Ibama alertou diariamente Ministério do Meio Ambiente sobre falta de recursos para ações contra óleo no Nordeste

Documentos obtidos pelo Núcleo mostram um mês de solicitações e alertas feitos pela agência ao governo federal sobre o maior desastre ambiental do Brasil
Ibama alertou diariamente Ministério do Meio Ambiente sobre falta de recursos para ações contra óleo no Nordeste

Esta reportagem foi visualmente alterada de sua publicação original, e alguns dos recursos antes apresentados podem apresentar diferenças em relação à versão original

No dia 13 de setembro de 2019, servidores do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) emitiram um alerta para o Ministério do Meio Ambiente: faltava pessoal para realizar todos os trabalhos de campo e de escritório necessários na resposta ao desastre ambiental provocado pelo vazamento de óleo nas praias do Nordeste. As equipes acompanhavam o incidente desde 2 de setembro e, até então, o óleo já havia atingido praias de Sergipe, Rio Grande do Norte e Pernambuco.

Quinze dias depois, em 28 de setembro, o óleo já se tinha chegado ao Ceará, Bahia e Maranhão. A reclamação persistiu: “Número reduzido da equipe do Ibama para realizar todos os trabalhos de campo necessários”, diz um relatório enviado naquela data, obtido por meio da Lei de Acesso à Informação. Os documentos, que somam 450 páginas, cobrem o período de 2 de setembro a 4 de outubro.

Além do número insuficiente de pessoas para lidar com o maior desastre do tipo já registrado no país, os funcionários do Ibama chamaram a atenção diariamente, durante 32 dias, para a “falta de envolvimento de outros órgãos na solução do problema”. Mais de um mês depois, em 4 de outubro, um relatório aponta a dificuldade em adotar a ferramenta adequada para avaliar a contaminação das praias porque as equipes responsáveis não tinham sido capacitadas.


É importante porque...
  • Mostra as dificuldades da principal agência ambiental brasileira
  • Trata-se de um dos maiores desastres ambientais da história do Brasil

Mesmo alertado das dificuldades enfrentadas na linha de frente do desastre, o Ministério do Meio Ambiente não acionou o PNC (Plano Nacional de Contingência), que estabelece procedimentos que devem ser adotados em vazamentos de petróleo.

ÓLEO NAS PRAIAS EQUIPE DO IBAMA Avistamentos de Situação da O último relatório disponível data de 4 de outubro de 2019. Até essa data já haviam A partir daqui não é possível saber quais foram as demandas ou capacidades da equipe do Ibama, mas o ritmo de avistamentos de óleo aumentou vertiginosamente... 133 pontos de avistamento Essa linha representa o número acumulado de avistamentos de óleo ao longo do tempo. Até 1 de outubro já eram 125 As primeiras manchas de óleo foram avistadas na na Praia de Tambaba, no município de Pitimbu (PB) Em seguida, foram vistas em Porto de Galinhas e Suape, em Ipojuca (PE) Os relatórios seguintes mencionam também como entraves a falta de pessoal e de atuação de outros órgãos, como municipais e estaduais A partir de 20 de setembro a necessidade de revisita a locais já vistoriados aparece como um problema Em 29 de setembro, são relatadas diferentes interpretações quanto às condições de contaminação das praias Em 11 de outubro, o Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles aciona por ofício um plano para conter as manchas de óleo O óleo passou então a ser avistado em praias do Rio Grande do Norte, como Baía Formosa, Praia do Amor e Bara de Tabatinga Manchas são avistadas em Sergipe, Pernambuco e Alagoas, em praias como Barra dos Coqueiros, Jatobá e Ponta dos Mangues Manchas são avistadas em Piauí, Sergipe, Pernambuco e Alagoas, em praias como Barra dos Coqueiros, Jatobá e Ponta dos Mangues Manchas são avistadas em Sergipe, Pernambuco e Alagoas, em praias como Barra dos Coqueiros, Jatobá e Ponta dos Mangues Voltam avistamentos no Rio Grande do Norte, em Maranguape Cresce número de avistamentos na Bahia, em locais como Ilhéus, Japaratinga e Itacaré À essa altura, óleo já atingiu todos os estados do nordeste Pessoalda Petrobras Pessoaldo Ibama Veículos Aeronaves Sem menção de equipamentos ou pessoal Sem relatório Sem relatório Os relatórios obtidos pelo NÚCLEO cobrem o período de 12 de setembro a 4 de outubro e permitem visualizar a quantidade de pessoal, equipamentos e necessidades da equipe do Ibama Os problemas relatados pela equipe, listados como “entraves” no relatório, são codificados da seguinte maneira: O primeiro relatório cobre o período de 2 a 12 de setembro e menciona a dificuldade de prever a localização da mancha, bem como falta de informação de população Dificuldade de localizar a mancha e prevê-la Falta de informação da população Falta de pessoal Falta de atuação de outros órgãos Necessidade de revisita de locais já vistoriados Diferentes interpretações da condição das praias Óleo é avistado em São João da Barra (RJ) Fonte: Relatórios internos do Ibama obtidos pelo Núcleo e página de localidades atingidas do Ibama (via interface de Karlo Guidoni Martins). PB PE RN BA RJ BA RN ES SE PE AL BA ES BA BA AL BA BA ES RN SE AL PI AL BA PE BA AL RN BA BA BA AL SE PE AL PE

“Se no dia 1º ou 2 de setembro o Ministério do Meio Ambiente tivesse acionado o Plano Nacional de Contingência, nenhum desses relatórios teria sido preenchido dessa forma. O plano prevê, com o ministro do Meio Ambiente coordenando, toda a hierarquia de quem deve ser acionado; desde os ministérios, em nível federal, aos estados, municípios. É como uma prescrição médica”, afirma Yara Schaeffer Novelli, professora do Instituto de Oceanografia da USP e autora de pesquisas científicas sobre os efeitos ambientais de vazamentos de petróleo.

“Quando os estados viram que não havia nenhuma articulação e descobriram que o ministro jogou a situação no colo da Marinha, os governadores começaram a atuar, mas fora de contexto. Os municípios começaram a agir, mas cada um por si. Parecia um salve-se quem puder. E o povo, desesperado, vendo o óleo sujar redes de pesca e sujar praias, foi tentar impedir”, diz a cientista.

Os documentos também mostram que a falta de pessoal fez com que o Ibama privilegiasse a limpeza das praias em vez de prevenir novos pontos de contaminação. Para atuar na proteção dos rios do Sergipe, o órgão disse que precisaria retirar uma equipe de limpeza de praia, o que “não seria coerente”.

A contaminação das praias, segundo um relatório, já era concreta, enquanto a ação de prevenção, “embora louvável em acidentes pontuais”, era considerada “incerta na circunstância desta emergência”.

Em 30 de outubro, os governadores do Nordeste - todos afetados pelo desastre ambiental - divulgaram uma carta pedindo que o ministério colocasse em operação o PNC e se dispusesse a fazer uma gestão de crise “com total transparência nos dados e ações”. Os signatários afirmam que enfrentavam uma crime ambiental sem precedentes sem apoio do governo Bolsonaro.

avistamentos

Dias antes, em 17 de outubro, procuradores do Ministério Público Federal dos nove estados do Nordeste ajuizaram uma ação civil pública pedindo que a Justiça obrigasse o governo a acionar o PNC. Para os procuradores, apesar da gravidade do desastre, a União se mantinha “omissa, inerte, ineficiente e ineficaz” e utilizou métodos amadores para limpar as praias, enquanto existia “todo um Plano Nacional de Contingência para ser implementado”.

O Ministério do Meio Ambiente formou, em 11 de outubro, um “Grupo de Avaliação e Acompanhamento” que reúne Ibama, ICMBio, Polícia Federal, Petrobras, Força Aérea Brasileira e outras entidades governamentais e privadas. No entanto, não esclareceu quais ações do Plano Nacional de Contingência seriam colocadas em prática — é o que sustentam tanto a Ascema (Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente), em uma nota publicada em 14 de novembro, quanto o procurador Ramiro Rockenbach, do Ministério Público Federal de Sergipe.


Na imprensa

Segundo Rockenbach, coautor da ação civil público, a pasta comandada por Ricardo Salles diz que o Grupo de Avaliação e Acompanhamento chegou a se reunir com outros órgãos, mas isso não significa que o PNC esteja funcionando. “Nunca vimos ata de reunião ou documentos pedindo o acionamento do plano de contingência, dizendo se ele está acionado, se o comitê de suporte vai se reunir”, argumenta.

“É uma situação sem o devido tratamento. A população atuou na limpeza das praias sem equipamento de proteção, em contato com produto altamente tóxico. Isso é a maior comprovação de que nem de longe se acionou o Plano Nacional de Contingência”, diz Rockenbach.

A atuação da pasta no desastre ambiental é objeto de uma Comissão Parlamentar de Inquérito instaurada em 27 de novembro. “O governo demorou para tomar as primeiras providências. Ficou evidente que toda a estrutura desenhada do ponto de vista institucional demorou para ser acionada”, diz o deputado federal Rodrigo Agostinho (PSB-SP), presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e membro da CPI.

Procurado pela reportagem, o Ministério do Meio Ambiente não se manifestou.

Como fizemos isso

O Núcleo obteve documentos do Ibama via lei de acesso à informação e entrevistou as pessoas acima citadas.

A reportagem foi apurada em novembro e dezembro de 2019, e finalizada em janeiro de 2020.

Os dados de avistamento de manchas de óleo do Ibama usados nessa matéria foram coletados com a utilização de código desenvolvido por Karlo Guidoni Martins.

Reportagem Gabriela Sá Pessoa
Arte Rodolfo Almeida
Edição Alexandre Orrico e Sérgio Spagnuolo

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