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Como se não fosse o bastante entulhar tudo quanto é página de notícia com os anúncios venenosos do Taboola, todo santo dia passa na timeline algum post com título turbinado, em busca de cliques e engajamento, mesmo que isso sacrifique a informação.
Na semana passada pipocou em tudo quanto é lugar que um estudo da NASA supostamente dizia que o Brasil estará inabitável em 50 anos. Mas foi uma "barrigada" geral: a notícia é desinformativa e o estudo é antigo e foi distorcido.
Saiu em tudo que é lugar, e a lista de lugares que replicaram o conteúdo caça-cliques é imensa.
O título é sedutor demais para não ser cozido e publicado por dezenas de lugares diferentes, o que não teria acontecido se alguém tivesse lido o estudo em questão ou se houvesse processos de apuração um palito mais rigorosos.
Sobrou para os divulgadores científicos o trabalho de informar e debunkar as dezenas de publicações que se espalharam pela internet que nem fotocópias.
Karina Lima, geógrafa e estudante de física e climatologia, fez um fio explicando alguns do exageros nos textos: o estudo é de 2020 e o Brasil sequer é citado nele.
Nosso país é citado em um texto no site da NASA, que comenta o estudo de 2020. Mesmo assim, apenas como região suscetível a eventos climáticos no futuro. O texto não fala nada sobre habitabilidade.
O biólogo Hugo Fernandes reforça lá no Instagram: não há uma única linha no artigo original que fale sobre o Brasil ser inabitável em 50 anos.
ORIGEM DO CAOS. Pesquisando um pouco dá para a achar o primeiro lugar a requentar o documento e fazer essa salada azeda de informações: o jornal colombiano El Tiempo, com o sugestivo título de Los lugares que serán inhabitables desde 2050, según la NASA. A partir daí, O Globo fisgou a isca com vontade e reproduziu a informação.
Quem resolve pesquisar hoje no Google pelo assunto cai numa grande roleta russa, já que a grande maioria dos veículos não removeu ou corrigiu o conteúdo falso.
TIRO NO PÉ. Não é à toa que o brasileiro não está feliz com o que encontra nos veículos de mídia (e não importa a orientação política). Segundo dados do Digital News Report 2024, aqui no país houve um aumento do ano passado para cá de leitores que ativamente evitam notícias. De 41%
em 2023 para 47%
em 2024.
É a famosa crise de confiança no jornalismo, que chegou há anos e que muitos jornalistas e executivos do setor parecem não estar preocupados em resolver.
Muito se fala sobre futuro do jornalismo em congressos, simpósios e mesas de bar, mas sinto que palestras e papos sobre monetização do exagero e onipresença do Taboola ainda são pouco debatidos.
O problema também vai além de errar e reconhecer erros – isso acontece com todo mundo. Mas o fracasso nesse caso não se baseia em uma apuração errada de um jornalista, em uma só redação, e sim do embalo de muitas redações em torno de uma informação objetivamente errada, motivadas pelo "hack" de algoritmos de SEO e de redes sociais, brigando pelos centavos que o Google oferece em anúncios ou pelo suado like no X ou no Instagram.
De toda forma, dá para acreditar que, hoje, boa parte das notícias sobre o Brasil estar inabitável em 2070 seguem no ar e gerando dinheiro para as organizações com anúncios como os daqui debaixo? (O pior é que dá sim).
No Núcleo, nós recentemente abolimos o cozido. Tudo o que produzimos têm apuração própria e checada, e o que vimos de legal em outros lugares preferimos indicar o link direto em nossa newsletter de recomendações chamada Mosaico.
Se publicamos algo errado, corrigimos assim que possível e colocamos um aviso na matéria. Gostamos de audiência, mas aqui a informação tem prioridade e nosso norte é o impacto que produzimos por uma internet melhor.
Texto Alexandre Orrico
Arte Aleksandra Ramos
Edição Sérgio Spagnuolo
⚠️ Texto atualizado às 14h21 de 30.jul.2024 para incluir legenda em print sobre Globo e G1. Durante a edição do artigo, a legenda foi suprimida por engano.