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Bets ameaçam saúde pública global, diz revista científica

Indústria de apostas on-line cresce rapidamente, sobretudo em países de renda baixa e média, como o Brasil, alerta comissão científica da The Lancet

Bets ameaçam saúde pública global, diz revista científica

A indústria de bets cresce rapidamente, impulsionada pelo fácil acesso a jogos de azar on-line, sobretudo em países de renda baixa e média, como o Brasil. O alerta foi feito por uma comissão científica em um artigo lançado nesta quinta-feira, 24.out.2024, pela prestigiada revista científica The Lancet.

Segundo a revista, as bets influenciam regulações que isentam o setor de seus malefícios à saúde pública, enquanto evidências sobre os impactos sociais das apostas se avolumam para além do vício individual.

A tática global de lobby das bets

Segundo a comissão, as táticas de lobby do setor são similares a de outras indústrias que vendem produtos viciantes e nocivos à saúde. "Para moldar as percepções do público, enquanto fazem lobby junto a tomadores de decisão para avançar seus interesses comerciais, a indústria pinta a aposta como um entretenimento sem risco e aponta os benefícios econômicos (inclusive a renda de impostos) e as oportunidades de emprego que a indústria fornece", dizem os cientistas. "Segundo as narrativas da indústria, a responsabilidade pelo risco da aposta é atribuída a indivíduos, particularmente aqueles que se engajam em apostas problemáticas, o que desvia a atenção de condutas corporativas", ressaltam os cientistas.

CHAMADO PARA AÇÃO GLOBAL. Os cientistas pedem que governos e entidades, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), se mobilizem para mitigar os riscos causados pelo setor. A comissão estima que 46% dos adultos e 18% dos adolescentes apostaram no ano passado. "Para a indústria das apostas, isso não é um cenário epidemiológico, e sim um mercado altamente lucrativo e rapidamente em expansão", dizem.

TABACO, ÁLCOOL E BET. Os especialistas afirmam que, ao contrário do cigarro e da bebida, que têm um "limite natural e físico" para o consumo, usuários podem apostar continuamente 24 horas por dia pela internet, com o acesso a dinheiro sendo o único limite real para o vício. "Produtos de apostas online são feitos para serem ágeis e intensos, características associadas a um risco maior para consumidores", alerta a comissão.

PUBLIS NAS REDES. A comissão alerta que "o marketing de apostas agora está entrelaçado com redes sociais, influencers e a cultura de streaming", o que complica a tarefa de regular a publicidade no setor. O uso de infraestruturas digitais e a coleta de dados em massa possibilitou às empresas do setor uma "capacidade inigualável" para mirar usuários, personalizar anúncios e aumentar o engajamento com seus produtos, dizem.

MARKETING DO "JOGO RESPONSÁVEL". A comissão também ressalta que uma regulação de apostas focada na saúde pública é diferente da focada em "jogo responsável", um paradigma criado pela própria indústria, baseado em evidências "modestas ou pobres" e que distorce os impactos de jogos de azar. No Brasil, o Ministério da Fazenda incluiu princípios do "jogo responsável" no próprio regramento para a publicidade de apostas.

Leia um resumo das recomendações da comissão científica da The Lancet Public Health a governos

O Jogo como Questão de Saúde Pública:
Os governos devem priorizar a saúde e o bem-estar acima de interesses econômicos ao definir políticas sobre jogos de azar.

Regulação Eficaz é Essencial:
Em todos os países, com ou sem legalização dos jogos, recomenda-se:

  • Reduzir a exposição e o acesso ao jogo, limitando promoções, marketing e patrocínios.
  • Oferecer suporte e tratamento acessível e universal para os danos causados pelo jogo.
  • Desnormalizar a prática do jogo por meio de campanhas educativas bem financiadas.

Reguladores Fortes e Independentes:
Onde o jogo é permitido, a regulamentação deve incluir:

  • Proteção de crianças e adolescentes, exigindo idade mínima e identificação obrigatória.
  • Medidas de proteção ao consumidor, como autoexclusão universal e sistemas de registro de usuários.
  • Regulação proporcional ao risco de cada produto de jogo.
  • Limites obrigatórios de consumo, como tetos de depósito e aposta, e sistemas de compromisso prévio.

Independência de Influências Comerciais:
Políticas e pesquisas devem ser protegidas contra a influência comercial. A transição para o financiamento independente deve ser acelerada, com menor dependência da indústria.

Colaboração Internacional:
Organizações da ONU e entidades intergovernamentais devem integrar a questão dos danos do jogo em suas estratégias de saúde e bem-estar.

Criação de Aliança Internacional:
É necessário formar uma aliança global com a sociedade civil, vítimas, pesquisadores e profissionais para liderar debates e o advocacy sobre o tema.

Resolução na Assembleia Mundial da Saúde:
Recomenda-se iniciar o processo para a adoção de uma resolução na Assembleia Mundial da Saúde sobre a dimensão de saúde pública dos jogos de azar.

Reportagem Pedro Nakamura
Edição Alexandre Orrico
Tags: Jogo Rápido
Pedro Nakamura

Pedro Nakamura

Repórter do Núcleo. Já escreveu para Estadão, Intercept Brasil, Matinal, Veja Saúde e Zero Hora. Interessado em jornalismo investigativo com foco em ciência, saúde, meio ambiente e tecnologia.

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