O jornal britânico The Guardian obteve acesso a 124 mil documentos internos da Uber, produzidos entre 2013 e 2017, que revelam a estratégia agressiva de expansão da empresa, as táticas questionáveis do então CEO Travis Kalanick e as relações questionáveis com líderes mundiais.
O QUE HOUVE? Em reportagem publicada neste domingo (10.jul), o The Guardian revelou, com base nos chamados “Uber files”, o funcionamento torto da Uber nos seus anos de expansão, quando a startup da Califórnia se tornou uma gigante global.
As mensagens comprovam que a Uber agia à margem da lei e sabia disso.
Um executivo se referia à empresa como “piratas”, no que outro complemeta: “Somos ilegais pra c*****.”
COMO FOI? O “modus operandi” da Uber era entrar em novas cidades e só aí fazer lobby junto a figuras poderosas, em especial políticos, para regularizar o serviço. Nesse meio tempo, a Uber insuflava os motoristas a fazerem pressão, mesmo que isso colocasse a integridade física deles em risco.
Quando executivos da França questionaram a estratégia de enviar motoristas para um “contra-protesto”, num momento em os taxistas protestavam contra a Uber, pelo temor de que o encontro descambasse em violência, Kalanick teria respondido: “Acho que vale a pena. Violência garante sucesso.”
RELAÇÕES PERIGOSAS. Os “Uber files” colocam algumas das figuras mais poderosas do planeta em saias justas.
Os documentos revelam que o atual presidente da França, Emmanuel Macron, agiu ativamente nos bastidores quando era ministro da Economia do país para ajudar a Uber a se instalar no país.
O presidente norte-americano, Joe Biden, foi abordado por Kalanick em uma edição do Fórum Econômico Mundial, em Davos, quando era vice-presidente de Obama.
Após o encontro, Biden teria ajustado seu discurso no evento para incluir um discreto elogio, sem mencionar a Uber, ao CEO de uma empresa que daria a milhões de trabalhadores “liberdade para trabalhar quantas horas eles quisessem, e gerir suas vidas da maneira que desejassem”.
Olaf Scholz, atual primeiro ministro da Alemanha, era chamado internamente na Uber de “comediante”. Avesso à entrada da empresa em Hamburgo, cidade onde era prefeito à época do contato, Scholz resistiu ao lobby da Uber e insistiu em garantir um salário mínimo aos motoristas da plataforma na cidade.
O QUE MAIS? Os documentos também fazem referência a um “kill switch”, um interruptor de emergência presente nos escritórios da Uber. Ao ser acionado, ele cortava o acesso a documentos confidenciais da empresa. O “kill switch” foi usado 12 vezes.
O QUE DIZEM OS ENVOLVIDOS. Em nota enviada ao The Guardian, a Uber não questionou os achados. Em vez disso, afirmou que a empresa passou por uma grande reformulação desde 2017, quando o atual CEO, Dara Khosrowshahi, assumiu o posto.
A empresa pede para ser julgada por esse período pós-2017 e pelos anos que virão.
E disse ainda que quando a Uber despontou, não existia legislação para serviços de carona em lugar algum do mundo e que as leis vigentes já estavam defasadas frente à ascensão do celular.
Já a assessoria de Travis Kalanick questionou a veracidade de alguns documentos, como o que sugere que o executivo explorou a violência contra motoristas da Uber para ganhar capital político.
Ela também acusa os repórteres do jornal britânico de “empurrar uma agenda falsa” de que Kalanick teria “dirigido uma conduta ilegal ou imprópria”.
E AGORA? Os documentos do “Uber files” foram compartilhados com o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) e repassados a outras redações do mundo inteiro. Em outras palavras, teremos mais revelações nos próximos dias.
Via The Guardian, ICIJ (ambos em inglês).