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Lives de NPC são esvaziamento do conteúdo nas redes

O conteúdo das redes sociais está cada vez mais sendo diluído num mar de insignificância.
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Linha Fina é uma coluna de opinião sobre mídia e jornalismo

Com todas as suas nuances, coisas boas e ruins, a internet é um lugar estranho, cheio de bizarrices. Sempre foi e, continuando livre, sempre será – é parte do apelo também.

Mas a nova trend de lives imitando NPCs é um passo além da pura bobagem: representa o esvaziamento do conteúdo nas redes sociais e a ausência de novidades interessantes para que as pessoas saciem sua vontade de consumir entretenimento curto.

Não é um julgamento: todo mundo curte umas bobagens online. Eu certamente gosto da minha dose diária de inutilidades no TikTok, no Reels ou no Shorts (com uma preferência para cachorros, clipes de Family Guy e coreanos fazendo acrobacias.)

Mas ver cada vez mais pessoas dispostas a sacrificar a própria dignidade para ganhar likes, crescer audiência e gerar CPMs (valores de remuneração por volume audiência) tem sido muito penoso para mim.

Trata-se do reflexo mais cru do estrago que o imediatismo das redes sociais – em especial TikTok, Instagram e YouTube – está fazendo com o conteúdo.

Pra quem não sabe do que eu estou falando: primeiramente, parabéns. Explicando: essa trend nada mais é do seres humanos em lives no TikTok emulando o comportamento de personagens não customizáveis nos videogames (aqueles que o jogador não pode controlar, e servem principalmente como figurantes ou secundários).

É triste de ver.

Tiktokers fazem lives bizarras imitando NPCs em busca de presentes e dinheiro
A pioneira na internet gringa foi a PinkyDoll, que cunhou o meme “ice cream so good”. E a moda chegou de vez ao Brasil

O mercado de entretenimento online sempre foi gigantesco, frequentemente imoral e não raramente ilegal – desde os mais diversos tipos de pornografia, política, humor, dancinhas e até vídeos do Estado Islâmico. Mas esses conteúdos sempre foram criados com um motivo – e gente não precisa gostar de um conteúdo pra saber o por que de sua existência.

Sexo e comédia sempre atraíram o interesse das pessoas. Dancinhas são pegajosas e misturam música com expressão corporal. Política sempre engajou e serviu como publicidade ou ataques a adversários. Religião e teorias da conspiração geram adeptos fervorosos que se agarram a seus dogmas. Games, mangás e cosplays ajudaram a moldar personalidades de jovens e adultos nos últimos 50 anos.

Eu desprezo e luto com todas as minhas forças contra a máquina bolsonarista de desinformação, por exemplo, mas eu consigo entender por que ela existe – mesmo que aquele motivo gere uma total desfiguração da democracia. Inclusive, entender uma coisa torna mais fácil de combatê-la.

Mas o que estamos vendo agora é a incrível falta de um parâmetro mínimo de produção de conteúdo, da falta de um motivo mínimo de existência. Trends como essa não fazem o menor sentido, porque não há motivo que a sustente – exceto talvez a iniciativa de tentar ganhar um dinheiro e a curiosidade das pessoas pelo bizarro.

Esse tipo de tendência, vira e mexe, surge ao longo do tempo, mas frequentemente morre. A viralização desse tipo de live nos últimos meses está abrindo uma porta para que novas trends inexplicáveis apareçam e cresçam, e que o conteúdo das redes sociais seja diluído cada vez mais num oceano de insignificância.

Por Sérgio Spagnuolo
Edição Alexandre Orrico

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