Se você parar um minuto para pensar, ao contrário do que algumas pessoas nas redes sociais querem que você pense, não apenas Elon Musk não é o grande salvador da liberdade de expressão, como Alexandre de Moraes não é um anjo amado da Justiça.
SOBRE MUSK. A tentativa de Michael Shellenberger, responsável pelo Twitter Files Brazil, de puxar o saco de Musk é lastimável, especialmente porque ele se chama de "jornalista". Claramente é uma devoção de um funcionário em relação a seu chefe.
O alegado jornalista (que foi candidato ao governo da Califórnia) afirma que "Elon Musk é tudo que impede o totalitarismo". Claro, Michael, claro. Se o Brasil estivesse mesmo numa "ditadura" (não está, não por falta de tentativa do governo anterior), Musk não poderia fazer absolutamente nada. O X, plataforma da qual Musk é dono, inclusive, tem por volta de 20 milhões de perfis por aqui, o que não alcança nem 10% da população brasileira.
Musk está só jogando pra galera. No Brasil, por exemplo, apologia ao nazismo é crime (na Alemanha e na França também, por exemplo). Nos EUA, malucos podem carregar suásticas em seus braços pelas ruas e pedir a volta do terceiro Reich. São sistemas diferentes, com Constituições diferentes.
Vale notar que o Twitter assinou em 2022 (já depois que Musk tinha iniciado a compra da plataforma e depois de boa parte das conversas relatadas nos emails) um acordo com o TSE "com o objetivo de desenvolver ações para coibir ou neutralizar a disseminação de notícias falsas na rede".
Cadê a posição do Musk nessa época?
Sem contar que boa parte de antigos funcionários do Twitter que Musk diz defender agora foram demitidos em massa por ele.
Musk querer imprimir sua visão de liberdade de expressão no Brasil me parece mais autoritário do que os motivos pelos quais ele está perseguindo Moraes. Como quem diz "aceitem minha visão de mundo, brasileiros".
Esse tipo de exagero está sendo replicado entre muitos políticos brasileiros, vergonhosamente ávidos em colher as recompensas entre seus seguidores. Todo mundo sabe que é bom puxar saco de bilionários, há muitos benefícios associados a isso, inclusive ganho de popularidade com sua turma (Musk é um dos caras mais seguidos em todo o Twitter).
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SOBRE MORAES. Ao mesmo tempo, também tem uma turma (especialmente à esquerda política) que está muito aguerrida na defesa de Moraes – uma forçação de barra quase messiânica.
Primeiro, porque ele é um dos caras mais poderosos do país, ele não precisa do tuiteiro "@Fulano123" falando que autoriza ele a tomar decisões. Segundo porque é notório que, alguns anos atrás, quando foi indicado pelo ex-presidente Michel Temer para o STF, a esquerda ficou maluca, criticando o cara a cada oportunidade, para depois dar um 180º e virar best friends com ele.
Terceiro, e mais importante, porque há sim argumentos para contestações legais sobre decisões no âmbito do Inquérito das Milícias Digitais no STF, encabeçado por Moraes. A própria existência desse inquérito no Judiciário já é uma exceção do ponto de vista jurídico (quem investiga é a polícia ou o Ministério Público, não o Judiciário).
Como bem notou o professor Carlos Affonso Souza, ao longo do inquérito Moraes "suspendeu conta de partido por tempo indeterminado, bloqueou conta em rede social na qual o réu ainda não tinha falado nada".
Se ações enérgicas no limite da legalidade foram necessárias ou não para combater os avanços autoritários do bolsonarismo, a história dirá quando a poeira baixar mais, mas isso não exime o ministro de críticas, algo que muitas figuras da esquerda não mais fazem (ficaram confortáveis em tê-lo como aliado) – embora o lugar de fazer isso seja no próprio judiciário, e não via tweets.
E DAÍ TUDO ISSO? Essa treta aberta é irresistível para cobertura jornalística e para a memelândia das redes sociais. É quase fisicamente impossível para muitas pessoas não se posicionarem de um lado ou de outro, de montarem suas torcidas, especialmente quando estão politicamente alinhadas com um lado.
O episódio todo é uma grande ode a dois sujeitos que detém muito poder, e não haverá vencedores claros para tudo isso a não ser eles dois. Musk não vai deixar de ser o paladino da liberdade de expressão para seus apoiadores, e Moraes não vai deixar de ser o salvador da democracia para outros (e certamente não vai deixar de tomar decisões judiciais por causa dos tweets de Musk).
As coisas mudarão pouco, se é que vão mudar. Na caso de um bloqueio do X/Twitter no Brasil (não me pergunte se é provável ou não, só sei que é possível), a vida vai prosseguir do mesmo jeito tanto no Brasil quanto nos EUA, com a exceção de que os dois lados estarão ainda mais inflamados em suas convicções.