Receba nossas newsletters
É de graça. Só tem coisa fina, você vai curtir!
O deputado federal Célio Studart (PSD-CE) patrocina, com dinheiro público, posts com fotos sem camisa direcionados a mulheres jovens no Instagram, aponta levantamento do Núcleo feito na página do político na Biblioteca de Anúncios da Meta. A principal bandeira do advogado de 36 anos é a defesa da causa animal.
Só entre fev.2024 e mar.2024, o deputado impulsionou por volta de R$ 2,3 mil na promoção de oito anúncios que não tinham mensagens políticas ou atividades parlamentares, mas traziam selfies dele na academia ou no carnaval.
Um público-alvo de mulheres entre 18 e 24 anos viu as imagens mais de 250 mil vezes.
Essas publis ainda não foram pagas pelos cofres públicos, mas Studart pode ser ressarcido pelo custo, se quiser. A Câmara indeniza deputados por gastos com "divulgação da atividade parlamentar". Foi o que ele fez ao longo de 2023, quando usou a cota de gabinete – dinheiro público – para financiar anúncios semelhantes.
É ✷ importante ✷ porque...
Deputado segmenta suas selfies sem camisa para atingir mulheres entre 18 e 24 anos; em alguns casos, elas sequer são potenciais eleitoras cearenses, e sim de Brasília
Ao longo de 2023, o deputado gastou até R$ 5,5 mil de cota parlamentar, ou seja, dinheiro público, para mostrar suas selfies biscoiteiras a mulheres jovens
A estratégia de Studart destoa da de outros deputados que também defendem a causa animal, mas não excluem homens da segmentação nem limitam o alcance a mulheres mais velhas
O que é "biscoitar"?
Gíria usada para descrever posts publicados nas redes com o propósito de chamar atenção, massagear egos ou receber elogios. O conceito serve para descrever desde uma foto apelativa postada no Instagram até um texto de autopromoção no LinkedIn. Trata-se de um ato puro de vaidade muito particular do mundo digital. Quem biscoita, biscoiteiro é.
No ano passado, Studart foi o quinto deputado que mais gastou com redes, R$ 50 mil só no Insta. No total, até R$ 5,5 mil desse valor pode ter ido para 14 anúncios biscoiteiros, por volta de 11% do investimento total.
Em um anúncio de abr.2023 que usou a cota, por exemplo, o deputado exibia sem camisa sua tatuagem no braço, da silhueta de um cão. "Alguns tatuam nome de namorada ou namorado. Eu prefiro apostar em um amor que sei que é incondicional! Os anjos!", diz a legenda, em referência aos animais.
Procurado pelo Núcleo, o gabinete do parlamentar justificou que "as métricas das redes sociais do deputado mostram que o público feminino é majoritário, tanto no que diz respeito aos seguidores como também no engajamento das publicações". Por isso, a segmentação para mulheres seria "natural", disse.
Deputados têm direito a uma cota de gabinete para gastos com passagens aéreas, aluguéis, alimentação, entre outros. Um desses gastos se destina à "divulgação da atividade parlamentar", que serve para o deputado prestar contas sobre seu trabalho à população em geral e aos eleitores. A verba varia de estado para estado, mas deputados cearenses têm direito a R$ 48 mil mensais de cota.
MULHERES SIM, HOMENS NÃO. Sobre o direcionamento para mulheres jovens, a equipe do parlamentar justificou que "há várias outras segmentações usadas nos impulsionamentos que vão além da questão de gênero". No total, Studart tem 689 mil seguidores no Instagram.
A biblioteca de anúncios da Meta, no entanto, mostra que o público feminino foi o alvo de 87,5%
das publis do político em 2024. Já homens, nenhuma vez. Os 12,5%
restantes se referem a direcionamentos selecionados para "todos", ou seja, qualquer gênero, o que pode ou não incluir o público masculino.
Além disso, mais de 95%
dos anúncios do deputado foram marcados para atingir mulheres entre 18 e 24 anos, enquanto menos da metade deles visa o público feminino acima dos 45. "Mulheres mais novas costumam se envolver mais com conteúdos que têm algum apelo pessoal", explica o jornalista Felipe Murta, analista digital que assessora campanhas políticas.
Já para mulheres mais velhas, o melhor conteúdo costuma ser mais denso e menos pessoal, diz o jornalista. Ele, no entanto, não vê justificativa para que eleitoras jovens precisem ver selfies ou fotos do político sem camisa."É um mal uso do dinheiro dele", diz. "Isso cria uma fragilidade política ímpar".
Não à toa quando a publi de Studart é sobre política, como um projeto aprovado ou algum pleito, o público de mulheres jovens deixa de ser prioridade nos resultados de direcionamento da página, que passa a alcançar aquelas com mais de 35 anos.
FOCO EM BRASÍLIA
Os anúncios de Studart preferem as jovens de Brasília, sede da Câmara dos Deputados, às cearenses, as suas eleitoras. Em nota ao Núcleo, o gabinete do deputado justificou o interesse no Distrito Federal afirmando que "o público que acompanha o perfil não é apenas do Ceará, mas de várias regiões do país".
* Importante pontuar que gastos com impulsionamento de conteúdos em redes sociais são uma prerrogativa dos mandatos e integram a CEAP, a Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar (CEAP). Impulsionamentos são uma ferramenta estratégica e moderna de comunicação, fazendo com que informações cheguem, de fato, ao público e ao eleitor, aumentando o alcance das publicações e permitindo segmentação, maior engajamento e prestação de contas das atividades desenvolvidas. A grande maioria das postagens tem relação com bandeiras do mandato. O público que acompanha o perfil não é apenas do Ceará, mas de várias regiões do país.
* A CEAP funciona sob a lógica de ressarcimento de gastos. Isso explica a diferença entre os valores da biblioteca de anúncios da Meta e os dados abertos da Câmara.
* As métricas das redes sociais do deputado mostram que o público feminino é majoritário, tanto no que diz respeito aos seguidores como também no engajamento das publicações. Tendo como base essa constatação, é natural que a segmentação seja direcionada a este público. Há também várias outras segmentações usadas nos impulsionamentos que vão além da questão do gênero.
* Imagens de inteligência artificial sobre animais são provenientes de várias fontes, e não necessariamente geradas pelo mandato usando ferramentas de IA.
* De acordo com as regras da Câmara, as despesas da Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar funcionam no formato de reembolso, seja na divulgação de atividade parlamentar, seja nas demais despesas previstas na CEAP, como locação de veículos ou de imóveis, por exemplo. Nas despesas cobertas pela CEAP os parlamentares quitam primeiro e pedem reembolso posteriormente.
Só em 2024, quase 57%
das publis de Studart incluíram segmentações para jovens brasilienses, enquanto as cearenses foram alvo de 46%
desses gastos, segundo a biblioteca de anúncios da Meta. O gabinete não explicou detalhes do porquê.
Até o momento, o político gastou quase R$ 20 mil
em anúncios na plataforma neste ano, mas só R$ 6 mil foram descontados do montante de sua cota parlamentar. O valor ressarcido é referente a publis de janeiro e não cobriu as biscoitagens de fevereiro e março.
"Todo parlamentar deveria usar o impulsionamento para dar luz ao seu trabalho, sendo responsivo a quem ele representa", avalia Murta. "O problema é entender onde está o accountability numa publicação sem camisa lavando roupa", diz.
ESTRATÉGIA INCOMUM. A reportagem comparou a estratégia digital de Studart com a de outros dois deputados federais que também defendem os direitos dos animais.
Ainda que mulheres sejam o público preferencial da causa, ambos os políticos balanceavam suas publis entre as faixas etárias e nenhum excluía homens de seu público-alvo.
"A leitura que eu faço é que talvez ele não tenha tanta coisa para apresentar", avalia Murta. "Então, quando ele fala de defesa dos animais, deixa o conteúdo profissional-político para as mulheres mais velhas, e as biscoitagens para as mais novas, que é onde ele vê que o conteúdo pessoal dele tem mais entrada", considera.
Ao Núcleo, o gabinete de Studart justificou que "a grande maioria das postagens tem relação com bandeiras do mandato".
PODE VIRAR PREFEITO. Hoje, Studart é um dos potenciais candidatos do PSD à prefeitura de Fortaleza, ainda que muitas das publis do deputado estejam de olho em Brasília.
Nos últimos meses, o deputado esteve em um vai-e-vem entre a Câmara Federal e a Secretaria de Proteção Animal do Estado do Ceará. Em mar.2024, por exemplo, ele assumiu a pasta e ficou só duas semanas no cargo. Ao longo de 2023, ele foi secretário entre ago.2023 e nov.2023.
Como fizemos isso
Usamos a Biblioteca de Anúncios da Meta para verificar visualmente as publis publicadas pelo deputado federal e, após constatarmos que havia imagens dele sem camisa, abrimos os dados de segmentação desses anúncios, disponíveis na plataforma para todos os anúncios categorizados como políticos.
A partir daí, a reportagem planilhou esses anúncios e fez a contagem de dados como data, quantidade de impressões, público segmentado e afins. Para fins de comparação, selecionamos uma amostra aleatória de publis mais tradicionais, com cunho político claro, para identificar eventuais diferenças entre os direcionamentos utilizados.
Por fim, para considerar uma foto biscoiteira ou não, as imagens deveriam cumprir três critérios:
- Não há menção à atuação parlamentar (sobre um projeto de lei, um debate público) na legenda da foto ou em sua imagem, ainda que os gastos via cota de gabinete sejam para "divulgação da atividade parlamentar";
- Sozinho na foto, a imagem é feita para valorizar a aparência física do deputado, seja ele estando sem camisa ou não, com um filtro que realça a cor de seus olhos ou deixa sua pele mais lisa. Por exemplo, um anúncio com uma foto dele pensativo e a legenda "14 de abril – Dia Mundial do Café. Quem ama?"
- A imagem valoriza a relação do deputado com animais, sem incluir nela conteúdo político. Por exemplo, uma foto onde Studart abraça um cão e a legenda é: "Fazendo amizades… Não tem jeito… onde tiver um vira lata caramelo a gente quer tirar uma foto! ❤️😅". Fotos semelhantes que fazem parte de campanhas de adoção ou resgate não foram consideradas biscoitagem, ainda que pareçam.
Reportagem Pedro Nakamura
Arte Rodolfo Almeida
Edição Alexandre Orrico
Esclarecimentos de deputados citados
Deputados que queiram enviar algum comentário sobre o levantamento de gastos com divulgação podem escrever pra [email protected]
Posicionamento enviado pela equipe da deputada Tabata Amaral: A deputada Tabata Amaral não gastou um centavo de dinheiro da Câmara dos Deputados com impulsionamento nas redes sociais. O gasto com o Google, conforme consta no próprio sistema da Câmara, é referente à conta institucional de e-mail e armazenamento em nuvem.