Steve Bannon e aliados de Donald Trump comemoram “Capitólio brasileiro”

Influenciadores da extrema direita dos EUA mentem sobre fraude para justificar invasões e falam em “guerra civil”
Steve Bannon e aliados de Donald Trump comemoram “Capitólio brasileiro”
Arte: Rodolfo Almeida
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Reportagem Laura Scofield

Essa reportagem foi originalmente publicada pela Agência Pública e faz parte do Sentinela Eleitoral, projeto que investiga e analisa as redes de manipulação do debate público (fake news) nas eleições em parceria com o Berkman Klein Center for Internet & Society da Universidade de Harvard.


O estrategista de extrema direita americano Steve Bannon e outros nomes influentes nos Estados Unidos comentaram e comemoraram a invasão do Congresso, do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Palácio da Alvorada por bolsonaristas insatisfeitos com os resultados das eleições, no domingo (8.jan23). Para isso, continuaram espalhando fake news sobre fraude nas urnas eletrônicas.

“Lula roubou as eleições. Os brasileiros sabem disso” disse Bannon na rede de extrema direita Gettr, ao compartilhar um texto creditado ao site Drudge Report, que diz que brasileiros copiaram o MAGA [movimento Make America Great Again], de Trump. Bannon, que foi ex-estrategista chefe de Donald Trump quando estava no governo, fez ao menos outros 10 posts na rede, a maior parte com a legenda já citada.

Publicação de Bannon na rede social Gettr repercutindo o “Capitólio brasileiro”/Reprodução

Mas ele foi além, e dedicou boa parte do seu podcast diário, War Room, ao tema. O primeiro segmento do War Room de hoje (09), segunda-feira, abordou as invasões no Brasil e contou com comentários de Matthew Tyrmand, que fez críticas ao Judiciário brasileiro e disse que as manifestações bolsonaristas levaram “milhões” de brasileiros às ruas, sem apresentar em quais dados está se baseando — estimativas de jornais falam em milhares de pessoas.

Tyrmand é convidado frequente no podcast War Room, de Bannon, e é membro do conselho do Projeto Veritas, uma organização conservadora que usa câmeras secretas para intimidar e expor jornalistas.

Ele reiterou a postura de Jair Bolsonaro, que tentou se desvencilhar dos protestos em um tuíte na noite de ontem.

“Isso não tem nada a ver com Bolsonaro, são civis falando ‘nossas eleições foram roubadas’”, adicionou Bannon. 22 mil pessoas acompanhavam o programa ao vivo no momento, por volta das 12h no horário de Brasília.

Os protestos terminaram em destruição de prédios e patrimônios públicos internacionalmente reconhecidos, como obras de artes. Até então, cerca de 1500 pessoas foram presas. Na noite de ontem, o ministro Alexandre de Moraes afastou por 90 dias o governador do Distrito Federal (DF), Ibaneis Rocha (MDB), a pedido da Advocacia Geral da União (AGU). A decisão do ministro citou possível descaso e conivência do governo do Distrito Federal com a organização dos atos golpistas.

“Comunismo Chinês”

Tyrmand também repetiu argumentos sobre uma suposta relação entre o atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e o Partido Comunista Chinês. A Pública analisou todos os episódios do War Room que citaram o Brasil em um ano, entre 2021 e 2022, e identificou que a tentativa de ligar a esquerda latinoamericana à China é uma das narrativas mais frequentes no podcast, seja na voz de Bannon ou nas de seus convidados.

De acordo com Tyrmand, o cargo recém assumido “dá a Lula o poder de fazer o superestado latinoamericano com o qual ele sonha”. Por fim, citou ainda a prisão do cacique Tserere Xavante por ter cometido atos antidemocráticos como uma prova de que os povos originários como um todo estariam contestando as eleições, o que é mentira.

“Lula, se você quer resolver todos os problemas é só pegar o relatório elaborado pelos militares, fazer as auditorias e mostrar para os brasileiros, é só fazer isso”, disse Bannon, insistindo na narrativa de fraude eleitoral e omitindo que o relatório não apontou nenhuma prova de que a mesma teria ocorrido.

Tanto Tyrmand quanto Bannon foram ativos nas redes e fizeram vários comentários sobre os atos do domingo.

“Oi, @alexandre [Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)], está sentindo falta de algo? Aparentemente o Brasil não gosta quando gângsters em togas soltam outro mafioso de volta à sociedade para roubar a democracia que tanto lutaram para garantir. As pessoas não votaram por sua tirania judicial. Agora eles estão indo atrás de você e você deve fazer as coisas certas”, escreveu Matthew Tyrmand no Twitter ao compartilhar imagens e vídeos que mostram o STF sendo invadido por bolsonaristas.

No Twitter, disse ainda que os atos representam o começo de uma “guerra civil”: “O Brasil não aceita a legitimidade do golpe tecnocrata e eleição roubada de Lula. A guerra civil começa”, tuitou na tarde de ontem.

Após os atos, ele mudou sua foto de capa no Twitter para uma que mostra os brasileiros em cima do prédio do Congresso.

Publicação de Tyrmand no Twitter endossa atos golpistas do último domingo (8)/Reprodução

Os posts e falas em apoio aos atos violentos não são novidade. Há meses Bannon e Tyrmand propagam informações mentirosas sobre as eleições brasileiras, em inglês, para um público internacional. Após o resultado do 1º turno das eleições, eles disseram que o pleito havia sido fraudado e fizeram críticas ao STF e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), insinuando que eles teriam atuado para que Luiz Inácio Lula da Silva (PT), atual presidente, vencesse as eleições no último ano.

Porém, diversas organizações nacionais e internacionais, como o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Organização dos Estados Americanos (OEA) garantiram que as eleições foram transparentes e seguras.

Bannon afirmou em um de seus programas estar aconselhando Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho 02 do ex-presidente e deputado federal. Eduardo viaja com frequência aos Estados Unidos e já fez ao menos 77 reuniões com representantes da extrema direita no país, como revelou matéria da Pública.

Já Tyrmand esteve no Brasil para o CPAC [Conferência de Ação Política Conservadora] de 2021 e se encontrou com Jair Bolsonaro. Ele e Jason Miller, fundador da Gettr, foram presos e interrogados pela Polícia Federal na época.

“Brazilian Spring”

Foi Bannon quem inventou o termo “primavera brasileira”, usado para nomear os protestos antidemocráticos em frente aos quartéis que ocorrem desde novembro, como antecipou a Pública e confirmou o Washington Post em entrevista com ele. O termo foi utilizado junto a tuítes que chamavam para a “festa da Selma”, codinome utilizado pelos bolsonaristas para popularizar os atos de ontem sem que fossem identificados, como revelou a Pública.

Desde o dia 1º deste ano, 4.864 tuítes foram feitos com a hashtag #Brazilian Spring, em línguas como inglês, português e espanhol. A maior parte deles data do dia de ontem, quando ocorreram as invasões: 2.362, o que significa mais de 48% do total.

“Esta é a capital do Brasil, Brasília, hoje, 8 de janeiro. Nós, o povo brasileiro, não vamos mais aceitar uma eleição fraudulenta e um Supremo Tribunal progressista e ativista. #PrimaveraBrasileira”, afirmou em inglês o conteúdo mais retuitado com o termo no dia 8 de janeiro.

Publicado pela conta @PPReacaFla2, que tem 15,6 mil seguidores, o tuíte citou os perfis de Matthew Tyrmand, Tucker Carlson, apresentador conservador da Fox News, e Walid Phares, comentarista político de direita que trabalhou para a campanha de Trump em 2016. O conteúdo teve 45,9 mil visualizações, 142 retuítes e 345 curtidas.

Bannon quem inventou o termo “primavera brasileira”, usado para nomear os protestos antidemocráticos no Brasil/Reprodução

Além de ter feito e republicado diversos tuítes sobre a invasão de ontem, Matthew Tyrmand também participou de um Spaces —  sala de áudio no Twitter — para debater os atos, junto a Allan dos Santos, blogueiro bolsonarista que se encontra foragido da Justiça nos Estados Unidos.

Em uma de suas falas, Tyrmand novamente criticou o Judiciário brasileiro —  “tudo o que está acontecendo são os piores procedimentos de uma República das Bananas que já vimos”, afirmou.

Disse ainda que as manifestações bolsonaristas desde o fim do 2º turno juntaram “milhões” de pessoas e seriam a “maior manifestação em um país democrático na história da humanidade pelo menos desde o fim da União Soviética”. De acordo com ele, a natureza dos atos bolsonaristas é “pacífica”, e os atos de ontem só ocorreram porque as pessoas sentiram “que perderiam sua democracia”.

Já Santos argumentou que os protestos que querem Bolsonaro no poder apesar da decisão popular “não são de uma visão política específica”. Quando questionado sobre se haveria financiamento aos atos e quem estaria pagando pela viagem dos manifestantes, ele disse que “não é caro, não no Brasil, é só comprar passagem de ônibus”.

O organizador do Spaces foi Mario Nawfal, que se descreve no Twitter como um empreendedor de investimento. Logo ao princípio do programa, ele comparou a invasão aos prédios públicos em Brasília à invasão no Capitólio: “o Brasil fez seu próprio dia 6 de janeiro”, afirmou.

Foi Nawfal quem sugeriu que Matthew Tyrmand fosse convidado e o apresentou como “a maior voz sobre isso”.

O Spaces, que também teve a presença de pessoas contrárias às argumentações de Tyrmand e Santos, durou mais de 5 horas e teve cerca de 190 mil views, chegando a apresentar 8,3 mil pessoas ao vivo simultaneamente.

A parlamentar Bia Kicis (PL-DF) e o economista Eduardo Cavendish estiveram entre os brasileiros que acompanharam partes da discussão.

Sites de notícias

Sites de notícias e opiniões de extrema direita estadunidense também repercutiram o tema e tiveram seus textos compartilhados por influenciadores.

Um deles foi o Breitbart News, fundado em 2007 por Andrew Breitbart e que teve Bannon como editor, conhecido por publicar informações falsas e teorias de conspiração.

O site descreveu os acontecimentos do dia a partir da versão bolsonarista, e afirmou, por exemplo, que os manifestantes buscam uma “intervenção federal”, não um golpe de Estado, e que pode ter havido fraude nas eleições, o que é falso. Também acrescentou que o Supremo Tribunal Federal é um “alvo de ódio” dos bolsonaristas brasileiros por estar usando seus “poderes de censura” contra eles. Ao utilizar informações do jornal O Globo, o Breitbart o descreveu como “de esquerda”.

Outro exemplo foi o The Gateway Pundit, que também repercutiu os atos e disse que eles teriam juntado entre dezenas de milhares a milhões de pessoas. O site também é conhecido por publicar informações falsas e teorias de conspiração.

O site canadense The Post Millennial, de orientação conservadora, também publicou sobre as invasões aos prédios públicos brasileiros. O texto foi compartilhado no Twitter por Charlie Kirk, CEO do Turning Point USA – evento anual para a juventude de direita que recebeu Eduardo Bolsonaro como palestrante em junho deste ano –  e por Jack Posobiec, comentarista frequente no War Room, editor sênior do site conservador Human Events, e responsável por divulgar teorias da conspiração.

Charlie Kirk, CEO do Turning Point, repercutiu atos golpistas/Reprodução

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