Pular para o conteúdo

Geralzão sobre o PL do 'ECA Digital', aprovado na Câmara

Texto sobre proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital foi aprovado com mudanças após repercussão de vídeo sobre "adultização" e segue para o Senado

A Câmara dos Deputados aprovou o PL 2628/2022, apelidado de "ECA Digital", na noite desta quarta-feira, 20.ago.2025. A proposta cria regras de proteção para crianças e adolescentes no ambiente digital, o que inclui redes sociais, aplicativos e jogos online, por exemplo.

O texto recebeu mudanças e, por isso, deve retornar ao Senado para aprovação. Caso o Senado ratifique, o projeto é encaminhado ao presidente Lula, que vai decidir se sanciona ou veta parcial ou totalmente o conteúdo.

Se for sancionado, a lei vai passar a valer um ano após a data de promulgação a fim de que as empresas possam se adaptar às novas regras.

Tanto entidades quanto deputados consideraram o resultado uma vitória pelo consenso que foi alcançado ao atualizar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

"O ECA foi aprovado em 1990 e, de lá para cá, a realidade mudou bastante, com cada vez mais inserção no universo digital, em que mais de 90% de crianças e adolescentes brasileiras são usuárias de internet", aponta Renato Godoy, gerente de relações governamentais do Instituto Alana. Ele considera que o PL representa um marco civilizatório na defesa da infância e da juventude.

"Não é o texto ideal, poderia ser mais rigoroso, mas é melhor esse texto do que a situação atual de nenhuma previsão de obrigações para as plataformas", avalia Paulo Rená, conselheiro do Núcleo e pesquisador do Instituto de Referência em Internet e Sociedade (IRIS), organização que integra a Coalizão Direitos na Rede.

Para ele, a mobilização da sociedade civil impediu "alguns perigos" que poderiam ter sido incluídos no texto, como as emendas do deputado Marcel van Hattem (Novo-RS) que, entre outras ideias, propôs a pena de castração química para crimes que envolvem abuso sexual contra crianças e adolescentes. Já o deputado Fernando Máximo (União-RO) tentou afrouxar sanções à Big Techs, mas as emendas foram rejeitadas.

De autoria do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), o projeto tinha sido aprovado por unanimidade no Senado e estava parado desde dez.2024 na Câmara, mas tramitou de forma acelerada na casa após o vídeo sobre "adultização", feito pelo youtuber Felca em 6.ago.2025, viralizar.

Núcleo mostrou que a repercussão do caso fez o número de projetos de lei explodir, apesar de já existirem propostas em tramitação há anos. Além disso, o Canal Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos da SaferNet Brasil teve um pico de registros no período: dos mais de 6 mil realizados entre 6 e 18.ago, 52% foram subsequentes a publicação do vídeo.

Os deputados aprovaram um requerimento de urgência, na terça-feira, 19.ago.2025, o que fez o PL ir direto para votação em plenário sem passar por comissões. Bolsonaristas chegaram a fazer uma campanha contra a proposta no X, no Facebook e no Instagram sob alegação de "censura", mas os parlamentares recuaram depois que algumas emendas foram incorporadas ao texto.

O que prevê o PL

O texto determina que fornecedores dos produtos ou serviços de tecnologia da informação devem garantir a proteção integral de crianças e adolescentes com a criação e operação de mecanismos que previnam e mitiguem riscos de acesso, exposição, recomendação ou facilitação de contato a conteúdo de:

As plataformas digitais deverão dispor de modelo "com o grau mais elevado" de proteção à privacidade e aos dados pessoais, com informações claras para os usuários, sendo vedado qualquer compartilhamento contínuo, automatizado e irrestrito de dados pessoais de crianças e adolescentes.

Também devem criar sistemas que impeçam o acesso de conteúdo inadequado para a faixa etária, avaliar o que está sendo disponibilizado, indicar a classificação indicativa nos produtos oferecidos e desenvolver configurações que evitem o uso compulsivo de produtos ou serviços por crianças e adolescentes.

As empresas não podem coletar e tratar dados de crianças e adolescentes com a finalidade de direcionar publicidade comercial. A proposta proíbe a monetização e o impulsionamento de conteúdos que retratem crianças e adolescentes de forma erotizada ou sexualmente sugestiva ou em contexto próprio do universo sexual adulto.

A autodeclaração de idade para acessar plataformas, como o Núcleo mostrou no caso da IA da Meta, não é mais permitida a partir desse PL. As empresas deverão implementar aplicações "proporcionais, auditáveis e tecnicamente seguras" de verificação de idade a cada acesso do usuário ao conteúdo, produto ou serviço.

Neste caso, não ficou definido que tipo de método seria o mais eficaz para essa verificação, já que o uso de reconhecimento facial ou fornecimento de documentos, como acontece em alguns países, são alvo de questionamentos quanto à privacidade e proteção dos dados.

O texto estabelece que o poder público poderá atuar como "regulador, certificador ou promotor de soluções técnicas de verificação de idade" e assegurar que esse processo tenha participação social por meio de consulta pública.

O projeto determina a criação de instrumentos de moderação de conteúdo que possam ser mediados por pais e responsáveis. As contas de crianças e adolescentes de até 16 anos em redes sociais deverão estar vinculadas às contas dos responsáveis legais.

Uma das novidades é a criação de autoridade administrativa autônoma de proteção aos direitos de criança e adolescente no ambiente digital que fará a fiscalização da lei. Ela será responsável por estabelecer diretrizes e padrões mínimos sobre mecanismos de supervisão parental a serem observados pelos fornecedores.

Esses mecanismos deverão assegurar, no mínimo:

Jogos online

A proposta proíbe a concessão de vantagens competitivas mediante pagamento e a comercialização, troca ou conversão de itens virtuais obtidos por meio de caixa de recompensa em qualquer forma de moeda corrente, crédito financeiro ou vantagem fora do ambiente do jogo.

Isso acontece no Roblox, por exemplo, e rendeu denúncias e investigação do Ministério Público do Trabalho por trabalho infantil.

O PL também indica a possibilidade de supervisão parental para limitar o uso compulsivo e, no caso de funcionalidades de interação nos jogos eletrônicos, como chats de mensagem, as empresas deverão dispor de meios para limitar essas interações, canais de denúncia e de mecanismos para responsabilizar usuários quando ocorrerem violações, conforme o Marco Legal para a Indústria de Jogos Eletrônicos.

Denúncias e remoção de conteúdo

O trecho de realização de denúncias e de remoção de conteúdo foram os principais pontos de mobilização por parte de parlamentares alinhados ao campo da direita e da extrema-direita, que chegaram a chamar o projeto de "PL da Mordaça". O relator deputado Jadyel Alencar (Republicanos-PI) incorporou as emendas relacionadas ao assunto que agradaram os parlamentares.

Antes, o projeto previa que qualquer pessoa que se deparasse com um "conteúdo ofensivo" contra criança ou adolescente poderia reportar diretamente à plataforma e esse conteúdo poderia ser ou não retirado por decisão da rede social, independentemente de decisão judicial.

Agora, o texto estabelece que apenas a vítima, seus representantes, o Ministério Público ou entidades representativas de defesa dos direitos de crianças e adolescentes poderão realizar essa comunicação. A remoção ainda pode ser feita sem a necessidade de ordem judicial, em consonância com a decisão do Supremo Tribunal Federal.

A justificativa por parte de deputados como Nikolas Ferreira e Bia Kicis, ambos do Partido Liberal, é de coibir denúncias em massa a fim de derrubar postagens por motivação política.

Eles também incluíram que provedores de aplicações da internet apresentem "mecanismos eficazes para a identificação de uso abusivo dos instrumentos de denúncia" e respectivas sanções que podem variar, conforme a gravidade, a suspensão temporária da conta, cancelamento do perfil e comunicação às autoridades em caso de infração penal.

Paulo Rená, do IRIS, afirma que mesmo havendo uma restrição nesse trecho, as pessoas ainda podem procurar o Ministério Público e as entidades da área para fazer denúncias. "O objetivo foi evitar a ideia de uma guerra de notificações", diz.

As plataformas também poderão, de forma proativa, encaminhar denúncias às autoridades que se configurem em infrações penais.

No caso de descumprimento da lei, os infratores (que podem ser tanto usuários quanto empresas) podem ser responsabilizados da seguinte maneira, considerando a gravidade da infração, reincidência, capacidade econômica e o impacto sobre a coletividade:

As plataformas que tiverem mais de 1 milhão de usuários que sejam crianças ou adolescentes também deverão disponibilizar canais de denúncia e relatórios de transparência sobre denúncias recebidas, quantidade de conteúdos ou de contas moderadas, medidas para identificação de contas infantis, aprimoramento técnico para supervisão parental e detalhamento dos métodos utilizados e apresentação dos resultados das avaliações de impacto, identificação e gerenciamento de riscos à segurança e à saúde de crianças e adolescentes.

Texto Jeniffer Mendonça
Edição Alexandre Orrico

Jeniffer Mendonça

Jeniffer Mendonça

Jornalista especializada na cobertura de segurança pública e direitos humanos. Possui pós-graduação em Estudos de Criminalidade e Segurança Pública pela UFMG. Por sete anos, foi repórter da Ponte Jornalismo.

Todos os artigos

Mais em Geralzão

Ver tudo

Mais de Jeniffer Mendonça

Ver tudo
Bolsonaro 🤝 Big Techs

Bolsonaro 🤝 Big Techs

Uma semana sem celular

Uma semana sem celular