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Como a Meta dobrou a aposta para valorizar engajamento em detrimento do jornalismo

Enquanto se afasta de checagem e combate à desinformação, a dona de Facebook e Instagram reformulou seu programa de monetização de influenciadores para beneficiar alto engajamento

Como a Meta dobrou a aposta para valorizar engajamento em detrimento do jornalismo
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Raio-X é uma editoria de análise opinativa sobre tecnologia e internet.

Nos últimos meses, a Meta incorporou novas abordagens em torno de seu conteúdo que, embora não imediatamente visíveis, são intrinsecamente conflituosas: o desmonte de seu programa de checagem de fatos e uma nova iniciativa de remuneração de influenciadores.

Se por um lado a empresa informou em jan.2025 que vai parar de pagar checadores de fatos nos EUA até setembro, de outro ela deu início a um grande programa de monetização de conteúdo, que permitirá a criadores "ganhar dinheiro com postagens de fotos e textos diretamente na plataforma". A companhia, inclusive, passou a oferecer um bônus de US$5.000 para que influenciadores troquem o TikTok pelo Instagram ou Facebook.

Em poucas palavras: a Meta passou a ativamente trocar conteúdo verificado, produzido por organizações certificadas, por capacidade de engajamento.

Isso prova de uma vez por todas que essa é definitivamente a única métrica que importa, apesar de ter dito por anos que se importava com mais qualidade, comunidade e desinformação política e científica (coisas como conteúdo antivacina, fake news eleitoral etc.).

"Eu compro o meu produto com engajamento, com click ou em follow porque quem ditou que esse é o modelo foram as plataformas. É um modelo tão bem amarrado que não apenas os criadores são dependentes, mas o jornalismo, o pequeno varejo e até profissionais liberais (como dentistas)", me disse Ana Paula Passarelli, cofundadora das agências de marketing de influência Brunch e TOAST.

A métrica de engajamento como a principal forma de sucesso nas redes sociais é nociva. Ela privilegia conteúdos mentirosos, polêmicos, extremos e que expõem os outros ao ridículo, pois é isso que as pessoas mais se engajam e compartilham.

Quando você lê uma notícia que lhe é útil, mas não curte, não comenta e não compartilha, esse pedacinho de jornalismo tem um peso menor nas recomendações algorítmicas do que um conteúdo que explora sua indignação, que você engaja mas não serve de nada.

É por isso que influenciadores de extrema direita e perfis lixo de fofoca (tipo o Choquei), por exemplo, juntam informações verdadeiras com um monte de baboseira sensacionalista: é o que engaja. Logo, é o que plataformas como a Meta mais querem.

Um importante estudo das universidades de Northwestern e Princeton, publicado em 2024 na revista Science, conseguiu traçar cientificamente o paralelo entre desinformação, ultraje e engajamento.

"Esse modelo está tão enraizado, e foi tão bem-sucedido, que a gente não vai conseguir nem a curto nem a médio prazo mudar essa realidade, e a gente precisa criar outras oportunidades de criação de modelo de negócios para criadores", disse Passarelli. "As plataformas se esforçam para você ficar lá dentro. Com certeza a qualidade vai perder nessa conta."

Isso não quer dizer que todo conteúdo de criadores e influencers é ruim. Certamente não. Mas quer dizer que conteúdos péssimos e mentirosos podem ser recompensados, enquanto jornalismo (que custa caro para produzir) fica rebaixado a nada.

Embora os efeitos dessas novas políticas devem ser sentidos inicialmente apenas nos EUA – considerando que a empresa deve manter por mais algum tempo iniciativas de checagem em outros países –, há poucos motivos para pensar que seus efeitos não serão sentidos no resto do mundo em breve.

Primeiramente porque remover o programa de checagem nos EUA, seu maior mercado, indica que a manutenção em outros mercados serve puramente para atenuar o atrito com reguladores. Em segundo lugar, porque o programa de remuneração, embora comece em solo norte-americano, será em breve expandido para países com o Brasil também (ainda está na fase de convites).

Talvez nem seja mais caro pagar influenciadores do que veículos sérios de jornalismo, mas certamente parece ser mais recompensador atrair o máximo de engajamento possível para vender anúncios e, ao mesmo tempo, evitar que jornalistas chatos encontrem problemas e "censurem", como disse Mark Zuckerberg, cada vez mais.

A qualidade fica lá embaixo na lista de prioridades – se é que está por lá.

Sérgio Spagnuolo

Sérgio Spagnuolo

Jornalista e diretor do Núcleo. Em 2014, criou a agência de newstech Volt Data Lab. Foi Knight Fellow no ICFJ e diretor na Abraji, além de ter colaborado com vários veículos nacionais e internacionais

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