Governo gastou R$5 milhões com ex-servidores em 'quarentena' desde 2017

Termo não tem relação com a Covid-19 e diz respeito ao período em que alguém que deixa um cargo público e continua sendo remunerado para não assumir certas funções privadas; pagamentos são legais, ex-ministro Sérgio Moro está na lista.
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O governo federal desembolsou R$5 milhões em menos de três anos com remunerações compensatórias para a "quarentena" de 39 ex-funcionários públicos, incluindo ex-ministros, após terem deixado seus cargos no Executivo e serem impedidos de assumir certas funções privadas sob a Lei de Conflito de Interesses, de 2013.

Os pagamentos são permitidos, mas dependem de intrincadas tecnicalidades legais, considerando que o benefício não está diretamente regulamentado pela lei 12.813, e sim por um decreto de 2002 que não conflita com essa legislação.


É importante porque...
  • Mesmo permitidas, remunerações compensatórias não fazem parte diretamente da principal lei que regulamenta conflito de interesses
  • É importante dar visibilidade a esses pagamentos, como ferramenta de transparência pública

O Núcleo analisou dados do Ministério da Economia disponibilizados no Portal de Dados Abertos do governo federal que vão de janeiro de 2017 a junho de 2020.

Pagamentos de agências reguladoras a ex-diretores correspondem a 80% do total desembolsado no período.

Na análise constam três ex-ministros:

  • Sérgio Moro (Justiça), atualmente no período de quarentena;
  • Eduardo Guardia (Fazenda), que após sua quarentena virou CEO do BTG Pactual Asset Management;
  • Aloysio Nunes (Relações Exteriores), que após comandar o Itamaraty logo depois foi trabalhar para a gestão de João Doria no Estado de São Paulo, mas pediu demissão em meio a investigações da Operação Lava Jato.
órgão de atuaçãototal gasto com "quarentena" de ex-servidores
AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUASR$ 1.075.673,68
AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIAR$ 871.174,21
AGÊNCIA NACIONAL DO CINEMAR$ 693.900,62
AGÊNCIA NACIONAL DE SAUDE SUPLEMENTARR$ 426.839,06
MINISTERIO DA ECONOMIAR$ 414.587,04
AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRESR$ 294.648,01
AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELETRICAR$ 269.461,50
AGÊNCIA NACIONAL DE AVIACAO CIVILR$ 262.348,73
ADVOCACIA-GERAL DA UNIAOR$ 260.773,63
MINISTERIO DAS RELAÇÕES EXTERIORESR$ 157.741,75
MINISTERIO DO PLANEJ. DESENV. E GESTÃOR$ 80.985,61
CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃOR$ 39.999,65
MINIST. DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICAR$ 30.934,70
Total geralR$ 4.879.068,20

O site Poder360 fez uma reportagem sobre o assunto no começo de 2019, apenas sobre o primeiro bimestre do mesmo ano.

LEGISLAÇÃO

A previsão de compensação não consta na chamada Lei de Conflito de Interesses, a qual diz que esses profissionais precisar passar por um período de "quarentena" de 6 meses, mas não estabelece claramente os parâmetros para pagamento de remuneração.

A versão da lei aprovada pelo Congresso previa que o Executivo não teria o ônus de pagar pela compensação, mas o artigo foi vetado pela então presidenta Dilma Rousseff.

De acordo com o advogado Felipe Dudienas Domingues Pereira, cuja dissertação de mestrado de 2018 é sobre a LCI, "a lei de 2013 revoga todas as disposições que conflitam com ela, e todas aquelas normas que não conflitam continuam em vigência."

Dessa forma, a remuneração continuou sendo regida por um decreto de 2002, de Fernando Henrique Cardoso, embora, indiretamente, seu prazo tenha sido estendido pela lei de 2013 de quatro para seis meses.

"É o que se chama de 'revogação tácita'", disse Pereira ao Núcleo por telefone.

Em 2014, foi publicada uma orientação técnica da Comissão de Ética Pública da Presidência da República que esclarece a permissão da compensação.

A justificativa dada para o veto de Dilma foi de que a ausência de compensações “não é razoável e pode levar a um desinteresse futuro na ocupação de funções públicas.”

Segundo levantamento da agência Fiquem Sabendo com dados da Controladoria Geral da União no fim do ano passado, de 789 solicitações feitas por servidores para exercer atividades privadas em 2019, 248 foram negadas sob a lei.

METODOLOGIA

O Núcleo acessou os dados no Portal de Dados abertos em 7 de julho de 2020. Os arquivos são separados em dezenas de arquivos mensais que vão de janeiro de 2017 a junho de 2020. Não há dados para março de 2019.

O código em R do Núcleo para extração e agrupamento dos dados está neste link.

Vale notar que uma parte considerável dos dados originais fornecidos pelo Ministério da Economia não traziam descrições detalhadas dos cargos, e em alguns casos até apresentaram descrições erradas para certos ex-funcionários.

Onde não havia classificação de cargo, o Núcleo acrescentou informações encontradas nos portais dos órgãos de atuação mencionados. Os dados agregados podem ser encontrados neste link.

Reportagem Sérgio Spagnuolo
Edição Alexandre Orrico
Arte Rodolfo Almeida

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