acontecia antes é que agora, pela manhã, em vez de fazer login no Twitter e depois arquivar a maioria dos emails – não lidos –, eu de fato leio cada newsletter que assino. Criei regras automatizadas para classificá-las de acordo com a urgência – as de menor importância às vezes deixo para o fim do dia – e reavalio se cada uma continua a fazer sentido. Simples, como deveria funcionar, mas agora com tempo dedicado. Essa rotina matinal me ajudou também a usar mais os serviços que eu assinava, mas não consumia com tanta frequência, como jornais estrangeiros.
Já o WhatsApp merece um capítulo à parte.
Rede social com maior capilaridade no Brasil atualmente e canal prioritário da desinformação tupiniquim, o aplicativo de mensagens do Facebook possui uma força gravitacional inescapável, é um verdadeiro buraco negro da atenção. Todo mundo se comunica por ali. Neste caso, apliquei contenção de danos.
O primeiro passo foi separar um número pessoa física e outro pessoa jurídica – e, consequentemente, os grupos de trabalho dos grupos de familiares e amigos. Por contraintuitivo que pareça, ter dois WhatsApps instalados em um único aparelho dual chip tornou minha vida mais fácil do que quando eu tinha um só. Nada como desligar as notificações do WhatsApp pessoal durante o horário de trabalho. E desligar as notificações do WhatsApp do trabalho durante as férias, mesmo que dentro de casa.
A versão Business do aplicativo oferece ferramentas úteis para qualquer pessoa que o usa para se comunicar com fontes e colegas. E mesmo que você não tenha a intenção de manter dois números separados, recomendo que considere a possibilidade de mudar para essa versão, mais robusta. As funcionalidades extras são semelhantes às de qualquer conta de email: respostas padronizadas, respostas automáticas, etiquetas para categorizar as mensagens etc. Parece pouco, mas ajudou bastante.
Em linhas gerais, sair das redes sociais está sendo fundamental para tomar as rédeas das minhas leituras.
Se em maior ou menor grau algoritmos ditavam o que aparecia ou não para mim, agora eu busco me obrigar a ter consciência de tudo o que leio, a constantemente avaliar se faz sentido ou não, se é informação útil. E isso também inclui uma busca ativa por novas fontes de informação, veículos diversos, jornalistas e especialistas com pontos de vista interessantes.
É, em resumo, um exercício de consciência do tempo que dedico a conteúdo na internet. Ou, como resumiu o Funkadelic na música “Good Thoughts Bad Thoughts” (1974): Be careful of the thought-seeds you plant in the garden of your mind, for seeds grow after their kind”.
“Seja cuidadoso com os pensamentos-semente que planta no jardim da sua mente, pois sementes germinam conforme suas próprias espécies”