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Em 2021, a Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom) do governo federal pagou R$4,6 milhões
por publicidade no Facebook e no Instagram, mostra novo levantamento do Núcleo com base em 29 faturas emitidas pela empresa entre janeiro e dezembro de 2021.
A maior parte desse montante foi ocultada do Portal da Transparência, onde o valor de pagamentos e empenhos em favor do Facebook feitos pela Secom no período totaliza apenas R$286 mil
.
A diferença (R$4,3 milhões
) entre a cifra efetiva e os valores oficiais mostrados no Portal da Transparência ocorre porque legalmente agências publicitárias atuam como intermediárias da Secom. Desta forma, o dinheiro público passa por elas antes de chegar ao Facebook, o que oculta o detalhamento e a transparência dos gastos.
É IMPORTANTE PORQUE...
- Impulsionamento e publicidade em redes sociais é chave para o governo, especialmente em ano eleitoral
- Ocultar gastos do Portal da Transparência via gastos com terceiros é uma prática que, embora não seja ilegal, vai contra as melhores práticas de transparência pública
- Embora prática não seja exclusiva do governo atual, ela ainda assim continua acontecendo
A ocultação desses gastos não é ilegal e é até comum no mercado, mas escancara a falta de transparência na publicidade digital do governo, já que impede que o valor real seja consultado com transparência por cidadãos e órgãos de controle, uma vez que as notas fiscais estão disponíveis apenas no Sistema Eletrônico de Informações (SEI) do Ministério das Comunicações, cujo acesso é mais difícil e os dados não são agregados.
Em nota por email, a Secom diz que "não mantém contratos com terceiros, somente com agências de publicidade, sendo elas as destinatárias dos créditos, pagos por meio de Ordens Bancárias (OB), e encarregadas de efetuar os pagamentos aos veículos e fornecedores".
Questionada sobre por que as notas fiscais são emitidas tendo a Secom como tomadora de serviços, o órgão afirma que a escolha ocorre "por razões de natureza tributária".
"A Secom, na qualidade de substituta tributária, no ato do pagamento, realiza as retenções dos tributos. Se as notas fossem emitidas contra as agências, não haveria esta possibilidade. Por essa razão, nosso contrato prevê que as notas serão emitidas contra o cliente Secom", informou em nota.
O Facebook informou por email que: "Todos os anúncios que rodam na plataforma precisam estar em conformidade com as Políticas de Anúncios e com os Padrões da Comunidade... Além disso, anunciantes que desejem impulsionar conteúdos sobre política ou eleições devem passar por um processo de autorização, seus anúncios sobre esses temas devem receber um rótulo informando quem pagou pelo anúncio e ficam disponíveis por 7 anos na Biblioteca de Anúncios".
Esta é a terceira reportagem do Núcleo sobre gastos ocultos de grandes empresas de publicidade digital.
Em dez.2021, o Núcleo mostrou os gastos diretos do governo federal (ou seja, sem intermediação de agências) que constam no Portal da Transparência de Twitter, Facebook e Google.
Família e Forças Armadas
Em outubro do ano passado, em uma campanha de "prestação de contas" que custou R$614 mil
e gerou 64,3 milhões
de impressões no Facebook e no Instagram, a Secom escolheu atingir apenas “pessoas que correspondem” aos seguintes interesses:
- Mercado financeiro, serviço militar, finanças, finanças pessoais, faculdade, Exército, aprendizagem, Exército Brasileiro, educação, estudante, investimento, família, Forças Armadas, investor ou Força Aérea.
Das 29 faturas identificadas pelo Núcleo, esta é a de maior valor.
As opções de segmentação que o Facebook oferece aos anunciantes são o principal atrativo comercial da empresa, resultado do valor gerado a partir de preferências online e dados pessoais coletados dos usuários.
As informações sobre a segmentação escolhidas pela Secom constam em relatório produzido pelo Facebook e enviado à agência licitada Artplan, que presta serviços ao órgão público. Pelo documento, não é possível saber o conteúdo que foi veiculado, porém dois formatos publicitários são mencionados: o "carrossel" — um álbum de fotos — e vídeos de 15 segundos.
"Prestação de contas" foi a campanha que representou a maior parte dos gastos da Secom com o Facebook, incluindo a maior fatura da série mencionada acima. Em seguida, vêm anúncios de prevenção da Covid-19 (R$547 mil) e sobre a reforma tributária (R$529 mil).
Segundo relatórios do Facebook enviados à Artplan, a principal campanha de vacinação nas plataformas da empresa teve como motes "2021, o ano da vacinação", "vacinação é cuidar de todos" e "o Brasil vai prosperar", além de posts comemorando as marcas de 70 milhões e 100 milhões de brasileiros vacinados. A fatura sobre esta campanha, que aconteceu em junho do ano passado, é de R$115 mil
.
No mês em que a Secom promoveu a campanha no Facebook e no Instagram pela vacinação, reportagem do jornal O Estado de S. Paulo revelou que a CPI da Covid-19 no Senado Federal obtivera documentos do Itamaraty que apontavam indícios de corrupção na compra da vacina Covaxin.
Na mesma semana, o deputado Luis Miranda (DEM-DF) — que se tornaria um dos personagens marcantes da CPI — disse à Folha de S.Paulo que alertou o presidente Jair Bolsonaro (PL) sobre os indícios de irregularidades durante encontro no Palácio da Alvorada.
Pesquisas de popularidade divulgadas nas semanas seguintes indicaram queda na aprovação de Bolsonaro, que até hoje divulga desinformação contra a vacina e promove hesitação vacinal.
Veja algumas declarações de Bolsonaro checadas no Aos Fatos (basta procurar pela palavra "vacina").
Contexto sobre Notas Fiscais
A explicação dada pela Secom confirma o que o Núcleo apontou no caso em que o Twitter fez uma cobrança R$26.400
pelo impulsionamento de três tuítes do governo federal que promoviam o falso "tratamento precoce" alardeado por Bolsonaro, seus aliados políticos e seguidores, em janeiro de 2021.
Apesar de o impulsionamento ter custado R$26.400, segundo nota fiscal da empresa, o valor que aparece no Portal da Transparência referente ao serviço é de R$2.494,80
, o equivalente a 9,45%
do que foi realmente faturado pela rede social nesse caso.
Na prática, as duas empresas (a agência Calia Comunicação e o Twitter) emitiram notas fiscais pelo mesmo serviço, recolhendo impostos federais em duplicidade.
Desta forma, o valor pago ao Twitter pelo governo federal — e que aparece no Portal da Transparência — é o mesmo dos impostos que seriam recolhidos originalmente pela rede social, deixando a Calia Comunicação como única responsável pelos tributos referentes ao impulsionamento da campanha "cuidado precoce".
Como fizemos isso
A partir do Sistema Eletrônico de Informações (SEI) do Ministério das Comunicações (que ainda está sob o domínio do Ministério da Ciência e Tecnologia), buscamos todos os processos envolvendo pagamentos de publicidade que citassem a razão social "Facebook Serviços Online do Brasil Ltda".
Desta forma, tivemos acesso aos documentos (notas fiscais, memorandos, ofícios, despachos e registros de pagamentos). O passo seguinte foi estruturar essas informações e cruzá-las com dados do Portal da Transparência, que no campo de observação informa qual é a nota fiscal e o memorando referente a cada pagamento.
Assim, conseguimos identificar a discrepância entre os valores informados nas notas fiscais emitidas pelo Facebook e no site do governo federal.
As notas fiscais da apuração podem ser consultadas neste link.