Raio-X é uma editoria de análise crítica

Como o Threads pode ser benéfico ao Mastodon

Tem três coisas que o Mastodon precisa aprender com o Threads: ser mais fácil, menos sério e parar de tretar com outras redes
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Raio-x é uma editoria de análise crítica do Núcleo e contém opiniões

A melhor coisa do Threads, nova rede social da Meta, ainda é uma promessa: interoperabilidade com o ActivityPub, protocolo por baixo do Mastodon e de outras redes descentralizadas.

Em seu segundo post no Threads, Adam Mosseri, executivo da Meta responsável pelo Instagram, disse que “um número de complicações” impediu a empresa de oferecer compatibilidade total no lançamento. “Mas está a caminho”.

Mau começo, mas uma sinalização promissora.

Quando (se?) essa promessa se concretizar, será possível seguir e ler posts de gente no Threads a partir de servidores do Mastodon e vice-versa.

Além disso, se por qualquer motivo — moderação errática, algoritmo de recomendação ruim e excesso de anúncios são alguns que me ocorrem — alguém quiser trocar o Threads pelo Mastodon, poderá fazê-lo sem perder seguidores pelo caminho.

Se os pontos comuns entre Threads e Mastodon ainda não estão visíveis, as diferenças saltam aos olhos. E, talvez, possam servir de lição para o Mastodon e quem — a exemplo deste que lhe escreve — aposta nessa rede como a alternativa mais saudável dentre as que surgiram com a implosão do Twitter.

O “onboarding” do Threads, por exemplo, é dos mais simples. Graças à conexão com o Instagram, quem já tem conta lá só precisa baixar o app do Threads e dar um toque para começar a usá-lo.

Compare essa experiência com a que tentávamos explicar, sem sucesso, em novembro de 2022, na primeira onda de descontentamento com o Twitter, quando o Mastodon era a única alternativa já pronta.

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“O primeiro passo é escolher uma instância (servidor)”, dizíamos, como se isso fosse uma grande vantagem. É uma vantagem, mas uma que ninguém entende (“o que é uma instância?”) e, quando sim, não se importa (“por que preciso escolher uma?”).

O Bluesky, outra alternativa que promete descentralização, ainda não a tem. Essa “limitação”, que resulta na existência provisória de apenas um servidor (o dos criadores da rede), acabou se revelando uma grande vantagem.

Quando chegou a hora do Bluesky brilhar, as pessoas apenas foram. Digo, as que tinham um convite. Fora isso, zero atrito, nada de ter que “escolher um servidor”.

Os desenvolvedores do Mastodon tomaram nota.

No final de junho, o app oficial passou a cadastrar novos usuários automaticamente na mastodon.social, o servidor dos criadores do Mastodon.

Houve chiadeira entre os puristas, mas a verdade é que, em alguma medida, reduzir atritos é essencial. Isso ajuda a criar uma boa primeira impressão e reduz a confusão de quem está tentando se ambientar.

Pessoalmente, revi a minha pregação do Mastodon. Hoje, evito ao máximo falar de instâncias/servidores. Quer experimentar? Ótimo! Entre na mastodon.social, crie sua conta, siga umas pessoas. (Estou lá!) Depois a gente conversa sobre descentralização.

Tem outro aspecto em que o Mastodon, ou nós, que estamos no Mastodon, podemos melhorar: sejamos menos sérios!

Aqui, acho que o Threads, com o brief que os famosos receberam da Meta, escorrega no outro extremo. Todo aquele papo de POSITIVIDADE!!! é artificial demais e meio bobo. Ignoramos os Mions e Hucks falando essas groselhas e as marcas com piadas do tio do pavê porque o povo está sedento por um Twitter que não seja tóxico.

O Bluesky parece-me mais solto, mais convidativo. Com sua audiência minúscula (~260 mil usuários) em um servidor centralizado e acessível mediante convites, é mais fácil manter o controle. Talvez seja a minha timeline, mas proporcionalmente vejo mais coisas espirituosas ali do que em qualquer outro lugar.

A descentralização do Mastodon, em vigor há anos, enseja todo tipo de comunidade, o que às vezes acirra os ânimos e torna choques inevitáveis. O purismo, que prezo, muitas vezes passa do ponto.

Ainda há muito #fedidrama no Mastodon, de bloqueios entre servidores (o que interrompe conexões entre usuários) a obsessões que transformam hábitos saudáveis em chateações, como exigir que o Neil Gaiman parasse tudo que estava fazendo para descrever uma imagem que ele postou no meio de um protesto de rua.

Ou o “pacto anti-Meta”, que centenas de servidores do Mastodon assinaram se comprometendo a bloquear o Threads o quanto antes. Entendo o sentimento, mas acho a atitude meio boba. O modelo do Mastodon é pró-privacidade. Conversar com alguém do Threads não implicará em vender a alma (ou seus dados) ao Zuckerberg, como explicou Eugen Rochko, criador do Mastodon, em uma ótima (ainda que tardia) explicação.

“Timing” é importante e o Mastodon perdeu uma chance de ouro de ganhar musculatura lá atrás, quando Musk começou a despirocar e levar consigo o Twitter. Ainda assim, o Mastodon cresceu o bastante para ser algo que se sustenta sozinho. O problema é que ele poderia (pode!) ser muito mais.

Corre-se o risco de que o Threads esmague todo mundo com o peso (e a grana) da Meta, mas talvez não seja o caso. O app é caótico e a vibração das primeiras horas é… estranha. Meio Midsommar, sabe? Muita positividade fingida e gente dando “bom dia” para ganhar biscoito e fazer uns trocados com publi.

No Mastodon, pelo menos, a timeline é cronológica e não tem posts de famosos que você não segue.

Edição Sérgio Spagnuolo

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