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A Meta colocou usuários em risco ao permitir que dados pessoais de usuários brasileiros fossem utilizados para treinar seus modelos de inteligência artificial, incluindo crianças e adolescentes, de acordo com uma inédita decisão da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).
PEDIU PRA PARAR. A autarquia, que regula a utilização de dados pessoais por empresas e outras organizações, determinou nesta terça-feira (2.jul.2024) a “imediata suspensão” no Brasil da vigência da nova política de privacidade da Meta, que entrou em vigor no fim de junho e passou a contemplar o uso de dados (como fotos, vídeos e posts) para treinar ferramentas de IA.
“Tal tratamento pode impactar número substancial de pessoas, já que, no Brasil, somente o Facebook possui cerca de 102 milhões
de usuários ativos”, disse a ANPD.
Ao Núcleo, a Meta informou por email estar “desapontada” com a determinação da ANPD, repetindo o mantra que falaram na Europa, onde decisões semelhantes também foram tomadas:
“Estamos desapontados com a decisão da ANPD. Treinamento de IA não é algo único dos nossos serviços, e somos mais transparentes do que muitos participantes nessa indústria que têm usado conteúdos públicos para treinar seus modelos e produtos. Nossa abordagem cumpre com as leis de privacidade e regulações no Brasil, e continuaremos a trabalhar com a ANPD para endereçar suas dúvidas. Isso é um retrocesso para a inovação e a competividade [sic] no desenvolvimento de IA, e atrasa a chegada de benefícios da IA para as pessoas no Brasil.”
RISCO DE DANO GRAVE. A ANPD fez uma nota dura sobre o caso, dizendo haver um risco “grave e de difícil reparação aos usuários”.
“A ANPD tomou conhecimento do caso e instaurou processo de fiscalização de ofício – ou seja, sem provocação de terceiros – em função de indícios de violações à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)”, diz o comunicado da autarquia.
“Após análise preliminar, diante dos riscos de dano grave e de difícil reparação aos usuários, a Autoridade determinou cautelarmente a suspensão da política de privacidade e da operação de tratamento.”
A lista de potenciais violações apresentadas pela ANPD é contundente:
- uso de hipótese legal inadequada para o tratamento de dados pessoais;
- falta de divulgação de informações claras, precisas e facilmente acessíveis sobre a alteração da política de privacidade e sobre o tratamento realizado;
- limitações excessivas ao exercício dos direitos dos titulares;
- e tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes sem as devidas salvaguardas.
Leia o voto da ANPD aqui
REDES IMPACTADAS. As medidas valem pros principais produtos da Meta, como Facebook, Instagram e o sistema de mensagens Messenger.
A Meta também é dona do WhatsApp, mas suas mensagens são protegidas por criptografia.
VAI CUSTAR REAIS. Na medida preventiva, a ANPD estabelece ainda uma multa diária de R$ 50 mil por descumprimento da decisão.
Não está claro é o que acontecerá caso dados pessoais e sensíveis tenham imediatamente sido coletados ou processados pela Meta. O prazo estipulado pela empresa para que usuários manifestassem o não consentimento para essa nova política era até a última quarta-feira (26.jun).
O Núcleo questionou a ANPD sobre o que vai acontecer com os dados pessoais que já foram coletados ou tratados pela Meta. Via assessoria de imprensa, o setor de fiscalização do órgão informou após a publicação da reportagem que “a questão dos dados já tratados será analisada durante o processo de fiscalização (que continua, mesmo com a medida preventiva em vigor)”.
CADÊ A TRANSPARÊNCIA? O problema é que, segundo a ANPD, a Meta não comunicou adequadamente usuários brasileiros dessa alteração nas diretrizes, e organizações da sociedade civil apenas estipularam que o prazo para se opor seria o mesmo da Europa — onde a coleta de dados foi interrompida pela autoridade de proteção de dados irlandesa, bem como no Reino Unido.
Essa falta de comunicação e transparência foi um dos pontos abordados na notificação enviada pelo Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) à ANPD, Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) e ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
FUNDAMENTAÇÃO. Marina Siqueira, advogada do Programa de Telecomunicações e Direitos Digitais do Idec, explicou ao Núcleo que a notificação se baseia em três argumentos:
- a Meta não comunicou a alteração na política de forma eficiente e correta aos usuários brasileiros;
- a falta de transparência sobre como, onde e por que esses dados serão usados fere a legislação brasileira vigente;
- e o formulário para que as pessoas se opusessem à coleta de dados tinha um design predatório, exigindo oito passos a serem preenchidos e não oferecendo tutorial da plataforma.
Eles falam que seria para treinar a IA generativa, mas qual a IA generativa? Qual o objetivo disso? Quais seriam os benefícios para os consumidores? Quais seriam as salvaguardas para os consumidores? Como garantir a segurança desses dados?
– Marina Siqueira, IDEC
Reportagem Sofia Schurig
Arte Rodolfo Almeida
Edição Sérgio Spagnuolo
⚠️Texto atualizado às 11:37 do dia 2.jul para incluir resposta da ANPD sobre o que acontecerá com dados já processados pela Meta.