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Com fim de checagem, Zuck arrisca transformar redes da Meta num X mais caótico

Em vez de terceirizar checagem para profissionais, empresa de Mark Zuckerberg recorre a usuários, aos quais não precisa pagar nada

Com fim de checagem, Zuck arrisca transformar redes da Meta num X mais caótico
Arte: Rodolfo Almeida
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A decisão da Meta de encerrar seu programa de checagem terceirizada de fatos em prol de notas de comunidade terá uma série de implicações tanto para a qualidade (já decrépita) do conteúdo de suas plataformas quanto para centenas de organizações de jornalismo que fazem parte desse programa.

Mark Zuckerberg, CEO e principal acionista da Meta, argumentou que a medida tem como base uma questão de liberdade de expressão, de que atualmente censura-se muito conteúdo por pressão "de governos e da imprensa", e que as últimas eleições nos EUA formaram um claro sinal disso.

A empresa vai primeiro encerrar o programa nos EUA e observar o que acontece antes de tomar decisões globais.

"Governos e a mídia tradicional pressionam por censurar cada vez mais", disse o bilionário, tentando se distanciar da responsabilidade imposta por seu cargo e seu lugar na sociedade – muitas das políticas de comunidade foram criadas pela própria Meta, diga-se.

"Vamos nos livrar de checadores de fatos e substituí-los por Notas de Comunidade, similar [ao feito] pelo X, começando nos EUA", disse Zuckerberg em um vídeo, acrescentando que a implementação das notas virá nos próximos dois meses. "Os checadores de fatos simplesmente foram muito enviesados politicamente e destruíram mais confiança do que criaram".

A declaração caiu como uma pedrada em cima dos mais de 200 parceiros de checagem, em 115 países, que a Meta tem atualmente. No Brasil, fazem parte Aos Fatos, Agência Lupa, AFP, Estadão Verifica, UOL Confere e Reuters.

"A Lupa lamenta que o programa de verificação de fatos da Meta tenha chegado ao fim nos Estados Unidos, conforme anunciado pela empresa", disse a diretora-executiva da Lupa, Natália Leal.

"Vemos com preocupação a decisão da Meta de suspender a parceria com checadores nos EUA, já que os esforços de contenção de desinformação foram recorrentemente apontados como bem sucedidos pela empresa aos seus parceiros", disse a diretora-executiva do Aos Fatos, Tai Nalon. 

O tom belicoso em relação a jornalistas adotado por Zuckerberg também gerou críticas.

"Causa espécie também a desqualificação do trabalho de jornalistas e organizações que fazem checagem de fatos com parâmetros éticos transparentes e abordagem equilibrada", disse Tai Nalon.

Qualquer empresa tem o direito de tomar decisões que considere adequadas para seu livre funcionamento, mas não é aceitável fazê-lo às expensas da reputação de profissionais éticos e independentes.
– Tai Nalon, Aos Fatos.

A AFP informou por meio de nota apenas que a medida "é um duro golpe para a comunidade de verificação de fatos e para o jornalismo. Estamos avaliando a situação."

Zuckerberg também disse que as redes da empresa vão voltar a recomendar mais posts de política, após a Meta ter passado anos detonando o rankeamento desse tipo de informação em seus algoritmos de recomendação, numa clara mudança de rumo.

Agora mais perto do presidente-eleito dos EUA, Donald Trump, e do poder, Zuckerberg passa a ver valor em conteúdo político.

"Durante um tempo, a comunidade pediu para ver menos política porque isso estava gerando estresse. Então paramos de recomendar esses posts", disse Zuck.

"Agora parece que estamos em uma nova era, e começamos a receber feedback de que as pessoas querem ver esse tipo de conteúdo novamente. Então vamos começar a reintroduzir isso no Facebook, Instagram e Threads, enquanto trabalhamos para manter as comunidades amigáveis e positivas."

Notas de comunidade funcionam?

As Notas de Comunidade podem ser um recurso útil, mas apenas seu uso isolado, sem complementação de moderação e checagem especializada, é visto com cautela, e os resultados de pesquisas acadêmicas são, no melhor dos cenários, bastante reservados.

Um artigo de pesquisadores das Universidades de Illinois e Rochester, publicado em nov.2024, indicou que esse recurso aumenta a probabilidade de retração voluntária de posts falsos pelos autores, além de ajudar na democratização do processo de verificação a partir de participação coletiva.

Ao mesmo tempo, o próprio estudo questiona se a verificação realizada pela comunidade pode ser considerada confiável, contextualizada e ter credibilidade, especialmente por não terem experiência necessária para fazer isso – além de potencial manipulação da pontuação de uma checagem.

Já um estudo sem revisão de pares feito por pesquisadores da Universidade de Luxemburgo e Oxford, de 2023, não encontrou evidências de que as Notas de Comunidade no X tenham reduzido o engajamento com posts enganosos, chegando até a sugerir que esse recurso possa ser, inclusive, lento demais para frear uma desinformação em uma fase inicial.

Uma investigação da Wired em 2023 mostrou que o sistema de Notas de Comunidade no X pode ser vulnerável a manipulação coordenada, a brigas internas de voluntários e desinformação nas próprias checagens.

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Problema de Escala

Como bem sabemos pelo exemplo do X, apenas as Notas de Comunidade não são um recursos que, por si próprio, evitou a presença de desinformação e discurso de ódio. Essas coisas continuam rolando soltas lá, talvez até mais do que antes, só que agora algumas delas tem algum tipo de sinalização.

"Entendemos que o programa de notas da comunidade como ferramenta de verificação, anunciado pela Meta em substituição ao trabalho dos checadores, já se mostrou ineficaz no X, como destacamos em reportagens nos últimos anos", disse Leal. "Ao seguir esse caminho, a empresa torna o ambiente digital menos seguro e confiável para seus usuários."

A Meta leva esse jogo para outra escala. O X, por maior que seja, possui bem menos usuários ativos mensais (estima-se que em torno de 360 milhões em todo o mundo) do que os cerca de 3 bilhões da Meta.

O potencial de caos de curto prazo que isso pode criar é monstruoso e a qualidade do conteúdo dessas redes sociais corre o risco de ficar ainda mais parecida com o X, especialmente se começarmos a ver essa comunidade de checadores voluntários ruir ou se organizar para manipular resultados.

Posicionamento da Lupa na íntegra

A Lupa lamenta que o programa de verificação de fatos da Meta tenha chegado ao fim nos Estados Unidos, conforme anunciado pela empresa na manhã desta terça-feira (7).

Apesar de a decisão não surpreender a comunidade de checadores e de não afetar a estrutura administrativa e financeira da Lupa, que completa dez anos em 2025, sabemos que muitas organizações que dependem do programa lançado em 2016 nos Estados Unidos e em 2018 no Brasil serão negativamente impactadas pela medida e nos solidarizamos com elas.

Entendemos que o programa de notas da comunidade como ferramenta de verificação, anunciado pela Meta em substituição ao trabalho dos checadores, já se mostrou ineficaz no X, como destacamos em reportagens nos últimos anos. Ao seguir esse caminho, a empresa torna o ambiente digital menos seguro e confiável para seus usuários.

Como membro da International Fact-Checking Network (IFCN) e da rede de checadores LatamChequea, a Lupa seguirá acompanhando a movimentação da Meta e medindo o impacto que essa decisão terá na saúde do ambiente digital mundo afora.

Natália Leal
Diretora-executiva

Posicionamento do Aos Fatos na íntegra

Vemos com preocupação a decisão da Meta de suspender a parceria com checadores nos EUA, já que os esforços de contenção de desinformação foram recorrentemente apontados como bem sucedidos pela empresa aos seus parceiros. 

Causa espécie também a desqualificação do trabalho de jornalistas e organizações que fazem checagem de fatos com parâmetros éticos transparentes e abordagem equilibrada. Qualquer empresa tem o direito de tomar decisões que considere adequadas para seu livre funcionamento, mas não é aceitável fazê-lo às expensas da reputação de profissionais éticos e independentes.

O trabalho de checagem de fatos, distante de ser censura, é instrumental para a liberdade de expressão. Apenas com informações factualmente verificadas é possível tomar decisões conscientes sobre temas tão urgentes quanto saúde pública e diversos tipos de violência.

Tai Nalon, diretora executiva do Aos Fatos


Texto atualizado às 16h41 de 7.jan.2025 para incluir posicionamento da AFP.

Texto atualizado às 14h39 de 8.jan.2025 para incluir menção de que a Meta vai observar primeiro os efeitos do encerramento de checagem nos EUA antes de tomar decisões em outros países.

Sérgio Spagnuolo

Sérgio Spagnuolo

Jornalista e diretor do Núcleo. Em 2014, criou a agência de newstech Volt Data Lab. Foi Knight Fellow no ICFJ e diretor na Abraji, além de ter colaborado com vários veículos nacionais e internacionais

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