Advogada da Meta na ANPD integra conselho da agência reguladora

Escritório de Ana Paula Bialer defende a Meta contra medidas de fiscalização da autarquia, enquanto ela faz parte do Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade; advogada diz que não há conflito de interesses
Advogada da Meta na ANPD integra conselho da agência reguladora
Arte: Rodolfo Almeida
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A Meta contratou para sua defesa em fiscalizações da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) o escritório de uma advogada que compõe o conselho consultivo que assessora a agência regulatória.

Ana Paula Bialer integra o Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade (CNPD) desde 2021. Atualmente ela é suplente. Ao mesmo tempo, Bialer faz parte da equipe jurídica que negocia com a ANPD "um plano de conformidade" que permita à Meta usar dados de brasileiros para treinar sistemas de inteligência artificial, inclusive os de crianças e adolescentes.

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O CNPD elabora políticas e diretrizes para a ANPD. São 23 membros no total. No conselho, Bialer ocupa assento para "Entidades representativas do setor empresarial relacionado à área de tratamento de dados pessoais" pela Brasscom (Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e de Tecnologias Digitais), que não inclui a Meta entre suas associadas.

Em 2.jul.2024, a ANPD suspendeu parte da política de privacidade da plataforma por considerar que a Big Tech colocou usuários em risco para treinar seus modelos de inteligência artificial, inclusive crianças e adolescentes.

Em nota ao Núcleo, Bialer disse não haver "qualquer impeditivo ou conflito de interesses" entre sua atuação como advogada da Meta e sua participação no CNPD.


É importante porque...

Especialistas não vêem conflito de interesses no caso, mas influência de representantes da Meta junto à ANPD é preocupante

ANPD já é ré em ação do MPF por deixar de fiscalizar o mau uso de dados pessoais de brasileiros pelo WhatsApp, app de mensagens que pertence à Big Tech


"O que me preocupa é o acesso que essa pessoa Conselheira tem junto à ANPD para influenciar seu caso", avalia a advogada Marina Fernandes, do programa de Telecomunicações e Direitos Digitais do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec).

"Isso é bem subjetivo e muito difícil de traçar um nexo de causalidade, mas o acesso às instâncias de decisão por advogados pode influenciar as decisões e atuações dos tomadores de decisão", avalia Fernandes.

Atualmente, a autarquia e a Meta são rés de uma ação movida pelo Ministério Público Federal (MPF) e o Idec, que acusam a Big Tech de abusar dos dados de brasileiros em sua política de privacidade e vêem "falhas graves" na falta de fiscalização da ANPD no caso. Procurada pela reportagem, a Meta não respondeu.

Acesse legisla.tech

Encontros e palestras

Bialer está entre os nove advogados que assinam duas petições da plataforma no processo da ANPD sobre uso de dados de brasileiros para treinar IA, segundo documentos que foram obtidos pela reportagem via Lei de Acesso à Informação (LAI) e em consulta ao Serviço Eletrônico de Informações (SEI) da autarquia.

O escritório do qual ela é sócia, Bialer Falsetti Associados, faz a defesa da Meta em parceria com o escritório Mattos Filho. Ao Núcleo, ela disse atuar no caso somente como "consultora jurídica técnica externa" e que não participou das reuniões entre Meta e ANPD em que os ajustes necessários para se liberar a IA da Big Tech no país tem sido negociados.

SEM RESTRIÇÃO. "Admitir a tese de que pessoas que sirvam como membros do CNPD não podem exercer funções profissionais como a advocacia por conflitos de interesses seria negar a própria intenção de criação do órgão, que é ter uma visão completa e multissetorial na análise de temas afetos à ANPD", disse Bialer.

Já a própria autarquia afirmou em nota ao Núcleo que hoje "não há impedimento no sentido de que uma conselheira representante de entidades representativas do setor empresarial relacionado à área de tratamento de dados pessoais atue como advogada na área de proteção de dados".

Veja a íntegra da nota de Ana Paula Bialer

"O Conselho Nacional de Proteção de Dados - CNPD é um órgão composto por representantes da sociedade civil, setor empresarial, academia e entidades científicas, assim como por representantes do Poder Público e tem por objetivo, segundo o artigo 58-B da LGPD, (a) propor diretrizes estratégicas e fornecer subsídios para a elaboração da Política Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade e para a atuação da ANPD; (b) elaborar relatórios anuais de avaliação da execução das ações da Política Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade; (c) sugerir ações a serem realizadas pela ANPD; (d) elaborar estudos e realizar debates e audiências públicas sobre a proteção de dados pessoais e da privacidade, e (e) disseminar o conhecimento sobre a proteção de dados pessoais e da privacidade à população. É um órgão de natureza meramente consultiva, não tendo, portanto, os seus membros qualquer ingerência ou poder decisório sobre as deliberações promovidas pela ANPD e seus dirigentes, tampouco há qualquer relação de subordinação entre os membros do CNPD e aqueles que detém poder decisório na autoridade. Portanto, não há que se falar em obstáculo ou conflitos de interesse à sua atuação administrativa perante a Autoridade que, enfatizamos, nem mesmo possui representante no CNPD.

Portanto, dada a natureza estrita do CNPD como órgão consultivo, sem qualquer autoridade legal para tomar decisões, editar regulamentação ou fiscalizar o cumprimento da LGPD, bem como só tendo acesso a informações necessárias para o exercício de suas funções como membro do CNPD, não sendo compartilhadas informações confidenciais da Autoridade, não há qualquer objeção à participação de Ana Paula Bialer como membro do CNPD e sua atuação em defesa de clientes junto a Autoridade.

Ana Paula Bialer ocupa no CNPD uma vaga de representação do setor empresarial afeto ao tratamento de dados pessoais, tendo sido indicada por diversas entidades do setor. Nesse sentido, sua representação e seu posicionamento no CNPD são isentos e não representam os interesses de qualquer empresa específica, pois ela conduz as atividades inerentes ao seu cargo de forma ética e imparcial, pela própria natureza de suas atribuições e das entidades que a indicaram.

Ao admitir a tese de que pessoas que sirvam como membros do CNPD não possam exercer funções profissionais como a da advocacia por conflitos de interesses seria negar a própria intenção de criação do órgão, que é ter a visão completa e multisetorial, no sentido de analisar os temas afetos à ANPD e realizar estudos e debates, assim como emitir recomendações, que podem ser acolhidas, rechaçadas ou, ainda, utilizadas em eventual aprofundamento de estudos.

Muito embora não exista qualquer impeditivo ou conflito de interesse, Ana Paula Bialer não participou de reuniões entre Meta e ANPD no âmbito deste processo, tendo atuado como consultora jurídica técnica externa no caso, no exercício regular de sua atividade profissional, em conjunto com a equipe jurídica do seu escritório, assim como com outro renomado escritório.

Ana Paula Bialer possui notória expertise na temática de proteção de dados pessoais, atuando com o tema de privacidade e proteção de dados desde 2010, possuindo o certificado do IAPP de expertise em Proteção de Dados (CCPI-E), e a certificação de DPO (Data Protection Officer) emitida pelo European Centre on Privacy and Cybersecurity - ECPC da Universidade de Maastricht. Possui artigos publicados sobre o tema e já participou de dezenas de debates, seminários, painéis e workshops sobre a temática sendo, de fato, uma referência técnica respeitada." 

CONFLITO DE INTERESSES? Conselheiros do CNPD estão sujeitos às normas previstas na Lei de Improbidade Administrativa, mas dividir a advocacia para Big Techs junto à ANPD e um assento no conselho, em tese, não fere nenhuma regra.

"Para apontar um conflito de interesses seria necessário que o conselheiro atuasse contra os interesses do setor [que o indicou ao CNPD] ou que utilizasse o espaço para promover seus clientes", explica Fernandes, do Idec. Neste caso, Bialer está no conselho representando o setor privado de telecomunicações.

Segundo a advogada da Meta, como o CNPD é um órgão consultivo sem autoridade para tomar decisões ou fiscalizar o cumprimento da LGPD, ela não tem acesso a informações confidenciais da autoridade.

"Não há qualquer objeção à participação de Ana Paula Bialer como membro do CNPD e sua atuação em defesa de clientes junto à Autoridade", disse seu escritório em nota ao Núcleo.

PROXIMIDADE

Em 1.ago.2024, Bialer participou de um encontro promovido pela ANPD onde palestrou em uma mesa sobre "Inteligência Artificial e Proteção de Dados Pessoais". Na ocasião, quem mediou o debate foi uma diretora da autarquia, Miriam Wimmer, justamente a relatora do processo que fiscaliza a Meta.

Em mai.2023, Bialer chegou a participar de uma reunião com o diretor-presidente da autarquia, Waldemar Gonçalves, na condição de conselheira titular do CNPD. Em nota ao Núcleo, a ANPD disse que o conselho dá contribuições à formação da política de proteção de dados e não detém competência decisória.

Os membros do CNPD "não têm acesso a processos fiscalizatórios ou informações privilegiadas, e que as deliberações tomadas pelo Conselho terão caráter opinativo", afirmou a autarquia.

Íntegra da resposta da ANPD

1) As regras da ANPD permitem que uma conselheira de seu órgão consultivo, a CNPD, represente e defenda agentes regulados nos processos administrativos do órgão? Conselheiros do CNPD, que lá estão a título de "prestação de serviço público relevante", não precisam se submeter a nenhum regramento de conflitos de interesses? Qual o posicionamento do órgão sobre Bialer ser advogado da Meta perante a ANPD e conselheira do CNPD ao mesmo tempo?
A participação no CNPD se dá sem remuneração e é considerada prestação de serviço público relevante. Atualmente, não há impedimento no sentido de que uma conselheira representante de entidades representativas do setor empresarial relacionado à área de tratamento de dados pessoais atue como advogada na área de proteção de dados, pois diante da interpretação da legislação específica, não seria razoável exigir que os membros do CNPD estivessem inativos no exercício de suas atividades privadas para que pudessem participar da sua composição, considerando ainda que a finalidade do Conselho é, justamente, ponderar o posicionamento das diversas entidades que lidam com a matéria, funcionando como órgão consultivo da ANPD. Contudo, ressalte-se que os membros do Conselho não têm acesso a processos fiscalizatórios ou informações privilegiadas, e que as deliberações tomadas pelo Conselho terão caráter opinativo, visto que este deverá atuar de forma a contribuir com proposições para formação da política de proteção de dados, não detendo competência decisória. 

2) Eu soube que hoje a ANPD e a Meta negociam um "plano de conformidade" para liberar o uso de dados pessoais de brasileiros no treinamento de IA da empresa. Para isso, foram feitas reuniões nos dias 15/07 e 06/08. Por que esses encontros não constam na agenda de nenhum dos diretores da ANPD? Quem participou dessas reuniões? Bialer foi uma das participantes? Há atas dessas audiências? Qual a razão para que não haja transparência neste tipo de encontro?
No contexto do processo de fiscalização relativo ao tratamento de dados pessoais pela Meta para o treinamento de modelo de inteligência artificial generativa, o Conselho Diretor da ANPD determinou à empresa que apresentasse Plano de Conformidade com medidas corretivas para sanar as irregularidades identificadas. As reuniões mencionadas (realizadas nos dias 15/07 e 06/08) foram para discutir as medidas concretas que seriam implementadas pela empresa, bem como os prazos de implementação. Dessas reuniões participaram representantes da Coordenação Geral de Fiscalização e da Coordenação Geral de Tecnologia e Pesquisa. Segundo a legislação vigente, são obrigados a manter agenda pública no e-Agendas ocupantes de cargos de nível 15 (antigo DAS 5) e acima. Como os agentes públicos que participaram dessas reuniões não se enquadram nessa hipótese, os encontros não constam em agenda pública. As listas de participantes podem ser consultadas no respectivo processo administrativo e estão disponíveis para acesso por terceiros interessados, com tarjamento apenas de informações sobre a assinatura, os telefones e os endereços de e-mail dos participantes, por tratarem-se de informações pessoais protegidas.O acesso aos registros das reuniões encontra-se, temporariamente, limitado aos servidores públicos responsáveis pela instrução do processo de fiscalização, uma vez que os documentos têm natureza preparatória para decisão do Conselho Diretor da ANPD, nos termos da Lei de Acesso à Informação. O referido processo (nº 00261.004509/2024-36) pode ser acessado na íntegra por meio do módulo de consulta pública do SEI da ANPD. O acesso a documentos gerados ou assinados antes de 1º de agosto podem ser acessados por meio do documento Certidão 0139482 (primeiro documento público do processo)."

LOBBY. Em 2021, Bialer coassinou com a deputada federal Luiza Canziani (PSD-PR) um artigo no site Jota, defendendo uma regulação de inteligência artificial mais favorável ao setor privado.

Canziani já presidiu a Frente Digital — bancada criada em 2019 para fazer lobby para big techs no Congresso — atualmente não consta na lista de integrantes da bancada no site da Câmara dos Deputados.

Saiba as atribuições do CNPD

A Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018) no Art. 58- B apresenta as competências do Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade: 

"Art. 58-B: 

I - propor diretrizes estratégicas e fornecer subsídios para a elaboração da Política Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade e para a atuação da ANPD;

II - elaborar relatórios anuais de avaliação da execução das ações da Política Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade; 

III - sugerir ações a serem realizadas pela ANPD; 

IV - elaborar estudos e realizar debates e audiências públicas sobre a proteção de dados pessoais e da privacidade; e

V - disseminar o conhecimento sobre a proteção de dados pessoais e da privacidade à população."

Reportagem Pedro Nakamura e Sofia Schurig
Arte Rodolfo Almeida
Edição Sérgio Spagnuolo e Alexandre Orrico

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