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ANPD alerta que falta de diretores ameaça paralisar órgão

Conselho diretor da Autoridade Nacional de Proteção de Dados está com apenas três de seus cinco diretores, e qualquer ausência adicional pode suspender todos os processos em andamento, segundo regimento interno

ANPD alerta que falta de diretores ameaça paralisar órgão
Arte de Aleksandra Ramos
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Essa reportagem foi feita em colaboração com a organização de jornalismo investigativo OCCRP

A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) opera atualmente com apenas três dos seus cinco diretores, o que torna o órgão vulnerável à suspensão total se algum outro membro da diretoria precise se ausentar, de acordo com alertas enviados pela cúpula da autarquia ao governo federal.

Em ofícios apresentados ao Ministério da Justiça e à Casa Civil na quarta-feira (6.out.2024) vistos pelo Núcleo, o presidente da ANPD, Waldemar Gonçalves Ortunho Júnior, enfatizou que, conforme o regimento, a ausência ou licença adicional de um diretor suspende todas as atividades da agência.

Três é o número mínimo de diretores.


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Ortunho também alertou que a interrupção de atividades de fiscalização e o adiamento de regulamentações essenciais prejudicariam significativamente o avanço da política de proteção de dados no Brasil.

Uma das vagas foi deixada em aberto por Nairane Farias Rabelo Leitão, que deixou a diretoria em nov.2023 após seu mandato de três anos, iniciado em 2020. A outra vacância recente é de Joacil Basilio Rael, que saiu do cargo na semana passada, em 5.nov.2024.

Os mandatos dos três diretores remanescentes variam: Arthur Sabbat deve permanecer até nov.2025, enquanto Ortunho e Miriam Wimmer têm mandatos até nov.2026.

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Atribuições da diretoria
O Conselho Diretor da ANPD, órgão máximo da instituição, é responsável por estabelecer diretrizes para proteção de dados, regulamentar o tratamento de dados sensíveis e monitorar práticas de segurança tanto no setor público quanto no privado, inclusive com poder para aplicar sanções administrativas e suspender operações que infrinjam a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Sabatina parada

Para preencher uma das vagas, o presidente Lula indicou, em julho, Iagê Zendrom Miola, assessor especial da Controladoria-Geral da União (CGU), para um mandato de quatro anos.

A nomeação de Miola está sob análise da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, aguardando sabatina há quatro meses. O senador Eduardo Gomes (PL-TO), relator do projeto de lei mais abrangente em tramitação para regulamentar a inteligência artificial (o PL 2.338/23), também é o responsável por conduzir a sabatina de Miola. 

Na versão atual do projeto, Gomes atribui à ANPD o papel de autoridade competente do Sistema Nacional de Regulação e Governança de Inteligência Artificial (SIA), que seria encarregado de supervisionar, regulamentar, fiscalizar e implementar medidas de governança para o uso e desenvolvimento da IA no Brasil.

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Implementação regulatória

Questionada sobre os impactos da composição reduzida a três diretores, a ANPD disse à reportagem que “quóruns mais qualificados em termos numéricos tendem a viabilizar maior amplitude aos debates que antecedem as decisões do Conselho”.

Em relação à possibilidade de suspensão automática de prazos e tramitação de processos caso um dos diretores precise se ausentar, por motivos de saúde, por exemplo, a ANPD destacou ao Núcleo que isso impactaria “a implementação da agenda regulatória e a celeridade de processos de fiscalização ou sancionadores em recurso.”

Já a Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República informou ao Núcleo que "processo de nomeação de cargos envolve diversas etapas, como análise de currículos, sabatina em comissões e aprovação pelo Legislativo. Por isso, evitamos comentar prematuramente para não gerar expectativas ou interpretações incorretas”, afirmou.  

A Coalizão de Direitos na Rede (CDR), entidade que representa mais de 50 organizações no setor, disse que a demora na sabatina provavelmente acontece “em um momento em que há muitas vacâncias de agências”.

Mas o grupo espera que a sabatina “ocorra logo para que a ANPD continue funcionando na defesa ativa da proteção dos dados dos brasileiros, em especial nos casos envolvendo grandes plataformas, além das futuras possíveis atuações como autoridade coordenadora do Sistema Nacional de Governança e Regulação de IA.”

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O que pode acontecer?

A ANPD está elaborando sua nova agenda regulatória para o biênio 2025-2026, mas, com o quadro de diretores reduzido, existe o risco de que atividades internas essenciais sejam interrompidas, comprometendo diretamente o andamento dos processos e o cumprimento dos prazos.

Além disso, uma paralisação ameaçaria a conformidade com a Convenção 108+ da União Europeia, cuja adaptação está prevista até o final de 2025, abrindo oportunidades para o Brasil no mercado europeu.

Fiscalização

A falta de recursos humanos não afeta apenas a diretoria da ANPD. A equipe de fiscalização conta com apenas 20 profissionais, o que, disse o coordenador-geral de Fiscalização em entrevista ao Globo, é insuficiente para atender plenamente à demanda por proteção de dados no país. Até o momento, não há previsão de ampliação desse quadro.

Essa limitação reflete nos resultados de fiscalização: nos últimos quatro anos, a ANPD aplicou sanções principalmente a entidades públicas. Em uma análise da USP, foi constatado que apenas uma empresa privada foi multada no período, com penalidade de R$14,4 mil.

Relatório do Tribunal de Contas da União reforçou a necessidade de adequação à LGPD no setor público, indicando que 76,7% das organizações públicas estão em níveis iniciais ou inexpressivos de conformidade com a lei.

Reportagem Sofia Schurig e Eduardo Goulart (OCCRP)
Edição Alexandre Orrico e Sérgio Spagnuolo
Sofia Schurig

Sofia Schurig

Repórter com experiência na cobertura de direitos humanos, segurança de menores e extremismo online. É também pesquisadora na SaferNet Brasil e fellow do Pulitzer Center.

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Eduardo Goulart

Eduardo Goulart

Editor de Brasil no OCCRP (Organized Crime and Corruption Reporting Project), uma rede global de jornalismo investigativo. Já publicou em veículos como piauí, The Intercept Brasil e Metrópoles.

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