Empresa tece rede de influência digital para empurrar vapes ilegais a jovens

A paraguaia Agatres usou celebridades, modelos e páginas de festas no TikTok, no Instagram e no YouTube para promover cigarros eletrônicos. Plataformas ignoram solenemente legislação antifumo brasileira.
Empresa tece rede de influência digital para empurrar vapes ilegais a jovens
Arte por Rodolfo Almeida

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Uma empresa paraguaia que distribui cigarros eletrônicos, a Agatres, criou uma rede de influência digital com celebridades, modelos e páginas de festas no Instagram, no TikTok e no YouTube para promover perfis de vendas da sua própria marca de vapes, a Nikbar, e atrair jovens brasileiros ao produto ilegal, mostra investigação do Núcleo.

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Cigarros eletrônicos são proibidos no Brasil desde 2009. Em abr.2024, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ampliou restrições contra a venda, distribuição, armazenamento e propaganda de vapes e pods, que seguem entrando no país via contrabando.

Cantores como o funkeiro Kevinho, o trapper Kawe e os sertanejos Zé Felipe e Matheuzinho divulgaram os pods da empresa, assim como pelo menos 25 outros influenciadores mapeados pela reportagem – a maioria deles do segmento de fitness e um deles piloto de automóveis da Nascar Brasil.


É importante porque...

Celebridades, páginas de festas e influenciadores divulgaram livremente produtos ilegais e contrabandeados

Empresa paraguaia patrocinou videoclipes de trap no YouTube e fez publis em raves nas redes para atrair jovens brasileiros ao vaping

Plataformas ignoram legislação antifumo brasileira e permitem promoção de cigarros eletrônicos


Também identificamos 12 festas que foram patrocinadas pela Nikbar e tiveram desde sorteio de vapes até a distribuição de cigarros eletrônicos, além de dois podcasts e cinco videoclipes de trap que fizeram placement da marca. Todas essas ações de marketing operaram entre ago.2020 e dez.2023, mas foram mais ativas entre 2021 e 2022.

O Núcleo identificou que as regras de comunidade da Meta e do TikTok permitiram a Agatres a divulgar a Nikbar, mesmo com o produto sendo ilegal no país. Ambas as plataformas adotam diretrizes próprias para a promoção de produtos de tabaco que são mais permissivas do que as normas da Anvisa ou a legislação antifumo brasileira.

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Big Tech ❤️ Big Vape

Na prática, essas diretrizes isentam as plataformas de removerem conteúdos que promovem cigarros eletrônicos e obrigam as autoridades a monitorarem ativamente as redes sociais em busca de violações à lei toleradas pelas políticas das big techs.

Denunciamos ao TikTok a página oficial da Nikbar na plataforma e uma hashtag da marca que promovia um de seus produtos, mas a plataforma não viu violações. Após contatarmos a assessoria da rede social, o material foi removido (Reprodução: TikTok)

"Essas regras orientam errado os usuários ao permitirem um perfil que promova tabaco", avalia a advogada Adriana Carvalho, diretora jurídica da ONG antitabagista ACT Promoção da Saúde. "Se alguém denunciar o conteúdo, a plataforma não vai tirar porque, pela regra dela, pode ficar, então vai precisar denunciar a alguma autoridade para haver iniciativa", lamenta.

À reportagem, a Anvisa disse que a agência criou um projeto chamado Epinet, que monitora plataformas e solicita a elas a remoção de conteúdos ilegais.

"No período entre janeiro de 2023 a junho de 2024, foram retiradas mais de 16 mil URLs contendo propaganda ou venda de dispositivos eletrônicos para fumar", afirmou em nota.

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Perfil oficial da Nikbar usava personagens infantis para promover cigarros eletrônicos, mas inicialmente o TikTok não viu desrespeito às suas regras. Página só saiu do ar após contato direto com a assessoria da rede social (Reprodução: TikTok/@nikbarofficial)

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DIFERENÇAS. O TikTok libera o conteúdo que "promove produtos de tabaco", incluindo cigarros eletrônicos. A Anvisa, no entanto, proíbe qualquer forma de exposição ou divulgação de vapes e pods, inclusive menções a marcas e à divulgação de catálogos, como no caso da Nikbar.

Já a Meta diz que "varejistas físicos e online podem promover itens de tabaco disponíveis para venda fora dos nossos serviços". Só que, desde 2011, a propaganda comercial desse tipo de produto só é permitida nos pontos de venda físicos, enquanto sua venda pela internet é irregular desde 1996.

Antes disso, a Convenção-Quadro sobre Controle do Uso do Tabaco (CQCT), um acordo internacional ratificado pelo Brasil em 2006, estabeleceu que "publicidade e promoção do tabaco" é "qualquer forma de comunicação, recomendação ou ação comercial com o objetivo, efeito ou provável efeito de promover, direta ou indiretamente, um produto do tabaco ou o seu consumo".

O que a Meta disse ao Núcleo

A Meta nos enviou o comunicado de um porta-voz da empresa.
"Nossas políticas globais estabelecem limites à visualização e distribuição de conteúdos de tabaco. No Brasil, trabalhamos em colaboração com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e entre julho e dezembro de 2023 restringimos mais de 5.800 conteúdos no país reportados à Meta pela agência relacionados a diferentes bens regulados, entre eles o tabaco."

O que o TikTok disse ao Núcleo

O TikTok se limitou a nos enviar suas políticas de conteúdos e anúncios, sem explicar o porquê delas autorizarem a promoção de produtos de tabaco, inclusive aqueles proibidos no Brasil. Os links eram os seguintes:
https://www.tiktok.com/community-guidelines/pt/regulated-commercial-activities#2
https://www.tiktok.com/community-guidelines/pt/regulated-commercial-activities#4
https://ads.tiktok.com/help/article/tiktok-ads-policy-dangerous-products-or-services?lang=en

Influencers do vape

A rede de influenciadores identificada pela reportagem serviu para impulsionar cerca de 44 páginas de vendas da Nikbar no Instagram, sediadas em cidades do país inteiro, de Boa Vista (RR) a Santa Maria (RS). As contas mantinham o padrão "Nikbar + nome da cidade".

Hoje, pelo menos quatro desses perfis seguem ativos no comércio irregular por meio de números de WhatsApp disponíveis na bio dessas contas. Uma deles disponibiliza até menu para agendamento de deliveries.

O consumo de cigarros por jovens, eletrônicos ou não, preocupa porque nessa fase o cérebro ainda amadurece.

"A chance de você ficar dependente e virar um consumidor para o resto da vida cresce", diz a médica psiquiatra Carolina Costa, vice-presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead).

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Influenciadores e perfis de vendas da Nikbar com foco em Santa Catarina postavam sobre recebidos e delivery de pods (Reprodução: Instagram)

Nosso levantamento nas redes partiu de documentos da própria Agatres, que forneceram as bases e pistas para essa apuração. Eles estavam disponíveis em uma pasta pública da empresa, que manteve até 17.jun.2024 uma série de materiais de marketing de cigarros eletrônicos em um drive aberto e linkado na página inicial de seu site.

"Nas redes sociais, optamos por trabalhar com conteúdos não comerciais e explorar o lifestyle da marca", diz um dos documentos da Nikbar obtidos pelo Núcleo.

Assim como o mosquito é o vetor da dengue, o da dependência de nicotina é o marketing
– Carolina Costa, Abead
Página de guia da Nikbar para rede de perfis orienta revendedores a como padronizar páginas. A partir desse documento, localizamos um total de 44 contas no Instagram que seguiram a fórmula (Reprodução: Nikbar/Agatres)
Rede de perfis de vendas da Nikbar seguiu padrão de documento encontrado pela reportagem em drive da Agatres, empresa dona da marca (Reprodução: Instagram).

Velhas táticas

Nesta rede de influenciadores estiveram celebridades como os cantores Kevinho, Zé Felipe, Matheuzinho e Kawe, que foram listados como parceiros da marca em um documento obtido pelo Núcleo no drive da Agatres. Ele também inclui na conta as influenciadoras Amanda Miranda, Lolla, Vitória Gimenez e Manuela Guglielmi.

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Em um story antigo, de 2021, Kevinho recomenda fumar Nikbar e afirma que pôs "a sogra para fumar também". Localizamos esse story arquivado em um dos perfis de vendas da marca (Reprodução: Instagram).

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Perfil de vendas da Nikbar em Campinas (SP) arquivou stories do cantor Kevinho divulgando cigarros eletrônicos da marca (Reprodução: Instagram).

Documento da Nikbar lista celebridades posando com vapes da marca e as indica como parceiros (Reprodução: Nikbar).

No caso de Kawe e Matheuzinho, ambos lançaram sabores próprios de cigarros eletrônicos em parceria com a Nikbar ao longo de 2021. A novidade abasteceu a rede de perfis de vendas com conteúdos sobre os pods descartáveis que traziam o nome dos cantores. O de Matheuzinho tinha o sabor "mango grape ice" e o de Kawe, "watermelon ice".

"A indústria do tabaco sempre usou cores, estilos, gostos e sabores porque o foco são os jovens", diz o jornalista Luis Guilherme Hasselmann, do Centro de Estudos sobre Tabaco e Saúde (Cetab) da Fiocruz. "O interesse é viciá-los para se ter um novo consumidor pelo maior período possível."

Apenas a equipe de Matheuzinho respondeu às nossas tentativas de contato e nos informou que deletaria uma postagem no Insta do artista que promovia seu vape da Nikbar. Já Kawe disse que não iria se manifestar, enquanto Kevinho e Zé Felipe não retornaram.

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No drive da Agatres, baixamos vídeos de divulgação do pod da Nikbar em parceria com Matheuzinho, destinados à distribuição via stories

Após contato da reportagem, Matheuzinho excluiu publicação em que promovia seu vape patrocinado em parceria com a Nikbar (Reprodução: @matheuzinho/Instagram)
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Vídeo baixado do Drive da Agatres mostra vídeo de divulgação do pod da Nikbar em parceria com Kawe destinado ao reels da rede de perfis de vendas

Kawe e produtora de vídeos paulista OQ Original Quality promoveram perfil de vendas da Nikbar em São Paulo (SP) e pod do artista (Reprodução: @oq.originalquality/Instagram).

Roupa e bebida

A Nikbar também fez esse mesmo tipo de "parceria" de lançamento de cigarros eletrônicos com a marca de roupas La Mafia, que culminou em um vape de balas sortidas, e o gim Mozaiki, com um pod de gim tônica. Ambas as empresas são brasileiras e não retornaram às nossas tentativas de contato via e-mail e Instagram.

Parceria entre Nikbar e Mozaiki divulgada em um dos perfis da rede de vendas da Nikbar em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais (Reprodução: @nikbarbhz/Instagram).

Festas e baladas

A reportagem também identificou que a Nikbar patrocinou 12 edições de raves e festas diferentes, 11 delas no Paraná e uma em São Paulo, entre 2021 e 2023. A distribuição de cigarros eletrônicos e a promoção da marca nesses eventos viravam vídeos curtos distribuídos nas redes, que mostravam jovens fumando, dançando e se divertindo.

Por volta da época das publis das celebridades, em 2021, já havia pessoas detidas por trazerem a marca do Paraguai e denúncia do Ministério Público contra vendedores.

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Inauguração da boate Corifeu em São Paulo (SP) teve patrocínio da Nikbar e rendeu um vídeo promocional que foi distribuído pela rede de perfis da marca nas redes sociais (Reprodução: Drive da Agatres)

Metade desses eventos – um total de três edições da rave Open Weekend, duas da rave Mozaiki Sunset e um encontro do clube empresarial G4 Club – eram ligados a produções do empresário paranaense Jow Sendeski, herdeiro da Perfileve, uma das principais indústrias de alumínio do país.

Sendeski é dono da marca de gim Mozaiki, que lançou um vape sabor gim tônica em parceria com a empresa contrabandista. Ele não respondeu às nossas tentativas de contato.

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Vídeo promocional da Open Weekend publicado nas redes sociais da rave e da Nikbar mostra jovens fumando e associa cigarro eletrônico à diversão (Reprodução: Instagram).

VIDEOCLIPES. A reportagem também encontrou cinco videoclipes de trap e funk com placement de vapes da Nikbar no YouTube e publicados ao longo de 2022. Um deles, do trapper Vulgo FK, alcançou 36 milhões de visualizações na plataforma. A assessoria do artista disse que não iria comentar a publi porque não foi ele o responsável pela gravação.

Ao analisar os responsáveis pelos videoclipes, o Núcleo identificou que todos tiveram participação da OQ Original Quality, uma produtora de vídeos paulista. Identificamos que, entre ago.2021 e fev.2022, o próprio perfil da empresa no Instagram publicou uma série de posts promovendo a Nikbar e marcando a revendedora paulista da marca.

Contatamos ambos os sócios da OQ pelo WhatsApp, mas eles não nos responderam. Assista aqui a íntegra dos videoclipes identificados.

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Montagem do Núcleo com trechos de placements da Nikbar ao longo dos cinco videoclipes que localizamos que incluíram a marca (Reprodução: YouTube).

O que o YouTube disse ao Núcleo

Os vídeos enviados pela reportagem estão sendo analisados pelo time de revisores do YouTube. 

Enquanto plataforma aberta, permitimos que qualquer pessoa compartilhe conteúdo, que está sujeito à revisão de acordo com as nossas diretrizes da comunidade. Não é permitido, por exemplo, exibir no YouTube conteúdo destinado a vender diretamente determinados produtos e serviços regulamentados, incluindo nicotina e cigarros eletrônicos. 

Destacamos que os criadores de conteúdo podem incluir inserções pagas de produtos, endossos ou patrocínios em seus vídeos, mas devem se adequar às políticas do Google Ads e as diretrizes da comunidade do YouTube e utilizar nossas ferramentas para sinalização de conteúdo pago. Além disso, é de responsabilidade do criador e das marcas entender e cumprir quaisquer obrigações legais relacionadas ao produto que será promovido no conteúdo.

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Hoje, o Senado Federal discute a liberação dos cigarros eletrônicos, proposta que é apoiada pelas principais fumageiras do país, como a antiga Sousa Cruz e a Philip Morris. A Nikbar também parece contar com essa legalização. O vape paraguaio já tem sua marca registrada no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) desde jan.2021, com direitos reservados à Agatres.

Nascar e Nikbar

Além de influenciadores, festas e artistas, o Núcleo também identificou que um piloto da Nascar Brasil, Edgar Bueno Neto, que disputou a competição automobilística ao longo de 2023, foi um dos patrocinados pela marca.

Como o uniforme de Bueno trazia o nome da Nikbar, o piloto e a competição expuseram a marca de cigarros eletrônicos a menores de idade que acompanhavam o evento automobilístico, o que incluiu uma entrevista para uma criança youtuber.

Patrocínio de piloto da Nascar Brasil permitiu a promoção indireta da marca de vapes na conta do Instagram de uma criança que faz vídeos sobre carros (Reprodução: Instagram).

O Núcleo contatou a Nascar Brasil e Edgar Neto, mas nenhum dos dois nos respondeu. O motociclista Alexandre Taiga, da Super Bike Brasil, também recebeu apoio da marca.

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Piloto Edgar Neto publicou em seu TikTok um vídeo que promovia a Nikbar durante um dos circuitos da Nascar Brasil (Reprodução: TikTok).

PODCASTS. A reportagem também identificou que entre ago.2021 e mai.2022, a marca de cigarros eletrônicos patrocinou dois podcasts, o 011 Podcast e o Podmestre. Ambos somam por volta de 100 mil seguidores cada no Instagram.

Esse tipo de parceria resultou em entrevistados famosos, como Ciro Gomes e Guilherme Boulos ou autoridades de delegados a deputados conversando com o patrocínio de um produto contrabandeado ao fundo.

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CONEXÃO BIG TOBACCO. A Nikbar usa peças de cigarros eletrônicos fornecidas pela Smoore, multinacional de vaping chinesa que também atende fumageiras tradicionais como BAT e JTI. O vape paraguaio usa a mesma tecnologia que a Njoy, marca de vapes da Philip Morris vendida nos EUA.
Ao 011 podcast, Ciro Gomes falou do desenvolvimento industrial nacional com a propaganda de vapes contrabandeados ao seu lado (Reprodução: YouTube).

Publis disfarçadas

Nem todas as divulgações da rede de perfis revisadas pelo Núcleo foram sinalizadas como publis. Muitas vezes, influencers apenas marcavam os perfis da Nikbar ou só posavam fumando a marca. Isso dificulta a fiscalização, já que fazer propaganda de vapes é infração sanitária, mas só fumá-los não é proibido.

"Influenciadores não ficam mostrando nada de graça nos canais deles, então se a foto ou o storie focam a marca, tem pose com produto na mão e sabemos que foi algo pensado, pode haver responsabilização", avalia a advogada Thalita Dias, da equipe jurídica da ACT Promoção da Saúde.

O bodybuilder Fernando Madeira, 61 mil seguidores no Insta, foi transparente. Além de marcar uma revenda da Nikbar em Belo Horizonte (MG), tagueou sua publicação como #publicidadeepropaganda (Reprodução: Fernando Madeira/Instagram).
Já essa influenciadora com 50 mil seguidores no Insta posou para fotos fumando pods da Nikbar e usando camiseta da marca, mas não deixou claro se a publicação era ou não uma publi (Reprodução: Instagram/@luanaalamini)

DOCE VENENO. A Nikbar também tentou promover a ideia de que seus vapes e pods fornecem aos fumantes "uma melhor alternativa ou 'saída' mais saudável" e "uma opção fácil, rápida, prática e cheirosa para parar de fumar", segundo os materiais de marketing.

Especialistas têm sugerido o contrário: cigarros eletrônicos servem mais para iniciar novos usuários no consumo da nicotina do que para ajudar fumantes a abandonarem a droga. Segundo o Ministério da Saúde, é falso que eles auxiliem no combate ao tabagismo.

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Os cigarros eletrônicos da Nikbar são vendidos em sabores como "stone freeze", "watermelon ice", "tropical rainbow blast" e "fuji melon ice", que atraem principalmente jovens e menores de 18 anos, segundo especialistas.
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Material de divulgação da Nikbar distribuído nos stories da rede de perfis usa imagens de jovens para apresentar o cigarro eletrônico como opção para tabagistas (Reprodução: Instagram).

ALTAS DOSES. "Cada Nikbar contém 5% de nicotina, uma quantidade suficiente para saciar a vontade de fumar um cigarro", garantem stories reproduzidos pela rede de perfis da marca no Insta. Só que os pods descartáveis dela, que se fumam em um ou dois dias, traziam níveis de nicotina equivalentes aos de até 3,5 maços, ou 70 cigarros normais.

Entenda o cálculo de equivalência da nicotina entre pods, vapes e cigarros

  • A maioria dos cigarros eletrônicos da Nikbar têm 5% de nicotina, o que significa 50mg/ml de líquido para cada dispositivo.
  • Eles são divididos em números de "puffs", que são as quantidades de baforadas. No caso da marca, há vapes recarregáveis ou pods descartáveis que variam entre 300 e 15,000 tragadas.
  • Na internet e nos materiais de marketing, identificamos pods de 300 puffs da Nikbar com níveis entre 1,3ml e 1,4ml de líquido a 5% de nicotina. Por meio de relatos em sites de vendas, verificamos que essa quantidade normalmente é fumada ao longo de um dia ou até mesmo em uma noite de balada.
  • No Brasil, um cigarro normal fornece ao fumante por volta de 1mg da substância.
  • Considerando a relação mg/ml dos pods da Nikbar, sendo 1,3ml = 65mg e 1,4ml = 70mg, constatamos que a nicotina do dispositivo pode equivaler à de entre 65 e 70 cigarros.

Hoje, a marca aposta em vapes que tem entre 6 mil e 15 mil tragadas, o que facilita o abuso. "Quando é muito fácil de usar, você aumenta a frequência do comportamento e se é uma substância que vicia, como a nicotina, você causa a tolerância de doses maiores, gerando a dependência", alerta a médica psiquiatra Carolina Costa.

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As altas quantidades de nicotina dos cigarros eletrônicos mais o consumo fácil contribuem para que jovens consumam doses elevadas ao ponto de surgirem sintomas de intoxicação, como náusea, vômitos, dores de cabeça e queda de pressão, explica a médica psiquiatra.
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Influenciadora Sofia Brito publicou uma série de divulgações da Nikbar em seu perfil pessoal associando vapes a alívio do estresse e a algo da qual ela não vive sem (Reprodução: @sofiiabrito/TikTok).

Agência do Paraná

O Núcleo identificou que essas campanhas nas redes tiveram o apoio de uma agência de marketing digital paranaense, a Foxy, que criou o site da Nikbar e assessorava a Agatres. Também identificamos, via Linkedin e posts no Insta, que um funcionário da agência participou ativamente do marketing da marca de vapes entre jan.2021 e jul.2022.

Um sócio da Foxy confirmou à reportagem que a agência trabalhou para a empresa de vapes, mas em seguida não respondeu às perguntas que enviamos pelo WhatsApp. Já os diretores da Agatres, Hilal Fahs e Hussein Fahs, também não responderam aos contatos da reportagem.

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O domínio usado pelo site da Agatres foi registrado por Hilal Fahs usando um endereço no bairro Jardim Paulista, área nobre da cidade de São Paulo (SP), em 2016. Já o da Nikbar foi registrado pela agência Foxy, de Foz do Iguaçu (PR), na metade de 2020. O Núcleo confirmou essas informações usando a ferramenta Historical Whois da Domain Tools.
Funcionário da Foxy trabalha em apresentação da Agatres que destaca que a empresa é a "maior distribuidora da América Latina quando o assunto é vapes e e-liquids" e tem o viés voltado "à promoção de uma melhoria de vida" (Reprodução: Agência Foxy/Instagram).
Ex-funcionário da agência Foxy celebra a criação de uma campanha para a Agatres que dizia que vapes salvam vidas. Ela foi feita em português, mas para um cliente paraguaio, o que sugere um público-alvo brasileiro (Reprodução: Instagram).

O que disse a Anvisa

Como a Anvisa monitora redes sociais para combater anúncios de cigarros eletrônicos? É possível fornecer números de remoções a pedido da agência?
A Anvisa tem o projeto EPINET com o qual é feito o monitoramento contínuo de plataformas de e-commerce nas quais são vendidos produtos irregulares. Além disso, a Gerência - Geral de Registro e Fiscalização de Produtos Fumígenos Derivados ou não do Tabaco realizou reuniões com diversas plataformas de e-commerce e redes sociais, com o objetivo de estabelecer uma forma ágil para a retirada de anúncios de venda e de propaganda de produtos fumígenos, incluindo cigarros eletrônicos, na internet. Destaca-se que a venda pela internet e qualquer tipo de propaganda de produtos fumígenos, seja pela internet ou outros meios, são proibidas pela legislação sanitária vigente. Por isso, a A Anvisa realiza o monitoramento de plataformas. No período entre janeiro de 2023 a junho de 2024 foram retiradas mais de 16.000 URLs contendo propaganda ou venda de dispositivos eletrônicos para fumar, ressalta-se que neste quantitativo não foram considerados os outros produtos fumígenos.

A Anvisa já monitorou, sancionou alguém ou levantou informações a respeito da marca Nikbar? Ela é fabricada na China, mas a marca é da distribuidora paraguaia Agatres S.A, cujos donos aparentam ser brasileiros/residentes nacionais.
Os dados referentes às denúncias e às diversas etapas do processo administrativo sanitário são sigilosos e não é possível fornecer a informação sobre uma marca específica. No entanto é importante explicar que a partir do momento que uma infração sanitária é detectada, seja por busca ativa ou por denúncia, e caso seja possível comprovar a autoria e materialidade do fato, é lavrado um auto de infração sanitário, com a instauração do respectivo processo administrativo sanitário. 

Quais as punições/sanções cabíveis a pessoas e empresas que promovem ou realizam publis de cigarros eletrônicos, como os exemplos abaixo?No total, encontrei uma rede com mais de 40 perfis no Instagram/TikTok que promoviam a marca em diversas cidades do país. Isto posto, considerando a escala dessa campanha de marketing multiplataforma, que operou de 2020 a 2023, eu queria entender por que a Anvisa não a detectou e obter alguma explicação a respeito disso.No total, localizei mais de 21 influenciadores que fizeram publis, dois podcasts, cinco videoclipes com placements, quatro artistas com patrocínio oficial, nove baladas/raves patrocinadas e 46 perfis de vendas em TikTok/instagram (alguns indisponíveis no Brasil, mas com foco em brasileiros).
Inicialmente é importante esclarecer que a LEI Nº 12.965, DE 23 DE ABRIL DE 2014, conhecida como Marco Civil da Internet não responsabiliza solidariamente as redes sociais por conteúdos fornecidos gratuitamente. Além disso, destaca-se que o provedor responsável só é obrigado a informar dados pessoais ou outras informações de identificação de usuário, mediante ordem judicial. Sendo assim, a Anvisa estabeleceu com as empresas responsáveis pelas redes sociais canais que permitem a indicação e a rápida retirada das URLs onde haja a venda e propaganda de produtos fumígenos, que estiverem em desacordo com a legislação sanitária vigente. Esta medida tem a finalidade de diminuir o acesso ao conteúdo irregular e em última análise aos produtos fumígenos. No caso de comprovação da infração à legislação sanitária e a identificação da autoria é realizada a autuação dos responsáveis. Desta forma, a Anvisa vem atuando para que sejam cumpridas as normas sanitárias para o controle do produtos fumígenos. Importante esclarecer que nos casos de dispositivos eletrônicos para fumar, também conhecidos como cigarros eletrônicos, considerando trata-se de produto ilegal, fruto de contrabando, a esfera criminal também é envolvida. Ao aprovar o novo regulamento, que mantém as proibições relacionadas à comercialização, importação e propaganda de dispositivos eletrônicos para fumar, a diretoria colegiada determinou que se realizassem medidas não normativas, incluindo a articulação com a Polícia Federal, a Receita Federal do Brasil e com a Polícia Rodoviária Federal, uma vez que esses produtos entrar no mercado brasileiro de forma irregular, o que torna fundamental a atuação de outros órgão para a efetividade da norma, para tal a Anvisa tem realizado reuniões de forma a estabelecer essas parcerias. Quanto aos influenciadores, é necessário avaliar caso a caso, uma vez que o ato de fumar não é proibido. Sendo assim, na análise do conteúdo é necessário identificar a materialidade da propaganda ou venda de produtos fumígenos, o que nem sempre ocorre de forma tão direta. Por fim, cumpre destacar que conhecemos a velocidade de criação e propagação de conteúdos pela internet, portanto, muitos conteúdos hoje disponibilizados amanhã podem ser retirados, entretanto, novos conteúdos similares podem ser criados, sendo fundamental que os responsáveis por essas plataformas também estejam sensibilizados para auxiliar na identificação e remoção de conteúdos, que além de ferirem a legislação sanitária, estão em desacordo com as políticas internas definidas pelas próprias empresas. 

Como fizemos isso

De início, encontramos um drive público com documentos e materiais de marketing da Nikbar no site da distribuidora paraguaia Agatres.

A partir desses materiais, que reuniam algumas hashtags para o compartilhamento de conteúdo e indicações de influencers parceiros, identificamos padrões e reconstruímos as estratégias usadas pela empresa para promover seus produtos no Brasil.

Com isso, fizemos levantamentos usando pesquisas avançadas e cruzamentos de informações no Facebook, Instagram, TikTok, Google e YouTube para localizar todos os rastros que pudemos.

Você pode consultar a íntegra dos nossos achados, um total de 44 perfis de vendas, 25 influenciadores, 12 festas, cinco videoclipes, dois podcasts e uma produtora de vídeos que divulgaram a Nikbar neste link.

Você também pode assistir à íntegra dos vídeos e fotos que coletamos das redes sociais para exibir nesta reportagem na pasta do Drive neste link.

Com esse levantamento em mãos, buscamos especialistas, a Anvisa, as plataformas e os influenciadores mencionados para comentários e mais contexto em torno dos nossos achados.

Reportagem Pedro Nakamura
Arte e Visualização Rodolfo Almeida
Edição Alexandre Orrico

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