Raio-X é uma editoria de análise crítica

A “dificuldade” em usar o Mastodon não é por acaso

Fora dos ambientes da big tech, tecnologias mais saudáveis costumam ser mais difíceis ou pagas — às vezes, as duas coisas
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Raio-x é uma editoria de análise crítica do Núcleo e contém opiniões

O êxodo do Twitter, arruinado por Elon Musk, seria mais intenso se a principal alternativa surgida nesse período turbulento, o Mastodon, fosse mais simples. Não que seja uma ciência complexa, mas o atrito para usar a rede do momento, em especial o cadastro, tem desanimado alguns.

O Mastodon exemplifica um dos dois grandes trunfos da big tech: a facilidade. Uma das obsessões das empresas do Vale do Silício é remover obstáculos entre suas ofertas e o público potencial, nem que para isso comprometa outros aspectos importantes, mas “chatos”, como a privacidade.

O modelo do Mastodon é à prova de Elon Musk. Nenhum bilionário conseguiria comprar a rede porque ela é pulverizada e seu código, aberto — é de todos e de ninguém.

Como funciona

Essa enorme vantagem tem, como efeito colateral, o cadastro um pouco mais complicado: em vez de uma entidade central, que aglutina cadastros, conteúdo e tudo mais, o Mastodon é uma “rede de redes” que se comunicam entre si. O primeiro passo, pois, é encontrar uma dessas redes (instância, ou servidor) que esteja aceitando cadastros.

O conceito é similar ao do e-mail, ainda que hoje esse setor esteja bastante concentrado em poucos grandes players — Google e Microsoft, em especial.

Ao criar um e-mail no Gmail, você consegue trocar mensagens com pessoas em outros “servidores”, como o Hotmail ou o Yahoo Mail.

Ao criar um perfil no… sei lá, masto.donte.com.br, você consegue conversar com pessoas da ursal.zone. (São duas instâncias do Mastodon.) A lógica é a mesma do e-mail.

Disse ali em cima que a facilidade é um dos trunfos da big tech. O outro é a gratuidade. Quase toda alternativa livre imporá um ou outro empecilho. Às vezes, ambos ao mesmo tempo.

O e-mail, aliás, é um ótimo exemplo do trunfo da gratuidade. É possível se ver livre do Gmail e do Outlook/Hotmail, ótimas ofertas de e-mail gratuito. Subir um servidor de e-mail próprio é muito complexo, daí que o melhor caminho é contratar um serviço gerenciado que, sem surpresa, vai cobrar uma mensalidade.

Fastmail, Tutanota, Migadu, Proton, Zoho: há farta oferta, todas de excelente qualidade, todas pagas. Vale a pena? Eu acho que sim, tanto que há mais de cinco anos pago pelo meu e-mail. É para todo mundo? De maneira alguma.

Vai substituir o Twitter?

Vivemos no mundo da big tech. À parte todos os problemas que seus modelos de negócio predatórios e descuidados geram, essas grandes empresas alteraram as expectativas da opinião pública acerca de serviços digitais.

De carona, levaram serviços antes restritos — por dificuldades técnicas ou barreira financeira — a literalmente bilhões de pessoas.

Nesse mundo da big tech ainda há espaço para outros jeitos de pensar, lidar e explorar a tecnologia, mas isso será cada vez mais visto como excentricidade.

É significativo que o Mastodon tenha batido 1 milhão de usuários ativos na esteira das decisões erráticas de Musk, mas 1 milhão de usuários é uma gota no oceano que é o Twitter, com um quarto de bilhão de usuários.

E mesmo com essa base minúscula, instâncias e serviços de hospedagem especializados em Mastodon estão no limite, sobrecarregados.

Apesar de tudo, e gostaria de terminar com uma mensagem positiva, usar o Mastodon e migrar seu e-mail para serviços menores são esforços válidos. Vitais, diria, se quisermos ter a chance de uma internet plural, diversa, aberta — como sempre deveria ser.

É provável que o Mastodon jamais vire um Twitter, em termos de alcance e influência, e tudo bem desde que ele exista como uma alternativa a quem, por qualquer motivo, anseia por meios de comunicação mais saudáveis no digital.

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