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A relação entre grana e segurança para as Big Techs

É bem simples: plataformas são as maiores responsáveis pela segurança online de crianças e adolescentes porque são elas que ganham bilhões

A relação entre grana e segurança para as Big Techs
Arte de Rodolfo Almeida/Núcleo Jornalismo
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Raio-x é uma editoria de análise crítica do Núcleo e pode conter opiniões de seus autores

Uns anos atrás estava conversando com uma pessoa, a qual respeito muito, que trabalha em Big Tech e ela me perguntou por que o Núcleo pega pesado com as empresas de tecnologia, já que não são os únicos atores envolvidos em segurança online, desinformação e outras coisas sérias que acontecem ali.

"É sério que vocês vão responsabilizar a gente?", perguntou.

É sério.

O Núcleo foi fundado em cima de um conceito que, nos EUA, é chamado platform accountability – prestação de contas das plataformas. Note em nossas reportagens que, na esmagadora maioria, nosso foco é colocar as empresas e plataformas como personagens centrais, e não indivíduos específicos (com exceção dos bilionários que as comandam).

Não dá pra eximir ninguém de responsabilidade online quando se trata de segurança de crianças e adolescentes – sem dúvida nenhuma, famílias, influenciadores, educadores, escolas, sociedade civil, políticos, governos e até anunciantes possuem grande parte da incumbência de cuidar da segurança online de nossos jovens.

Acontece que, de todos os atores envolvidos nessa responsabilidade, apenas um deles está ganhando bilhões de reais por ano: as plataformas. E mais, essas plataformas muitas vezes recompensam – com alcance e até monetização – as pessoas que exploram comportamentos abusivos, porque seus conteúdos dão audiência e engajamento.

É tão simples que me causa espanto quando alguém diz que não tem nada a ver com dinheiro. Tem tudo a ver com dinheiro, e o que ele traz para essas organizações. Estamos falando das empresas mais ricas da história do capitalismo, que agregaram tanto poder e recursos que viraram quase Estados paralelos.

Mesmo com todos os benefícios e facilidades que essas empresas trouxeram ao longo das últimas duas décadas – eu sou entusiasta e usuário de muitos de seus produtos e serviços – elas também passaram a ter cada vez mais responsabilidade com a sociedade à medida que se tornaram megazórdicas.

Essas empresas são tão grandes que estão até metidas em negócios de mineração e geração de energia nuclear, enquanto seus donos dão rolês no espaço e investem centenas de milhões de dólares em bunkers no Havaí.

Não dá pra ganhar bilhões num ano e dizer que não é sua responsabilidade moderar certos tipos de conteúdo dentro do seu próprio ambiente digital, o qual você mesmo controla todos os aspectos. Também não dá pra se esconder atrás do escudo da liberdade de expressão, que é uma das coisas mais importantes numa democracia, mas não está acima de combater abuso sexual infantil.

Neste texto, a fundadora da Alandar, uma consultoria que presta serviços de políticas públicas para a OpenAI no Brasil, fala sobre uma "responsabilidade compartilhada" entre "famílias, educadores, plataformas, anunciantes e o próprio Estado", a fim de termos uma "supervisão efetiva" das crianças.

É justo, todos precisam de fato participar, senão a coisa desanda.

Mas quem tem mesmo os recursos (dinheiro, acesso a dados, controle de plataforma, equipe) para fazer esse tipo de supervisão digital são as plataformas. O Estado brasileiro (felizmente) não tem acesso aos sistemas do Google, da Meta e do TikTok – nem educadores, nem a imprensa, nem ninguém mais.

Não se trata de demonizar as plataformas, mas sim de insistir no truco que elas estão dando a fim de se esquivar do ônus de ter que fazer mais e investir uma fração dos seus muitos bilhões de lucro em mais segurança e prestação de contas quando se trata de moderação.

Certamente ainda vai sobrar muito dinheiro para distribuir entre seus acionistas.

Sérgio Spagnuolo

Sérgio Spagnuolo

Jornalista e diretor do Núcleo. Em 2014, criou a agência de newstech Volt Data Lab. Foi Knight Fellow no ICFJ e diretor na Abraji, além de ter colaborado com vários veículos nacionais e internacionais

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