Google usou táticas desleais para dominar publicidade digital, segundo procuradores americanos

Trechos anteriormente sigilosos de ação judicial revelam estratégias questionáveis do Google. Empresa nega.
Google usou táticas desleais para dominar publicidade digital, segundo procuradores americanos
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O Google promoveu deliberadamente ações desleais para prejudicar rivais e consolidar e manter o domínio que tem no segmento de publicidade digital, de acordo com documentos revelados a mando da Justiça federal dos Estados Unidos na sexta-feira (22.out).

Os trechos, anteriormente sigilosos, constam na ação antitruste (PDF, em inglês) que procuradores do Texas e outros estados norte-americanos movem contra o Google por monopólio na publicidade digital e revelam que muitas das práticas “controversas” da empresa foram, na realidade, ações desleais deliberadas.


É importante porque...
  • Indica, na avaliação de autoridades norte-americanas, como o domínio do Google na publicidade online foi obtido e se sustenta com táticas desleais e, segundo os procuradores, ilegais.
  • Mostra que ao menos parte do discurso pró-privacidade do Google é fachada para objetivos bem menos nobres.

Disclaimer: o Google concedeu um financiamento de R$106.000 para o Núcleo em 2021, parte de um projeto de aceleração de startups de jornalismo. A empresa não possui qualquer influência sobre nossa linha editorial. Saiba mais em nossa página de transparência.


Um exemplo é o AMP, um projeto com recursos, regras e formatos (no jargão de desenvolvimento, um framework) para publicação encabeçado pelo Google com o intuito de "acelerar" a web.

Os novos trechos mostram que o AMP era, na realidade, uma defesa para o negócio de publicidade do Google. Por exemplo, o Google acrescentou um atraso artificial de 1 (um) segundo em anúncios veiculados em páginas não-AMP (sites normais) como parte de uma estratégia ampla para minar o header bidding, um padrão de leilão de espaços publicitários que sites podem usar para cotar preços em tempo real em várias redes de anúncios programáticos ao mesmo tempo, obtendo acordos e valores melhores.

O atraso artificial permitiu ao Google dizer, publicamente, que o header bidding com frequência aumentava a latência de sites e criava falhas de segurança quando executado incorretamente, tornando a sua solução de leilão centralizada (e sem rivais) mais atraente.

O header bidding começou a ser amplamente usado na metade da década. Em 2017, 70% dos sites com inventário (espaço para a veiculação de anúncios) nos EUA usavam o padrão.

Em público, o Google desdenhou o header bidding, mas nos bastidores definiu a técnica como uma “ameaça existencial” e agiu de acordo, com, segundo os procuradores, o emprego de diversos artifícios visando minar a viabilidade desse modelo, pressionar sites com inventário a desistirem dele e a consolidar seu monopólio controlando todas as etapas da compra e venda de anúncios digitais.

Em nota a jornais norte-americanos, o Google negou as acusações. O porta-voz Peter Schottenfels disse que “a ação está repleta de imprecisões e nossas taxas de tecnologia publicitária são, na realidade, menores que a média da indústria”.


Parceria com Facebook

O programa Jedi, que já havia sido exposto na primeira versão da ação, era a principal arma do Google para barrar exchanges rivais (empresas que recebem e distribuem anúncios programáticos) atacando o header bidding. O nome do programa é uma referência aos truques mentais de personagens do filme Star Wars. Funcionários do Google disseram, internamente, que o intuito era “fazer com que os sites com inventário tivessem a ideia de remover exchanges [rivais] por conta própria”.

Nesse contexto surgiu o Jedi Blue, acordo entre Google e Facebook, as duas maiores empresas de publicidade dos Estados Unidos. Concorrentes ferrenhos até então, a parceria aplacou a competição, que levava a preços mais baixos para os anunciantes.

“Internamente, o Google documentou que se não podia ‘evitar concorrência com a FAN [rede de publicidade do Facebook]’, então queria colaborar com o Facebook para ‘criar um fosso’”.

A analogia do fosso, que antigamente separava o castelo do mundo externo e servia de barreira contra invasores, é popular no mundo dos negócios. O fosso comumente se refere a um diferencial (estratégico, de produto, de qualquer natureza) tão grande que ninguém consegue competir com a empresa.

Pelo acordo, o Facebook tinha garantida uma “taxa de vitórias” nos leilões do Google. Esses espaços ganhos pelo Facebook eram usados para veicular anúncios em sua própria rede publicitária (FAN), usada por pequenos negócios que compram publicidade no Facebook.

“Alguns desses anunciantes sequer sabem que o Facebook entrega seus anúncios em sites e apps que não são do Facebook”, escreveram os procuradores.

A parceria também garantia trocas de informações sobre os usuários finais. Entre outras coisas, Google e Facebook trabalharam em conjunto para identificar usuários de produtos Apple.

Valeu o esforço

Todo o esforço do Google, aparentemente, compensou. Segundo o texto, o Google cobra taxas de anunciantes que variam de 22% a 42%, o que representa de duas a quatro vezes mais o que rivais cobram, e só consegue isso graças às estratégias de concorrência desleal empregadas e por dominar toda a cadeia da publicidade digital.

Um ex-funcionário sênior do Google disse, nos documentos revelados, que “é como se o [banco] Goldman Sacks ou Citybank fosse o dono da [bolsa de valores] NYSE”.

Executivos e funcionários do Google estavam plenamente cientes, segundo os documentos. Por exemplo, em uma conversa interna de 2016, executivos do Google comentaram que as redes de anúncios do Google fazem “MUITO dinheiro” com suas comissões e reconheceram que eles conseguem isso porque, em resumo, “nós podemos”.

“Publicações menores não têm fontes de receita alternativas”, explicou um funcionário do Google ao comentar a falta de redes de anúncios competitivas disponíveis aos seus clientes.

Privacidade

Os novos trechos também abordam prejuízos à privacidade dos usuários finais. Segundo os procuradores, o Google usa o Chrome e a privacidade como artifícios para criar um ecossistema fechado na internet aberta que o beneficia. “O Google usa ‘privacidade’ como pretexto para ocultar suas reais motivações.”

Uma estratégia desleal usada no navegador Chrome, por exemplo, foi condicionar o login em sites do Google (Gmail, YouTube) ao login no próprio navegador.

“Dessa forma, o Google pegava os usuários que optavam por não logar no Chrome e os logava mesmo assim.” Com o Chrome, o Google consegue monitorar/rastrear usuários sem precisar de cookies ou consentimento específico em múltiplas propriedades na web.

O Chrome é o navegador mais popular do mundo. Nos EUA, onde a ação antitruste dos procuradores foi ajuizada, o Chrome detém 60% do mercado. No Brasil, a fatia do Chrome é ainda maior: atualmente o navegador do Google é usado por 80,7% dos dispositivos conectados, segundo o StatCounter.

Os novos trechos também revelam tentativas do Google de coordenação com outras Big Tech, como Facebook e Microsoft, para barrar regulações relacionadas à privacidade. Um documento preparatório para uma reunião a portas fechadas com Facebook, Apple e Microsoft, em 6 de agosto de 2019, mostra que o Google se gabava dos seus feitos:

“Conseguimos, com sucesso, desacelerar e atrasar o processo [de regulação europeia ePrivacy] e temos trabalhado nos bastidores de perto com outras empresas”.

No mesmo documento, o Google dizia que buscava “áreas de alinhamento e lacunas em nossas posições e prioridades na privacidade e segurança infantil”, referindo-se à iniciativa da FTC (o Cade dos EUA) e a projetos de lei de senadores para regular a relação das Big Tech com crianças.


“O Google expressou preocupação especial de que a Microsoft estava levando a privacidade de crianças mais a sério que o Google e procurou colocar rédeas na Microsoft: ‘Nesta reunião ou em outro fórum, talvez queiramos reforça que essa é uma área de particular importância para se ter uma abordagem coordenada.’”

Além deste, Google responde a outros dois processos antitruste só nos Estados Unidos.

Com informações do Wall Street Journal (em inglês) e The Register (em inglês).

Reportagem Rodrigo Ghedin
Edição Sérgio Spagnuolo e Samira Menezes

Publicado em parceria com o Manual do Usuário

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