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* A Suprema Corte dos Estados Unidos está julgando dois casos que podem mudar a forma como as plataformas são responsabilizadas pelo conteúdo publicado nelas.
* Um caso envolve família que processa o Google sob a sugestão de que seus algoritmos de recomendação de conteúdo podem facilitar a radicalização de pessoas
* O resultado desses casos pode levar a uma mudança no entendimento da Seção 230 do Communications Decency Act, uma lei federal de 1996
A Suprema Corte dos Estados Unidos julga nesta semana dois casos que podem – sem exagero – mudar a forma como plataformas são responsabilizadas por conteúdo nelas publicado.
CONTEXTO. Em nov.2015, a estudante universitária norte-americana Nohemi Gonzalez, de 23 anos, foi morta durante os ataques em Paris, onde ela fazia intercâmbio.
No ano seguinte, seus familiares decidiram processar o Google (como dona do Youtube) e outras plataformas sob a alegação de que as empresas permitiram a disseminação de conteúdo que radicalizou usuários e os transformou em terroristas. Essas empresas, portanto, seriam responsáveis pela morte de Gonzalez.
JULGAMENTO. Os argumentos da família foram ouvidos pela Suprema Corte na terça-feira (21.fev.2023), num processo que agora traz o Google como único réu. O desfecho, no entanto, poderá ter implicações para todo tipo de plataforma, inclusive fora dos Estados Unidos.
ARTIGO 230. Isso porque o processo Gonzalez v. Google toca diretamente na Section 230 of the Communications Decency Act, uma lei federal dos Estados Unidos da década de 1990 e que foi a primeira tentativa do Congresso norte-americano de regular conteúdo na internet.
Na prática, essa lei isenta plataformas digitais (como a redes sociais) de ação judicial ligada a conteúdo publicado por terceiros ou por suas decisões de removerem determinados conteúdos.
O ARGUMENTO CONTRA O GOOGLE. O argumento mais aprofundado apresentado por Eric Schnapper, advogado da família Gonzalez, é de que o algoritmo do Youtube e o conteúdo recomendado por ele não se enquadram na Seção 230 pois se configuram como "discurso" do próprio Youtube, e não de terceiros.
CONTRAPARTE BRASILEIRA. No Brasil, essa proteção a redes também é garantida pelo Marco Civil da Internet, que em seu art. 19 estabelece que plataformas poderão ser responsabilizadas apenas se não agirem contra conteúdo que for alvo de decisão judicial.
LÁ E CÁ. ➡️ De um lado, críticos dizem que a lei torna as plataformas imunes à responsabilização por danos ocasionados em seus espaços, sob sua tutela. ⬅️ De outro lado, alerta-se que, sem essa previsão legal, há o risco de moderação excessiva de conteúdo para evitar processos judiciais, o que implicaria em danos à liberdade de expressão.
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ATUALIZAÇÃO DA LEI. Fato é que, em 1996, quando a lei foi criada, a internet era um lugar muito diferente do que é hoje. O argumento mais moderado é de que é preciso atualizar a Section 230 (e o art. 19 do marco civil brasileiro) para dar conta da complexidade da internet hoje – como algoritmos, por exemplo.
No entanto, a sinalização dada pelos juízes da Suprema Corte no caso Gonzalez v. Google é de que o caminho proposto pela família pode ser extremo demais.
A advogada do Google, Lisa Blatt, concorda com a avaliação e diz que, sem a Seção 230, plataformas teriam duas opções: não remover nada e tornar a internet um lugar horrível ou remover tudo que pode ser alvo de ação judicial por alguém. Nenhuma das opções é boa.
Em seus questionamentos tanto ao Google quanto a Schnapper, os juízes propuseram situações hipotéticas para "testar o argumento". As respostas de ambas as partes não foram exatamente satisfatórias.
MEIO-TERMO. O debate na Suprema Corte, até agora pelo menos, tratou dos extremos: o deixa-tudo-no-ar ou tira-tudo-do-ar. Não se discutiu ainda um meio-termo que pudesse ser alcançado com a reforma da legislação pelo Congresso, por exemplo.
O que está acontecendo nos Estados Unidos (e que tem seus paralelos com o Brasil) sugere que, na ausência de uma atuação proativa e responsiva do Legislativo no campo da internet, tem restado ao Judiciário tomar decisões que podem ter um impacto estrondoso.
O problema é que, nem lá e nem cá, o Judiciário está adequadamente equipado e munido do entendimento sobre como funcionam questões delicadas das plataformas, como algoritmos.
No julgamento de terça-feira, a juíza Elena Kagan fez o plenário rir ao dizer que os juízes ali "não são exatamente os nove maiores especialistas em internet", comentário que faz sentido quando pensamos no Judiciário e no Congresso brasileiros.