Rede descentralizada, Matrix quer ser antítese das Big Tech

Opção de programadores e investidores de criptomoedas, plataforma de mensagens atrai com promessa de segurança e privacidade, mas não tem tração no Brasil e já foi hackeada
Rede descentralizada, Matrix quer ser antítese das Big Tech
Arte: Rodolfo Almeida
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Ainda pouco utilizada no Brasil, a Matrix é uma plataforma de mensagens que vem ganhando adeptos, principalmente programadores e investidores de criptomoedas, a partir de sua promessa de segurança, privacidade e liberdade aos seus usuários.

Semelhante ao Discord, o app de voz e texto que se popularizou entre gamers, o projeto Matrix foi criado em 2014 por Matthew Hodgson e Amandine Le Pape com a ideia de disponibilizar um sistema de mensagens descentralizado (sem controle de uma só empresa), criptografado por padrão e comunicável com outras plataformas.

Em 2017, o projeto passou a ser comandado pela empresa New Vector, que dá o suporte financeiro, e pela ONG inglesa Fundação Matrix, criada para atuar como um “guardião neutro” dos interesses da comunidade.

Como funciona

A plataforma conta com alguns serviços básicos, como:

  • Chat privado entre dois usuários;
  • Grupos e canais públicos ou privados — as buscas de canais públicos acontecem a partir de palavras-chave, enquanto canais privados exigem senha ou convite;
  • Compartilhamento de arquivos;
  • Mensagem ou ligação de voz;
  • Videochamada.

O usuário também pode fazer conexões com outros aplicativos diferentes do protocolo Matrix, tanto no celular quanto no computador.

As chamadas conexões permitem que o usuário use Facebook, WhatsApp, Instagram, Telegram, Google Hangouts, Spotify, Slack e outras dezenas de aplicativos em um lugar só. Dessa forma, enquanto logado, o usuário pode usar todos esses serviços simultaneamente no aplicativo da Matrix.

Para começar a usar o serviço, o usuário primeiro precisa escolher o aplicativo. Em seu site, a plataforma disponibiliza vários aplicativos confiáveis que se diferenciam em design de interface e sistema operacional (iOS, Android, Windows, etc) e pequenas funcionalidades.

Alguns, por exemplo, permitem o uso offline. Outros, criados para programadores, permitem opções mais avançadas para os usuários.

Em seguida, você precisa criar uma conta na Matrix. A organização aconselha aos usuários a usarem o serviço padrão, que termina em @matrix.org, semelhante ao e-mail.

Existem usuários experientes que criam e fazem a manutenção do seu próprio servidor local, oferecendo melhorias de serviço como mais rapidez na conexão. O Brasil ainda não tem um servidor local na Matrix.

Criptografia por padrão

O que também fez a Matrix cair nas graças de programadores e geeks de plantão é a sua criptografia por padrão.

Ao contrário de aplicativos como WhatsApp e Telegram, que retêm os algoritmos como um “segredo de marca”, a criptografia por padrão pode ser conferida pelos usuários. Com a promessa de ser à prova de bisbilhoteiros, oficiais ou não.

No caso do WhatsApp, por exemplo, até o FBI consegue obter dados do aplicativo e há um sistema de moderação por trás dele, como mostrou reportagem da ProPublica (rebatida pelo Manual do Usuário) que implica em uma quebra da tão falada criptografia de ponta a ponta.

Já nos aplicativos com o protocolo Matrix, canais e mensagens privadas não são armazenadas no servidor da organização.

Uma mensagem privada, em chat ou grupo, apenas pode ser acessada por um usuário com sessão confirmada a partir de um dispositivo previamente verificado, número de telefone ou chaves de recuperação.

Além disso, não é possível que um terceiro tenha acesso aos dados da conversa mesmo que invada o aplicativo. Apenas os usuários que tiveram a conversa têm acesso aos dados.

Caso um terceiro tente acessar uma conversa à qual não tem acesso, o seguinte código aparece, como mostrou ao Núcleo um moderador de alguns canais na Matrix.


A partir dessa chave de criptografia, a conversa se mantém segura aos usuários que participam do chat. As chaves de criptografia para cada chat são automaticamente renovadas a cada 100 mensagens ou 7 dias, o que desencadear primeiro.

Segundo a Fundação Matrix, dessa maneira é impossível que alguém — terceiros, a própria organização ou autoridades — tenha acesso aos dados do chat, porque para um terceiro, eles não existem.

Como fica o histórico das conversas

As mensagens apagadas na Matrix aparecem no histórico de conversa com uma etiqueta indicando que foram deletadas.

Os históricos são armazenados e um usuário não perde suas mensagens caso um servidor caia ou ele mude de aplicativo. A única forma de acessar um histórico é através de uma sessão verificada a partir de chaves de segurança ou outro dispositivo conectado previamente. Sem a confirmação, uma nova sessão não terá acesso às mensagens criptografadas em canais e chats privados.

Captura de tela: mensagem enviada após entrar em um chat privado, sem confirmar a sessão

Os canais públicos

A maioria deles é em inglês, relacionados à tecnologia, como o canal Matrix HQ, da própria fundação, onde moderadores e usuários discutem sobre a usabilidade do serviço e outros projetos associados.

São poucos os canais brasileiros, ao menos os que são públicos. Ao pesquisar pelo termo "Brasil", os primeiros resultados são de canais de investidores em criptomoedas e programadores.

Os canais mais populares e engajados em português têm 5 mil inscritos — algo pequeno em comparação aos grupos em língua inglesa, que podem chegar facilmente a 40 mil inscritos.

Como é feita a moderação

Existem algumas linhas de moderação de conteúdo na Matrix, mas os termos de uso da organização são vagos e até agora não foram feitas declarações públicas em relação à moderação de fake news, por exemplo.

A plataforma também não se posicionou em relação a grupos anti-vacina ou movimentos políticos radicais, e enfatiza o respeito pela diversidade política e ideológica.

O que está explicitamente proibido é conteúdo protegido por copyright ou abuso e pornografia infantil, segundo as leis do Reino Unido e da União Europeia.

Já o código de conduta é um pouco mais elaborado e proíbe o uso de deadnaming (nome de nascimento ou outro anterior) de pessoas transsexuais, de ofensas relacionadas às características individuais, como gênero, raça e corpo, e do uso da plataforma para divulgar comunicações pessoais, stalkear ou vazar informações de alguém, assim como envio de fotos de cunho sexual sem consentimento.

Não fica claro no código de conduta, porém, se o usuário que violar o código sofrerá consequências. A Matrix se limita a dizer que qualquer violação pode resultar em um banimento.

Por que geeks gostam tanto

Na prática, o fato de a empresa não monitorar o que os usuários estão fazendo, de o código ser aberto e de haver criptografia por padrão são os pontos fortes da plataforma.

Usuários mais experientes, por exemplo, podem usar o código do protocolo para desenvolvimento de aplicativos de mensagens, como fizeram os governos francês e alemão.

Na França, o Tchap é um sistema de comunicação entre ministérios que foi criado em meio a preocupações relacionadas à privacidade durante as eleições presidenciais de 2018; e na Alemanha, o BwMessenger funciona para a comunicação das Forças armadas unificadas (Bundeswehr) do país. Ambos usam o código aberto da Matrix.

É mesmo segura?

Tecnicamente sim, mas já houve controvérsias.

Em 2019, um dos servidores da Matrix foi hackeado e colocou alguns usuários em risco. Hodgson foi ao blog da organização explicar todas as etapas do hack, como ele foi feito, e o que foi feito para solucionar a brecha de segurança.

Texto Sofia Schurig
Arte Rodolfo Almeida
Edição Samira Menezes

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