Michele Prado, Daniela Lima e a corrosão da dignidade em tempo real

O que podemos aprender com a lavação de roupa pública entre pesquisadores da extrema-direita
Michele Prado, Daniela Lima e a corrosão da dignidade em tempo real
💡
Linha Fina é uma coluna de opinião sobre mídia e jornalismo

Participei ativamente de diversas coberturas políticas nos últimos anos e posso falar com segurança que existe uma briga feia, pública, interminável e desnecessária entre diversos pesquisadores da extrema-direita no Brasil. Uma picuinha constante que não apenas arrisca minar a credibilidade dos envolvidos, como também afasta potenciais novos colaboradores.

Há vários casos que eu conheço (alguns pessoais, outros que cobram crédito e criticam quem recebe, outros envolvendo insultos e processos judiciais), mas aquele que talvez tenha maior proporção envolve a pesquisadora e tuiteira Michele Prado, que trabalhava no Monitor do Debate Político no Meio Digital, ligado à USP. Prado é uma figura que gerou muitas emoções nos últimos anos entre a turma que monitora grupos nazistas.

Não é minha intenção defender nem criticar Prado nem seus rivais, mas como testemunha ocular dos lados de uma briga pública que acontece há anos no Twitter/X, posso constatar que ela é atacada e também ataca. Não existe espaço para contemplação nem diplomacia, essa é uma briga em que as pessoas estão dando voadoras pra tudo que é lado. Sobraram até insultos para uma pesquisadora que infelizmente perdeu a vida durante a pandemia.

Mais recentemente, a polêmica que alçou Michele Prado aos trending topics no Twitter/X brasileiro diz respeito a uma discordância pela forma como a jornalista Daniela Lima divulgou dados de uma pesquisa do Monitor na Globo News, associando os resultados à desinformação envolvendo publicações nessa rede social.

Prado corrigiu publicamente o que Lima falou no ar, provavelmente sem saber que seu chefe, o professor e pesquisador Pablo Ortellado, estava no podcast O Assunto justamente falando de desinformação sobre enchentes no RS. É seguro considerar que Ortellado provavelmente é fonte de Daniela Lima também, considerando que ele fala regularmente com a imprensa nesses casos.

Não sei, nem quero saber, os detalhes da demissão de Prado do Monitor, mas isso que ela fez é o tipo de coisa que pega incrivelmente mal em qualquer cenário que eu consiga pensar: um rompante no Twitter que está, em tempo real, desautorizando seu próprio chefe e um dos acadêmicos mais respeitados quando se fala de monitoramento de debate político.

Ajude o Núcleo a fazer análises como esta sobre os impactos das Big Tech na vida das pessoas. Custa apenas R$10.

Entre todos os seus defeitos e virtudes, as redes sociais, por bem ou por mal, permitem com que as pessoas se expressem constantemente, de maneira rasa e descontextualizada, muitas vezes sem nenhuma consideração pelas ramificações que isso cria.

Se Lima de fato errou, certamente há outros mecanismos para que essas correções sejam apontadas. A jornalista, sensível por ser constantemente atacada pela extrema-direita em nível nacional (algo que vai além do vai-e-vem das brigas entre pesquisadores), já inclusive trouxe correções ao vivo quando errou, pedindo desculpas.

Com um megafone em mãos, Prado, falando para quase 40 mil pessoas, diluiu qualquer boa intenção que poderia ter em corrigir os dados daquela forma. Após isso, frente às consequências, o ressentimento de Prado foi só ladeira abaixo, como é possível ver em seus posts no Twitter/X.

Ninguém é imune ao desejo de simplesmente sair expressando opiniões, correções e denúncias publicamente no Twitter. Eu certamente não sou. Mas tenho ficado cada vez mais consciente de que só cuspir o meu pensamento numa caixinha de texto de uma rede social pode ter consequências impossíveis de se prever. Muitas vezes escrevi opiniões apenas para nunca publicá-las.

A briga da comunidade de pesquisadores de extremismo de direita exprime muito bem isso: a necessidade constante de validação e engajamento, associada a uma frustração profunda com críticas públicas e ataques ainda mais públicos, acaba escalando a situação a ponto de uma pessoa perder o emprego, algo que teria sido evitado se um pouco de autocontrole tivesse sido exercido.

Prado pode não ter as credenciais de uma acadêmica, mas foi coautora em várias pesquisas importantes sobre extremismo de direita, ao contrário do que muita gente que não gosta dela diz. Mas os excessos online colocam isso em xeque (assim como fazem com suas detratoras e detratores).

O verdadeiro objetivo, o monitoramento e o combate a ideias nazistas, fica em segundo plano no meio a toda essa briga. Ganha a extrema-direita, que agora tem assunto de sobra pra explorar nas redes por alguns dias.

Texto Sérgio Spagnuolo
Edição Alexandre Orrico

Receba nossas newsletters e traga felicidade para sua vida.

Não perca nada: você vai receber as newsletters Garimpo (memes e atualidades), Polígono (curadoria de ciência nas redes sociais) e Prensadão (resumo semanal de tudo o que o Núcleo fez). É fácil de receber e fácil de gerenciar!
Show de bola! Verifique sua caixa de entrada e clique no link para confirmar sua inscrição.
Erro! Por favor, insira um endereço de email válido!