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Perfis do Instagram que realizam sorteios irregulares, sem conformidade com os procedimentos previstos em lei, estão se tornando alvos de processos administrativos abertos pelo Ministério da Economia, com potencial de gerar multas pesadas de até 100% do valor dos prêmios oferecidos.

Em reportagem publicada em abril, o Núcleo mostrou como perfis brasileiros no Instagram dominam o ranking mundial de maior engajamento valendo-se de anúncios de sorteios de motos e carros, com publicações inundadas com dezenas de milhões de comentários cada.

Sem os procedimentos adequados, a prática infringe tanto as políticas de comunidade da rede social quanto a lei brasileira, que permite apenas sorteios realizados por pessoas jurídicas e exige uma autorização prévia do Ministério da Economia e da Caixa Econômica Federal.


É importante porque...
  • Os sorteios podem ser ilegais e ferem a política de uso do Instagram
  • Não há controle ou fiscalização, o que torna praticamente impossível verificar se são legítimos
  • A tática é injusta com influenciadores que geram conversas reais

Apuração do Núcleo conferiu dezenas de processos apurados pela Secretaria de Avaliação, Planejamento, Energia e Loteria (Secap) que têm como base sorteios realizados no Instagram. Os processos foram acessados através de uma pesquisa pública na plataforma SEI, do Ministério da Economia, por dica de um leitor da nossa comunidade.

O Ministério da Economia respondeu inicialmente que se pronunciaria sobre o tema, mas não disponibilizou porta-voz apesar de repetidas solicitações do Núcleo durante duas semanas. Também foram enviadas questões por email, não respondidas até o fechamento. Nenhum dos perfis citados retornou pedidos por comentários enviados via Instagram ou email.

Além de órgão fiscalizador, a Secap é também responsável por conceder autorizações para os sorteios por meio da Coordenação-Geral de Regulação e Promoção Comercial.

Há um portal próprio para solicitar a autorização, que deve ser enviada entre 40 a 120 dias antes da data de início da promoção. Há ainda uma taxa de fiscalização que deve ser paga que varia de acordo com o valor dos prêmios oferecidos.

Mas esses prazos para se obter uma autorização são incompatíveis com a velocidade das redes sociais e com o volume de posts que envolvem sorteios. Nos últimos 12 meses, foram ao menos 280 mil posts públicos no Instagram com a palavra "sorteio", com um total de 1,93 bilhão de interações, segundo a ferramenta CrowdTangle.

DE MEMES A SORTEIOS

Em agosto de 2020, a conta @RecifeOrdinario, que publica conteúdos e memes focados na capital pernambucana para seus 1,2 milhão de seguidores, fez um post de sorteio.

Os prêmios eram uma moto elétrica da marca Voltz para o primeiro lugar, uma viagem para Fernando de Noronha com acompanhante para o segundo lugar e, para o terceiro ganhador, um iPhone 8 Plus. Para participar, usuários deveriam seguir um outro perfil (@sorteioordinarioo) e todos os perfis que aquela conta seguia e deixar comentários no post marcando outras pessoas.

A promoção entrou no radar da Secap, dentro do Ministério da Economia, meses depois, em fevereiro de 2021. Em ofício, uma técnica notou que a conta realizou promoção comercial sem autorização prévia, em desacordo com a lei. Nesse mesmo ofício, ela sugeriu a abertura de processo administrativo contra o empresário responsável.

Print de tela de exemplo de promoção considerada irregular pelo Ministério da Economia

Caso comprovado que houve infração, ou seja, que o sorteio foi realizado sem autorização prévia, o empresário estaria sujeito a uma penalização prevista pela mesma legislação (Lei 5.768, de 1971). As sanções incluem multa de até 100% da soma dos valores dos bens anunciados como prêmios e proibições à realização de operações desse tipo durante um período de até dois anos.

Além das sanções, caso comprovada a irregularidade, o responsável também fica sujeito à cobrança da taxa de fiscalização, que tem como base o valor total dos prêmios ofertados, e à apresentação de DARF (documento para recolhimento fiscal) correspondente a 20% do imposto de renda sobre o valor dos prêmios.

Depois de instaurado o processo, a Secap deu 30 dias para o empresário apresentar defesa, o que ele fez.

O ofício da defesa não está anexado ao processo, mas, em nota técnica, a Secap apresenta um resumo: foi sugerido o arquivamento do inquérito sem quaisquer sanções, alegando que a modalidade do sorteio, de caráter recreativo e gratuito, utilizado na postagem não se enquadraria sob a lei, o que tornaria desnecessária a autorização do governo.

A defesa do empresário alegou também ser apenas a parte divulgadora do sorteio, não sendo responsável por entrar com o pedido de autorização.

As alegações da defesa não colaram com a Secap, que acabou determinando multa no valor de R$4.235, 05, equivalente a 20% do valor total dos prêmios, além do pagamento da taxa de fiscalização no valor de R$1.333.

O tipo de sorteio realizado pelo perfil Recife Ordinário, que exige que usuários comentem e sigam diversas contas, é comum no Instagram. A prática é recorrente em sorteio de iphones, carros e motocicletas.

VEREADOR SORTEADOR

Em maio deste ano, o Ministério da Economia sugeriu a abertura de um processo administrativo que tinha como alvo um político eleito: o vereador mineiro Rubens Gonçalves de Brito (PSD), reeleito em 2020 para seu terceiro mandato. Conhecido como Bim da Ambulância, o vereador tem 605 mil seguidores no Instagram.

No feed de Bim, estão as fotos oficiais do sorteio, que trazem os carros e ao fundo a Cidade Administrativa de Minas Gerais, também marcada como localização da foto. A instalação, obra do arquiteto Oscar Niemeyer, funciona como sede oficial do governo do Estado de Minas Gerais.

Print de tela de exemplo que mostra sorteio realizado por vereador

O caso do Bim da Ambulância chegou até a Secap através de uma denúncia do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, que também apura a realização dos sorteios realizados pelo vereador. Pela realização dos sorteios sem autorização prévia, a Secap sugeriu a abertura de um processo administrativo para "apurar a possibilidade de realização de distribuição gratuita de prêmios, a título de propaganda, sem a devida autorização prevista no art. 1º da Lei nº. 5.768, de 1971, nos termos do art. 12º da Lei nº. 5.768, de 1971."

Além do caso de Bim, nos últimos 30 dias, a Secap deu início a outros dois processos que envolvem o sorteio de carros.

Em resposta a questionamento enviado pelo Núcleo, o Instagram afirmou em nota que "as Diretrizes da Comunidade do Instagram devem ser respeitadas em todo conteúdo publicado, inclusive as que tratam da conformidade às regras e regulamentos aplicáveis a promoções. Violações das políticas do Instagram podem levar à remoção de conteúdo ou conta. Estamos abertos e mantemos diálogo com as autoridades competentes".

COMO FIZEMOS ISSO

Consultamos os processos usando a pesquisa pública do SEI do Ministério da Economia, filtrando por "Promoções comerciais: fiscalização de promoções comerciais e captação de poupança popular" no tipo de processo e por "Secap-COGPC - Coordenação-Geral de Regulação de Promoção Comercial" na unidade geradora do processo. Só olhamos processos públicos, uma vez que outros têm o acesso restrito.

O Núcleo entrou em contato com os perfis citados nessa reportagem, mas não houve resposta até o fechamento. Também enviamos demanda para o Ministério da Economia, que não foi atendida até o fechamento.

Os dados do Instagram foram obtidos via CrowdTangle.

Reportagem Laís Martins
Edição Sérgio Spagnuolo
Instagram
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