Meta tentou desqualificar pesquisadores que apontaram anúncios com fraude

Advogados da empresa tentaram desqualificar pesquisadores do NetLab, ligado à UFRJ, após dona do Instagram e do Facebook ser multada por anúncios com fraudes que usavam o nome do programa Desenrola
Meta tentou desqualificar pesquisadores que apontaram anúncios com fraude
Arte: Heloisa Botelho
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A Meta usou seus advogados para tentar desqualificar pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que relataram falhas e negligência na moderação de anúncios na plataforma, mostram documentos obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI) pelo Núcleo.

Relatórios do NetLab, um laboratório que pesquisa internet e redes sociais, foram usados pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), órgão vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), para notificar e depois multar a Meta em nov.2023.

Na ocasião, o grupo mostrou que a empresa não tirou do ar mais de 1,800 posts publicitários contendo golpes que usavam o nome do Desenrola (programa do governo para pessoas endividadas), mesmo após uma notificação meses antes, em jul.2023, ter demandado a retirada dos conteúdos.

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É importante porque...

Plataforma sugere que críticos das Big Techs são "enviesados"

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Em resposta à multa, que usou o estudo como base, a plataforma acusou a equipe da UFRJ de ser "enviesada" e não atuar "de forma técnica".

O documento que ataca os pesquisadores, uma defesa administrativa, foi assinado pelo escritório de advocacia TozziniFreire em 26.dez.2023. Ele consta no processo aberto pela Senacon contra a rede social, que segue em tramitação, informou o órgão à reportagem.

Trecho de defesa administrativa da Meta que menciona relatório produzido pelo NetLab

No texto, a Meta qualifica o Netlab como um "terceiro parcial" que "nunca poderia produzir uma prova técnica neutra". A plataforma acusa os relatórios do grupo da UFRJ de conterem "uma série de imperfeições, respostas direcionadas, conclusões distorcidas e de confiabilidade, no mínimo, duvidosa", mas sem explicar quais erros ou distorções seriam esses.

"O Netlab possui uma opinião política institucional manifestamente contrária ao Facebook Brasil", argumentou a empresa. "E não só: a própria coordenadora do laboratório, a professora Rose Marie Santini, já emitiu diversas opiniões públicas com fortes críticas às plataformas digitais", afirmou, citando como fonte uma entrevista da pesquisadora sobre como as redes lucram com o extremismo.

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Entenda o processo.
* Em jul.2023, a Senacon, após um estudo do Netlab, notificou Google e Meta pedindo a remoção de anúncios fraudulentos que imitavam programas sociais e circulavam nas redes.
* Meses depois, em set.2023, um novo relatório da equipe da UFRJ mostrou que as mesmas fraudes ainda circulavam nas redes da Meta, apesar da ordem.
* Por isso, a Senacon impôs uma multa de R$ 150 mil diários à plataforma pela não remoção de anúncios no período descrito pelo estudo do Netlab, 62 dias, o que soma R$ 9,3 milhões no total.
* A multa "será cobrada após a tramitação do processo administrativo sancionador principal", disse o órgão ao Núcleo.

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Estratégia global

Uma das principais estudiosas de redes sociais do país, Marie Santini, coordenadora do grupo e principal alvo das críticas, explica que difamar cientistas se tornou uma "estratégia global" de Big Techs para calar críticos nas universidades.

Nos EUA, a rede social já baniu pesquisadores que desagradaram a empresa. Além disso, grandes empresas de tecnologia têm processado acadêmicos críticos.

"Eles dizem que nossas metodologias não são válidas ou têm vieses porque querem que o mercado de anúncios, cliente deles, use só as métricas e análises que eles mesmos fazem de si", afirma a professora da UFRJ.

Eles não aceitam o escrutínio de ninguém e, para isso, são capazes até de difamar a academia
– Marie Santini, NetLab
Anúncios fraudulentos identificados pelos pesquisadores usavam páginas falsas de jornais e imagens de políticos (Reprodução: NetLab)

A Senacon informou ao Núcleo que o NetLab coopera com o órgão para "fornecer subsídios à secretaria nos processos administrativos sancionadores, por sua expertise técnica sobre a matéria".

"A Senacon ressalta que o laboratório tem fornecido subsídios técnicos importantes para a instrução dos feitos", disse em nota.

Procurada, a Meta não quis se explicar.

Leia a íntegra das respostas da Senacon ao Núcleo

1) Qual foi o desfecho do processo administrativo sancionador aberto contra o Facebook Brasil em decorrência da permanência de anúncios fraudulentos relativos ao Desenrola? Ele segue ativo? Foi arquivado? Houve nova sanção imposta?
O processo administrativo sancionador referido segue regularmente sua tramitação, nos termos da legislação que disciplina os processos administrativos sancionadores no âmbito da Administração Pública Federal (em especial as Leis n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999, e n. 9.873, de 23 de novembro de 1999) e a proteção e defesa do consumidor (em especial o Código de Defesa do Consumidor e o seu regulamento). A empresa apresentou defesa, e o processo segue a fase de instrução. Ao final, será adotada decisão conforme os elementos de fato e de direito constantes nos autos.

2) Em relação às multas impostas ao Facebook Brasil por manter no ar anúncios fraudulentos, elas foram pagas? Ou houve algum tipo de judicialização? Na eventualidade de não ter sido paga, é possível precisar qual seria o valor atual devido pela Meta em multas?
Foi imposta multa diária de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) por descumprimento de medida cautelar no período de 26 de julho a 26 de setembro (62 dias), que será cobrada após a tramitação do processo administrativo sancionador principal. O MJSP não tem informação a respeito de judicialização do caso.

3) Considerando que o Netlab/UFRJ fornece relatórios que guiam a tomada de decisão da Senacon em relação às plataformas, qual o posicionamento da pasta a respeito das afirmações da Meta no referido trecho, posto que a rede social defende-se afirmando que o Netlab seria parte enviesada, ideológica e incapaz de prestar assessoria técnica à Senacon?
O Netlab/UFRJ foi convidado a cooperar com a Senacon como instituição competente para fornecer subsídios à secretaria nos processos administrativos sancionadores, por sua expertise técnica sobre a matéria. A Senacon ressalta que o laboratório tem fornecido subsídios técnicos importantes para a instrução dos feitos.

4) Reparei que, originalmente, as notificações relativas a anúncios fraudulentos do Desenrola eram destinadas à Meta e ao Google. Por que só o caso da Meta evoluiu para um processo sancionador? Por que não houve avanço neste caso em específico em relação à Google?
No primeiro momento, houve apenas edição de medida cautelar em face das empresas no que se refere à veiculação de conteúdo ilícito sobre o programa Desenrola Brasil. Diante dos indícios de descumprimento da medida cautelar pela Meta, foi aplicada multa diária e instaurado processo administrativo sancionador.

Um dos argumentos da Meta para desacreditar o grupo é que os relatórios publicados não continham links para cada um dos 1,817 anúncios identificados como fraudulentos pelo Netlab. O grupo da UFRJ, no entanto, compartilhou com o Núcleo as planilhas usadas em seus estudos – os levantamentos continham as URLs e ids de cada publi.

"Essa é uma estratégia de nos colocar trabalhando para eles, sendo que eles já ganharam dinheiro com o anúncio e aí esse pedido transfere para nós a responsabilidade de ficar limpando a plataforma deles", critica Santini.

"Eles nunca falam de dados ou evidências, mas querem emitir opinião sobre mim ou o laboratório", afirma.

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Ataques da extrema direita
Nos EUA, políticos republicanos têm usado ações judiciais e requisições legislativas para assediar quem estuda conspirações ou desinformação. No Brasil, parlamentares bolsonaristas, como o deputado federal Marcel van Hattem, também começaram a replicar a tática.

Convergências

Meses após a Meta atacar os pesquisadores junto à Senacon, o NetLab também se tornou alvo de ativistas de extrema direita nas redes. Em um de seus relatórios mais recentes, o grupo analisou como as enchentes no Rio Grande do Sul passaram a ser usadas para a distribuição de desinformação nas redes.

A partir daí, o grupo da UFRJ passou a ser atacado por causa de parcerias que o grupo mantém com a Senacon, como as que permitiram o uso dos estudos para multar a plataforma. Para esses ativistas, tanto o financiamento federal – algo normal para qualquer pesquisa feita no país – como o apoio de entidades privadas se tornou motivo para ataques.

"Eles [extrema direita] não discutem a questão objetiva e querem politizar, assim como as Big Techs", diz Santini. "Um ajuda o outro", avalia.

Texto Pedro Nakamura
Arte Heloisa Botelho
Edição Alexandre Orrico

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