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Gerador de vídeos de IA do Google turbina conteúdos racistas e misóginos no TikTok

Ferramenta hiper-realista é usada para espalhar teorias conspiratórias, deepfakes políticos e discursos de ódio com milhões de views

Gerador de vídeos de IA do Google turbina conteúdos racistas e misóginos no TikTok
Arte por Rodolfo Almeida/Núcleo Jornalismo

O Veo 3, gerador de vídeos artificiais hiper-realistas do Google, vem sendo usado para disseminar teorias conspiratórias, discursos racistas e antissemitas e desinformação no TikTok. O Núcleo identificou vídeos que acumulam milhões de visualizações.

Uma análise sobre hashtags relacionadas ao Veo 3 no TikTok revela uma disfarce de humor com discursos de ódio que se repetem entre usuários brasileiros.

Muitos dos posts analisados também não deixam claro que o conteúdo foi gerado por IA, o que pode confundir os usuários. Um estudo recente aponta que apenas 0.1% das pessoas conseguem identificar deepfakes sem errar.

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O Google Veo 3 é o modelo mais avançado de IA da empresa para geração de vídeos hiper-realistas. Lançado em 2025, ele consegue criar vídeos em alta definição a partir de prompts de texto, simulando rostos, cenários e movimentos com impressionante fidelidade visual.

As políticas do TikTok para conteúdos gerados com IA classificam como proibidos conteúdos que “retratem falsas fontes autorizadas, eventos de crise inventados ou apresentem figuras públicas em contextos enganosos" ou simulem a imagem de menores de 18 anos.

“Não fale comigo nesse tom de pele”

Apesar das diretrizes da comunidade TikTok vedarem a desumanização de grupos raciais e étnicos, assim como ameaças de violência, diversos conteúdos preconceituosos permanecem sem moderação.

Um dos vídeos em português feitos com o Veo 3 mostra um policial branco dizendo a um homem negro: “Não fale comigo nesse tom”.

Quando o homem pergunta “Que tom?”, o policial responde: “De pele”.

O vídeo foi publicado no TikTok com as hashtags #negro, #preto, #policial, #humor e #veo3, e já acumula 4 milhões de visualizações na plataforma.

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Por conta do conteúdo violento e desinformativo, embedamos apenas um dos vídeos diretamente em nossa página, para referência.

Outro vídeo mostra uma pessoa negra, cadeirante, usando um colar com a estrela de Davi — símbolo do judaísmo —, segurando uma bandeira LGBT e dizendo frases como “como é bom receber auxílio do governo” e “entrar na federal por cota”. A legenda: “POV: você decidiu representar todas as minorias.”

Os comentários também mostram antissemitismo, homofobia, racismo e capacitismo — conteúdos proibidos pela plataforma. “Deus tem seus preferidos, mas esse aí não é um deles”, escreveu um usuário.

A organização Media Matters for America denunciou, em julho, que usuários do TikTok nos EUA publicaram vídeos criados com o Veo 3 mostrando imigrantes e manifestantes contra deportações sendo atropelados por carros. Outros exibiam campos de concentração e ataques da Ku Klux Klan a pessoas negras.

O Google disse que a política de uso da plataforma "restringe explicitamente o uso de modelos para conteúdos com atividades sexualmente explícitas, violentas, odiosas ou prejudiciais".

Veja na íntegra da nota do Google

Em nota por email, o Google disse que acredita "que a IA possui um grande potencial para possibilitar novas formas de criatividade, democratizar a produção criativa e ajudar as pessoas a expressar suas visões artísticas. Nossa Política de Uso Proibido da IA Generativa restringe explicitamente o uso de nossos modelos para conteúdos com atividades sexualmente explícitas, violentas, odiosas ou prejudiciais, como discurso de ódio ou bullying, e para desinformação, deturpação ou atividades enganosas, incluindo fraudes, golpes ou outras ações enganosas como personificação, entre muitas outras."

O Núcleo também entrou em contato com o TikTok, que por meio de assessoria pediu os links dos vídeos citados neste texto e nunca mais respondeu. A plataforma removeu três vídeos após contato da reportagem.

Misoginia e política

Um vídeo deepfake da primeira-dama Rosângela Silva, conhecida como Janja, circulou recentemente no Reddit e TikTok. No vídeo artificial, Janja afirma que “acabou de chegar de Paris e já pegou um UberFAB para ir ao ginecologista” — referência ao avião das Forças Armadas Brasileiras.

A frase segue: “O bom é que eu tenho qualquer avião da UberFAB ao meu dispor e não preciso pegar transporte público que nem você.”

Com a legenda “POV: mulheres na guerra”, outro vídeo retrata duas mulheres em um campo de batalha onde uma delas diz que precisa parar para rastrear a localização do namorado.

@geradordebobagens123

Calma aí capitã 🤣🤣🤣 #veo3 #ia #memestiktok #mulhersurtada #ciumes #engraçado #humor #entretenimiento #inteligenciaartificial #funny #fyp #foryoupage #mulheresempoderadas #mulherdepreso🔓🕊👫💍

♬ som original - IA de bobagens

Também circulam publicações usando as hashtags #Veo3, #mulheres, #solteiras e #job — referência a “mulheres do job”, termo recente das redes para trabalhadoras sexuais.

Um dos vídeos mostra uma personagem feminina dizendo: “Eu tenho dezoito anos e gosto de homens mais velhos”, seguido de “aparentemente eu sou feia, porque ninguém clica na minha foto”.

Nos comentários, usuários — em sua maioria homens — parecem não perceber que se trata de um deepfake, deixando mensagens como “você e linda”, “vocer muitgatinha [sic]” e “linda beijos 💋 Cuiabá mt Brasil 72anos”.

Reportagem Sofia Schurig
Arte Rodolfo Almeida
Edição Alexandre Orrico
Sofia Schurig

Sofia Schurig

Repórter com experiência na cobertura de direitos humanos, segurança de menores e extremismo online. É também pesquisadora na SaferNet Brasil e fellow do Pulitzer Center.

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