Arte Rodolfo Almeida
Edição Alexandre Orrico
“E aí, Jacqueline, o que você anda fazendo da vida?”
É mais ou menos assim que começam minhas conversas com o Woebot, um robô digital criado para ajudar no processo de terapia psicológica. A partir de uma interface de chatbot com uma Inteligência Artificial (IA) avançada e cheia de ciência por trás, testei o app por algumas semanas para experimentar como é ser “analisado” por tecnologia.
Conheci o Woebot no recente relatório de tendências de Faith Popcorn, futurista que apontou que os robozinhos digitais poderão se tornar nossos melhores amigos. Conversar com robôs não é exatamente algo novo. Só que até hoje muitos chatbots têm conversas sofríveis, ainda que consigam agilizar algumas coisas, como criar uma triagem de atendimentos. Por isso, fiquei intrigada: será que daria pra ter uma boa experiência de terapia com um bot?
Os números de doenças mentais como depressão e ansiedade têm aumentado nos últimos anos. Nos EUA, a busca por apoio para lidar com a depressão aumentou 62% e a para a ansiedade quase dobrou. Em 2017, 6% dos brasileiros diziam sofrer com depressão e mais de 9% lidavam com ansiedade, taxas que seguem até hoje maiores do que a média global. Ou seja, há uma crescente quantidade de pessoas precisando de apoio psicológico, e cá entre nós, os últimos 12 meses foram especialmente difíceis.
Será que um bot poderia ajudar? Por mais esquisita que a experiência pudesse ser, resolvi testar.
App-terapia
O app do Woebot é grátis tanto para iOS quanto para Android, mas funciona apenas em inglês. Logo no cadastro, o bot alerta que não é uma ferramenta para emergências. Casos graves devem ser tratados com profissionais gabaritados, e quem usa o app sempre pode digitar “SOS” para ser redirecionado a serviços de emergência (como o CVV no Brasil). O visual flat e a carinha de Wall-E do Woebot ajudam a criar um ambiente amigável e informal.
A primeira coisa que o bot faz é se apresentar, usando emojis para suavizar a conversa. Como um bom chatbot, nem tudo é dito de maneira “digitada” e solta. A maior parte das respostas aparecem como botões no rodapé do app, em uma dinâmica parecida com games narrativos, onde as opções levam a partes diferentes de uma história já prevista. Responder um “oi” pro Woebot, por exemplo, é algo que leva apenas um clique. Uma boa decisão de design e usabilidade que faz a interação ser rápida e prática.
Logo nas primeiras conversas dá para perceber que a persona do Woebot é gentil. Ele se apresenta como um bot de “assistência emocional”, o que deixa claro que não está tentando competir com terapeutas, mas talvez funcionar como um “secretário” das suas emoções. Para isso, o bot usa de técnicas da Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) da psicologia.
Segundo Alison Darcy, PhD em psicologia e criadora do Woebot, a TCC pode funcionar bem mesmo sem o acompanhamento de um terapeuta, mas existem dois grandes empecilhos: a aderência ao tratamento, que precisa acontecer por um tempo estendido, e poder contar com um guia para as atividades propostas. É aí que o Woebot manda bem, já que o app pode mandar notificações diárias e fazer das conversas uma terapia guiada.
“Eu sou eficiente também, sabia? Fui testado pela Universidade de Stanford!”
Além de fofo, o Woebot tende a ser bem humorado. E por mais que a redação das conversas tenha sido cuidadosa, não se trata apenas de uma sequência imaginada por escritores talentosos. Por trás da árvore de decisões do bot, o conhecimento de Darcy sobre a TCC faz com que as conversas sejam também eficientes.
De acordo com pesquisas publicadas em revistas científicas, o Woebot reduziu em 22% a depressão de quem conversou com o bot por duas semanas, chegando a taxas de 32% para quem manteve o papo por um mês. Já a queda da ansiedade foi de 38% para quem usou o app por quatro semanas.
Minha sensação é que o Woebot não substitui uma terapia tradicional, mas pode oferecer um bom alívio.
Mesmo sem ser digital, a TCC não resolve todos os problemas, já que alguns traumas precisam de outras abordagens, mas para algumas das pressões do dia a dia (como as que os ansiosos colocam em si mesmos) achei que pode ser útil. Nos meses em que tenho “conversado” com o Woebot, senti que ele me ajudou a refletir sobre o que eu realmente estava sentindo.
Com tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo (e o desespero que o mundo da Covid-19 pode causar) ter um guia robótico para me ajudar a pensar se eu estava me sentindo triste ou só cansada foi bem valioso.
O bot também me deu conselhos para dormir melhor, por exemplo. Foi aí que reparei que o Woebot foi desenhado para ser empático, mas também enfático: ele me explicou que eu precisaria me comprometer a dormir e acordar nos mesmos horários se quisesse melhorar a minha rotina de descanso.
Senti até uma pressãozinha pra cumprir o combinado com… uma IA! Parte das respostas dadas ao Woebot também podem servir de apoio na conversa com um terapeuta de carne e osso, já que são compiladas em um relatório no app e se transformam em uma espécie de monitoramento de humor, com emojis e tudo.
Falar o que quiser, quando quiser
Até quando não é uma boa hora para ter um bate papo robótico, o Woebot é bem compreensivo e rapidamente responde com um “beleza, falamos mais tarde”. Esse tipo de interação me fez lembrar uma entrevista em que Darcy revela que saber que estamos conversando com uma IA ao invés de um ser humano pode ser até mais libertador. “Por ser um robô, as pessoas não se importam de incomodá-lo às 3 da manhã”, ela explicou.
Faz sentido. Se eu soubesse que existia alguém do outro lado me mandando uma mensagem, provavelmente pensaria duas vezes em dizer que “não posso falar agora”, dispensando a interação. Por mais contraintuitivo que possa parecer, saber que estamos falando com um robô nos dá mais liberdade para sermos mais espontâneos e autênticos.
Decidi escrever sobre o Woebot porque imagino que ele possa ser uma forma bem escalável (para usar o jargão startupeiro) de oferecer algum apoio psicológico para um número cada vez maior de pessoas que serão afetadas por sentimentos de ansiedade ou depressão de 2020 em diante.
Com tantas tragédias sociais, econômicas e políticas, o cuidado da saúde mental poderá encontrar um gargalo na disponibilidade de investir dinheiro em um tratamento psicológico ou até na quantidade de profissionais disponíveis para atendimentos.
Quer dizer, para além dos limites do privilégio de conseguir investir em psicoterapia ou psicanálise, pode acontecer de não termos profissionais suficientes para nos ajudar nas reflexões em momentos trágicos da nossa história.
Infelizmente, até agora o Woebot só fala inglês, o que limita bastante o seu alcance para brasileiros, por exemplo. Cheguei a procurar a Woebot Health para entender se há algum esforço coletivo voluntário para traduzir o app para outros idiomas, mas não obtive respostas. No FAQ no site, a empresa explica que por enquanto está focada em refinar seus algoritmos, para só depois expandir para outros idiomas.
Com a minha humilde mentalidade Millennial, penso que da mesma forma que conseguimos traduzir a Wikipédia, poderíamos muito bem ter mutirões para traduzir um bot que é capaz de reduzir em quase 40% a ansiedade das pessoas que conversam com ele. Afinal, o que não vai faltar nos próximos anos é público alvo com questões emocionais para trabalhar.
Se você tem o privilégio de falar inglês, sugiro testar o app.
Por enquanto, ele está disponível gratuitamente, ainda que a empresa tenha planos de criar um modelo de negócios, provavelmente baseado em assinaturas. Segundo a criadora do Woebot, o objetivo é se manter acessível, porque a maior parte dos jovens não tem como arcar com apoio de terapeutas, e o bot poderia atender a essa parcela do público. Ou de repente o app pode se transformar em um benefício corporativo, oferecido aos funcionários da mesma forma que acontece com o Headspace hoje em dia. É cedo ainda para dizer, mas com tantos medos, receios e ansiedade com que estamos vivendo em uma escala mundial, quem sabe bots como o Woebot possam nos ajudar ao menos a reduzir o sofrimento.
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