A imagem principal da capa da edição impressa da Folha de S.Paulo desta quinta-feira (19.jan) é uma foto de Lula, feita com técnica de múltipla exposição, que mostra um estilhaço na altura do coração do presidente da República.
O registro é de Gabriela Biló, um dos nomes mais notáveis do atual fotojornalismo brasileiro.
Lula e vidros quebrados do Palácio do Planalto . Foto feita com técnica de múltipla exposição. Para @folha pic.twitter.com/nud9eWIj0m
— Gabriela Biló (@gabrielabilo1) January 18, 2023
A foto rendeu críticas como a da filósofa Marcia Tiburi, que perguntou se a imagem é uma sugestão de que Lula "leve um tiro no coração". Ela chegou até a sugerir que a fotojornalista fosse "intimada" para esclarecer a composição.
O que a @folha pretende com essa montagem? Incitar o ódio contra Lula? Sugerir que ele leve um tiro no coração? O responsável por essa montagem deve ser intimado a se explicar! Trata-se de uma montagem criminosa, pois sugere um tiro no coração. pic.twitter.com/Hm53rhTNvX
— Marcia Tiburi (@marciatiburi) January 19, 2023
A historiadora Lilia Schwarcz também teceu sua crítica à "brincadeira leviana" do jornal.
Já o escritor Lira Neto usou termos como "pós-verdade", "manipulação da informação" e "perversa adulteração da realidade" para descrever o registro.
Técnica de "múltipla exposição de imagens", na capa da @folha. Um eufemismo, em tempos de pós-verdade, para definir a manipulação da informação. Isso não é jornalismo. Isso é uma perversa adulteração da realidade. No caso, perigosíssima, pela gravidade da atual situação do país. pic.twitter.com/fD5AGFzYOa
— Lira Neto (@lira_arte) January 19, 2023
Mas o que é a técnica de múltipla exposição?
Primeiro é importante esclarecer que o efeito é produzido na própria máquina fotográfica, sem passar por softwares de edição de imagem como o Photoshop.
Agora vamos à explicação do fotógrafo espanhol Albert Roig:
"As duplas exposições (ou múltiplas) consistem essencialmente em tirar duas ou mais fotos em um único frame. Basicamente, vamos 'sobrepor' uma imagem em cima da outra, não permitindo que sua câmera avance o filme para o próximo fotograma."
Como se pode perceber, trata-se de uma técnica que vem da fotografia analógica, mas que também pode ser obtida por meio de câmeras digitais, como as que Biló — e praticamente todos os fotojornalistas contemporâneos — usa.
A fotógrafa respondeu às críticas dizendo que não vai "dizer o que você tem que ver" e que cada um "pode ter o seu olhar, discordar do meu, tudo bem, o mundo é plural".
Minhas fotos são o espelho do meu olhar.Essa só é a forma como eu vejo o mundo. Você pode ter o seu olhar, discordar do meu, tudo bem, o mundo é plural.
— Gabriela Biló (@gabrielabilo1) January 18, 2023
Sendo assim, vou ignorar absurdos como "apaga isso", entre outros hates, especialmente depois do dia 08/01.
E depois brincou que colocaria a foto na capa de seu livro "A Verdade Vos Libertará", que está em pré-venda.
SE CONTINUAREM RECLAMANDO BOTO A FOTO NA CAPA NO LIVRO.
— Gabriela Biló (@gabrielabilo1) January 19, 2023
brincadeira, fechei as fotos já ☆ SORTE DE VOCES SE NAO ERA CAPA. Brincadeira ♡
Cristiano Botafogo, narrador e editor do podcast Medo e Delírio em Brasília e coautor do livro, fez uma thread no Twitter em defesa da imagem.
"Ler a conjuntura no momento é uma das artes do fotojornalismo. E, nisso, Gabriela Biló é mestra. Nessa aí, a de Lula com a trinca, também acho que ela leu bem a conjuntura no momento", opinou.
Para ler o texto completo de Botafogo, clique abaixo em "Leia a conversa completa no Twitter".
Gentes, com amor, meus "dois centavos" sobre a foto da Biló. (Fiozin de 10, se tiverem saco de ler) 1 https://t.co/plMJoq8aHg
— Cristiano Botafogo (Medo e Delírio em Brasília) (@cristianobotafo) January 19, 2023
A foto ainda está rendendo discussão no Twitter, e é provável que seja assunto de uma coluna do atual ombudsman da Folha, José Henrique Mariante.
Até a Secretaria de Comunicação Social (Secom) emitiu uma nota, considerada um absurdo por alguns jornalistas.
Essa nota é um absurdo. A Secom acusa falsamente uma jornalista e um veículo de estimularem a violência.
— Samuel Pancher (@SamPancher) January 19, 2023
Não cabe ao Planalto dizer o que é ou não jornalismo.
Vamos esperar as manifestações de repúdio das entidades de classe… pic.twitter.com/IAm2jEOWoh
Texto atualizado no dia 20.jan às 8h30 para incluir a nota da Secom e outras repercussões sobre o assunto.
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