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Acordos feitos entre Meta e empresas de telecomunicação ao redor do mundo para oferecer o Facebook sem custo adicional, no formato conhecido como zero-rating, preveniram o nascimento da internet aberta em muitos países, avaliou a ex-executiva da área de Integridade Cívica do Facebook Frances Haugen em entrevista ao Núcleo nesta segunda-feira (04.jul.2022).
"O Facebook roubou – eles fizeram escolhas intencionais para prevenir a internet aberta de nascer em muitos, muitos países ao redor do mundo porque eles optaram pelo zero-rating", disse Haugen. "E isso é profundamente errado".
"A razão pela qual o Facebook fez isso é porque eles tinham medo que algo como o TikTok surgisse. Eles tinham medo que o Brasil, por exemplo, pudesse inventar a próxima rede social", explicou a ex-gerente de produtos de Integridade Cívica da Meta e responsável por trazer à tona os documentos que integram os Facebook Papers.
O que é zero-rating? Empresas de telecomunicações, como provedoras de telefonia ou internet, oferecem a consumidores planos que permitem o uso de certos serviços e aplicações sem que isso seja descontado da franquia de dados. Esses planos geralmente resultam de negociações entre empresas de tecnologia que desenvolvem aplicações –as big techs– e as provedoras.
Na avaliação de Haugen, é a internet aberta que permite que pessoas se unam e desenvolvam soluções juntas, algo que foi roubado de sociedades ao redor do mundo pelo Facebook no momento em que decidiu oferecer sua plataforma como zero-rating.
Como exemplo do que acontece em países onde o FB não pôde se consolidar por meio desses acordos, Haugen aponta para a China, país de origem do TikTok, hoje um dos principais concorrentes da Meta e que tem tirado o sono de Mark Zuckerberg.
Políticas de zero-rating não são por si só ruins. Em países onde a penetração de internet ainda é baixa – no Brasil essa figura fica em torno de 75% – oferecer acesso a redes sociais livre de custos adicionais é uma das maneiras de, no mínimo, conectar pessoas umas às outras.
O problema está nos serviços que são oferecidos como zero-rating. No Brasil, os pacotes costumam incluir, via de regra, as plataformas da Meta como WhatsApp, Facebook e Instagram e algumas operadoras também oferecem Twitter, TikTok e Waze.
Com isso, do ponto de vista de combate à desinformação, o zero-rating é um enorme desafio, já que um usuário pode ter contato com o conteúdo desinformativo na rede social, mas pode não ter internet para fazer uma simples busca de Google para averiguar a veracidade do conteúdo. A prática também é condenável sob a ótica de neutralidade da rede, princípio que estabelece que nenhum serviço de internet deve ser discriminado ou privilegiado.
Para Haugen, é sim possível pensar em zero-rating, mas em um modelo que não seja dominado pelo Facebook. "Nós deveríamos exigir outros caminhos adiantes que não esse em que o Facebook continue a matar a internet aberta e gratuita nos lugares mais frágeis do mundo", disse a executiva.
"Imagine um mundo onde o Google, Netflix, TikTok e Facebook se unissem e dissessem: 'nós vamos todos colocar um pouquinho de dinheiro'. Isso poderia ser equivalente ao orçamento que o Facebook tem atualmente para zero-rating. E é assim que vamos introduzir a internet... Veja, o Google gastou dezenas de bilhões de dólares construindo infraestrutura de internet ao redor do mundo – uma infraestrutura que funciona para todos e não só para o Google", acrescentou.
"Então vendo o jeito que o Facebook fez o zero-rating, eu acho que foi por uma motivação de negócios, que era a de prevenir competição", disse Haugen. Para empresas de telecomunicação ao redor do mundo, o ganho em contrapartida foi uma adoção rápida – e acelerada pelo Facebook – da internet móvel.
"Mas o custo disso foi a perda de um ecossistema independente de internet em uma série de países ao redor do mundo. E quão mais fortes seriam essas economias caso talentos locais tivessem dominado o ecossistema de informação? Então, claro, aconteceu mais rápido, mas o que se perdeu no processo?", provocou a ex-funcionária da Meta.
Frances Haugen está no Brasil para participar na terça-feira (05.jul.2022) às 14h de uma audiência pública na Câmara dos Deputados sobre o projeto de lei das Fake News e para se reunir com organizações da sociedade civil. No domingo (03.jul.2022), a Folha de S. Paulo publicou uma entrevista com Haugen.