No Roblox, games infantis se misturam com lógica de cassino

Crianças negociam dinheiro real e virtual na plataforma e em grupos de Facebook, muitas vezes sem conhecimento dos pais
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Roblox, um jogo lançado em 2006 para ensinar física, se tornou um ambiente de risco a ponto de ser chamado de cassino virtual para crianças.

Febre entre jovens, até grupos no Facebook dedicados ao game viraram alvo de críticas e fonte de preocupação para pais e mães. Por lá, jogadores vendem de roupas virtuais e papagaios de neon, enquanto mães buscam companhias online para seus filhos e desabafam sobre golpes e ataques hacker.

É comum ainda membros compartilharem imagens de seus recém-criados avatares, atrás de notas e avaliações para a estética dos bonecos (as chamadas "skins").


É importante porque...

Facebook tem centenas de grupos, públicos e privados, que reúnem usuários do Roblox, plataforma de jogos que atrai jovens e crianças com uma falsa promessa de enriquecimento

Crianças negociam muitas vezes por conta própria dinheiro virtual e real sem o conhecimento dos pais


O que rola nos grupos

  • "Ele se sente sozinho", apela uma postagem do começo de janeiro, em que uma mãe procura alguém entre 7 e 10 anos. Uma comunidade fechada com mais de 30 mil membros, a  ROBLOX BRASIL, dá um termômetro do público ao perguntar a idade aos aspirantes a ingressar. As opções vão de 7 a 14+ -embora esta repórter 30+ tenha conseguido um passe.

Para controlar a dinâmica, os grupos têm suas diretrizes, algumas bastante peculiares, como é de se esperar de comunidades nichadas de Facebook.

  • No Roblox br 2.0, criado em maio de 2020 e que reúne 7,2 mil membros, “discussões sérias não são toleradas” e é proibido pedir robux (a moeda virtual do jogo), “por que isso é muito chato”.
  • O ROBLOX BRASILEIRO, que soma 15,2 mil integrantes, proíbe expressamente a militância. “Aqui é um grupo de Roblox então deve falar apenas sobre conteúdos de roblox, e não grupo de lacração pra falar sobre homofobia, racismo, política etc.... fale isso no Twitter ou na Quebrando o Tabu”, expressam os administradores.
  • Roblox - Trocas 24h, com seus quase 15 mil integrantes, desaprova escrever "Haha" sem necessidade – é “considerado ofensa" e "sujeito a banimento”.  

Gastos e roubos

A preocupação das mães com o game, que foi criado para crianças, vai muito além da falta de companhia. Passa pelo gasto de quantias desproporcionais de dinheiro sem a anuência dos pais até a segurança dos filhos, que interagem com estranhos online.

Para além dos grupos de Facebook, os pequenos jogadores também se reúnem no Discord, no WhatAspp, ou no próprio chat da plataforma. Até a cantora Maria Rita foi ao Twitter perguntar qual era a do jogo, após a filha de 9 ter sido importunada dentro da plataforma.  

"Eu compro robux [moeda digital do jogo] conforme eles se comportam”, explicou ao Núcleo Daniela Dias, mãe de um menino de 12 e uma menina de 7.

Ela começou a frequentar os grupos de Facebook para ajudar a mais nova a encontrar uma parceria. “Agora por último fiz uma assinatura de 450 robux por mês por U$4,99. Caso não me obedeçam, eu cancelo a assinatura.”

Para Dias, o maior problema tem sido a menina querer jogar em excesso.

Brenda Valeiro, cuja filha também tem 7, se juntou a uma comunidade pelo mesmo motivo. "Eu entrei para ver se encontrava alguém que jogasse com ela, não tinha ninguém que fosse amigo para jogar junto”, diz.

Desde que passou a acompanhar os grupos, no entanto, começou a se preocupar com golpes. “Vejo muitas postagens de pessoas vendendo coisas do Roblox, nunca comprei nada. A maioria que vende nem é criança, são adultos. Vendem contas, vendem itens, vendem robux mais baratos.”


Como jogadores lucram – ou tentam

O Roblox foi criado em 2006 para ensinar conceitos de física a crianças, mas se popularizou quase uma década depois quando o Xbox passou a ser um de seus apoiadores.

O grande atrativo da plataforma na ocasião foi o fato de fornecer ferramentas que permitem aos usuários criarem mundos e jogos com regras próprias, um pouco aos moldes do Minecraft, usando uma linguagem de programação relativamente simples, a Lua – desenvolvida, aliás, por brasileiros da PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro). As redes sociais estão inundadas de anúncios de cursos de programação para crianças usando as técnicas do Roblox.

O Roblox, no entanto, lá em 2019 superou seu concorrente durante a pandemia: são hoje mais de 100 milhões de jogadores e 20 milhões de joguinhos disponibilizados que variam muito em grau de sofisticação, a depender de seu criador. Afinal, ele pode ser um programador profissional ou uma criança de 6 anos descobrindo esse universo.

O modelo de negócio se sustenta na prática comum entre jogos gratuitos: cobrar por coisas dentro da plataforma que fazem dela de fato interessante.

Há também a possibilidade de realizar uma assinatura por US$5, que traz benefícios mensais aos jogadores. Lá dentro, as transações financeiras são intermediadas pela moeda do jogo, o robux – quem paga uma assinatura tem direito a um salário mensal em robux.

A conversão do robux em dólar varia, já que há pacotes econômicos que aumentam seu valor. Com US$5 é possível comprar 400 robux, o que equivale a 80 moedas virtuais por dólar, mas há a opção de adquirir até 10 mil robux por US$100.

É daí também que vem um grande apelo aos usuários da plataforma: fazer algum dinheiro com ela. Para além de criar jogos do zero, é possível personalizar e vender camisetas, rostos e acesso a lugares.

Se a venda é realizada no interior da plataforma, o jogador fica com uma porcentagem do lucro (também em robux). Players mais ligeiros, porém, vendem os artefatos em troca de dinheiro de verdade nas redes sociais.

É o que faz Pablo Rodrigo, por exemplo, que chegou a somar até 800 robux em dois meses vendendo itens raros que conseguia no jogo e camisas de avatares. Mas nunca conseguiu converter a moeda para dólar. Hoje, oferece os produtos no Facebook e cobra o pagamento em real, via Pix.

Hanna Pulaski é outra jogadora que tira uma quantia considerável fazendo a venda fora da plataforma e cobrando em reais – criou inclusive uma loja virtual com o namorado.

"​​Temos um grupo voltado para o jogo que jogamos, divulgamos nosso trabalho por lá, sempre passando a imagem de segurança e que somos confiáveis, apenas um casal tentando fazer uma renda extra", conta ao Núcleo.

Os preços dos itens são calculados com base nos concorrentes, diz ela, e variam de R$3 a R$150.

Aprendizagem ou trabalho infantil

Foi um empreendimento que atraiu Luiz Santos, de 20 anos, a se tornar uma espécie de desenvolvedor da plataforma.

Eu estava me sentindo tão mal só ficando dentro de casa por conta da pandemia, que resolvi me aventurar no Roblox Studios
Luiz Santos

"A primeira coisa que construí foi o Teatro Luiz Santos, que hoje é meu empreendimento mais visitado. Já somamos mais de 8 mil visitas", conta ele, sobre o estabelecimento virtual de "inspirações diretas na Broadway e no Teatro Bradesco de São Paulo".

Luiz passou a receber robux pelas visitas em sua construção. Por um tempo, pausou o sonho do empreendedor online quando se mudou para um seminário no começo de 2021 pensando em ser padre, mas acabou voltando ao Roblox.

Hoje ele ganha em média uns 400 robux por mês.

Recentemente, abriu uma lojinha, a Claufford Club, e trabalha no desenvolvimento de produtos e lugares, o que também o ajuda a estudar técnicas de modelagem exigidas pela faculdade de design.

Mas críticos do modelo alegam que, na prática, o que a Roblox Corp. faz é terceirizar o desenvolvimento dos games para os jogadores, lucrando assim em cima de um trabalho feito sem remuneração real.

Segundo eles, a empresa atrai os jovens com uma falsa promessa de enriquecimento. Nas redes sociais também surgem anúncios de cursos de programação para crianças, usando as técnicas do jogo.

Uma investigação feita pelo canal de YouTube People Make Games alegou que o Roblox está criando um exército de desenvolvedores mirins não remunerados, já que chegar ao nível em que o trabalho de fato traz retornos é um caminho tortuoso.

  • Primeiro, porque o Roblox fica com 30% de todas as transações realizadas ali.
  • Segundo, porque para que um jogo recém-criado por um usuário apareça na página principal da plataforma é necessário que já tenha milhares de jogadores – apenas os mais populares são destacados. Se você não é um influencer com capacidade de autopromoção, resta pagar ao próprio Roblox pela publicidade por meio do seu sistema controverso de ofertas.
  • Por fim, porque para sacar a moeda virtual e convertê-la em moeda real é necessário um mínimo de 100 mil robux, uma quantia praticamente inalcançável. E para fazer isso é também necessário pagar a conta premium do Roblox.

Não à toa, o jovem brasileiro recorre aos grupos de Facebook e ao PIX para tirar alguma vantagem financeira dessa brincadeira.

Como fizemos isso

A reportagem entrou em grupos de Facebook que fazem referência ao Roblox e acompanhou as trocas de mensagem ao longo de duas semanas. Também tentou contato, via rede social, com dezenas de participantes, conseguindo conversar com alguns deles sobre suas experiências. A repórter ainda fez uma conta no Roblox para entender o universo dos games, mas não chegou a gastar, muito menos ganhar dinheiro com isso.

Texto Beatriz Montesanti
Edição Samira Menezes e Alexandre Orrico

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