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"Ajude intervencionistas na porta do quartel". "Ajudem a causa, intervenção militar já!!!". "Precisamos de ajuda para os caminhoneiros continuarem parados".

Esses são alguns dos pedidos na descrição de campanhas de arrecadação de fundos, as chamadas vaquinhas, para financiar atos antidemocráticos que surgiram ao redor do Brasil na esteira do 2º turno das eleições de 2022.


É importante porque...

Plataformas de crowdfunding faturam em cima de campanhas realizadas na plataforma, e isso cria uma linha cinzenta quando o assuntos são campanhas para deslegitimizar ou tentar reverter o resultado das eleições.

STF está investigando financiadores de atos antidemocráticos


O Núcleo identificou pelo menos 29 campanhas ativas de arrecadação. Os links foram encontrados usando a busca dentro do site do Vakinha e por meio de monitoramento de redes sociais realizado pelo Núcleo.

Em 12.nov.2022, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou o bloqueio de contas de 43 pessoas físicas e jurídicas suspeitas de ligação financeira com os atos antidemocráticos. A decisão, tomada em sigilo, foi obtida e noticiada na quinta-feira (17.nov) pelo UOL.

Moraes considera que esses protestos são criminosos ao "propagar o descumprimento e desrespeito ao resultado do pleito eleitoral [...], com consequente rompimento do Estado Democrático de Direito e a instalação de um regime de exceção".

Em seu site, o Vakinha não apresenta claramente as regras para realização de uma campanha de arrecadação. Não há qualquer menção sobre a motivação ou objeto de uma campanha de arrecadação. Não há uma página para "termos de uso".

Já o Catarse, por exemplo, outra popular plataforma de crowdfunding brasileira, estabelece em suas regras que usuários não podem publicar ou divulgar projetos com conteúdo proibido pela legislação brasileira ou que tenham um escopo potencialmente ilícito.

Segundo advogados ouvidos pelo Núcleo, a responsabilidade desse tipo de plataforma pode ser entendida no escopo do Marco Civil da Internet, que estabelece que provedores só podem ser responsabilizados por conteúdos postados ou produzidos por terceiros no caso de descumprimento de ordem judicial que determinou a remoção aquele conteúdo.

DE OLHO NO FINANCIAMENTO

Pelo site, a plataforma Vakinha informa que cobra uma taxa de 6,4% + R$0,50 sobre cada doação. Na prática, isso significa que a plataforma está faturando em cima dessas campanhas de cunho golpista.

Muitas das campanhas não arrecadaram sequer um real. Outras contabilizam menos de R$1.000 em doações. Mas há campanhas que passaram dos R$50 mil.

Uma destas é uma campanha intitulada "Movimento Patriota nas Ruas", movida por uma organização chamada "Jornalismo Independente", que arrecadou R$92,5 mil com 2.195 apoiadores.

Entre 16.nov.2022, quando o Núcleo primeiro identificou essa campanha, e 17.nov, a página da campanha foi alterada para dizer "vaquinha encerrada". A primeira imagem abaixo mostra uma captura da página feita na noite de 16.nov usando o serviço Wayback Machine. A segunda imagem mostra a página no dia seguinte.

‍Uma outra campanha, que usa a mesma imagem de destaque e intitulada "Fora Lula – manter o povo na rua até o Lula cair!" já contabiliza R$65,6 mil em doações de uma meta de R$200 mil. Essa campanha é movida e assinada por uma pessoa chamada Rafael Moreno Souza Santos.

Em seu perfil de Instagram, que anuncia no texto descritivo da campanha, Santos se descreve como "cristão, conservador e monarquista e líder do Movimento Brasil Monarquista".

Em um destaque nessa mesma conta de Instagram, ele faz uma prestação de contas dos gastos. Uma das fotos mostra um carrinho de supermercado cheio de peças de carne. A nota mostra que a compra custou R$885.

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Santos já é um nome conhecido pelo Judiciário. Em mai.2020, ele foi alvo de mandado de busca e apreensão pela Polícia Federal no âmbito do inquérito das fake news, do STF. Em set.2020, Moraes, do STF, pediu o bloqueio de suas contas nas redes sociais no escopo do inquérito dos atos antidemocráticos.

Na sexta-feira (18.nov), enquanto o Núcleo já apurava esta reportagem, o jornal O Globo publicou uma reportagem sobre campanhas de financiamento como a de Rafael Moreno Souza Santos.

De olho nas regras (ou na falta delas)

Na avaliação de Carlos Affonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio), isso não impede que o site faça uma moderação de conteúdo segundo suas próprias regras e remova conteúdo que as infrinja. "É até esperado que o site procure coibir vaquinhas com propósitos ilícitos", disse.

Embora a legislação não preveja responsabilização de imediato a essas plataformas, cabe a elas uma reflexão sobre seu papel nos atos antidemocráticos, avaliou Bruna Santos, ativista da Coalizão Direitos na Rede e pesquisadora visitante no Berlim Social Science Center.

“Há um flagrante desrespeito por parte dos protestos a liberdades individuais, e no limite que essas plataformas permitem que o financiamento desses atos ilegais e antidemocráticos existam, elas também contribuem para um eventual desrespeito desses direitos", disse ao Núcleo. "Porque não existe uma coisa sem outra."

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O Núcleo entrou em contato com o Vakinha por meio de um formulário de atendimento no site da empresa, que não indica claramente um contato de assessoria de imprensa. Em resposta a esse formulário, a empresa respondeu que "trabalha para que todas as orientações e pensamentos sejam bem-vindos, desde que se mantenham, discurso e ações, de acordo com os termos de uso e as legislações vigentes".

O site informou ainda que possui "rigorosos processos de análise das campanhas que são publicadas em nossa plataforma, nos dedicando a remover qualquer uma que esteja infringindo os termos de uso".

Veja resposta na íntegra:


Como plataforma líder no segmento e com anos de mercado, o Vakinha é aberto e trabalha para que todas as orientações e pensamentos sejam bem-vindos, desde que se mantenham, discurso e ações, de acordo com os termos de uso e as legislações vigentes.

Repudiamos todo tipo de preconceito e discriminação!

Com mais de 3.000 vaquinhas criadas por dia, desenvolvemos rigorosos processos de análise das campanhas que são publicadas em nossa plataforma, nos dedicando a remover qualquer uma que esteja infringindo os termos de uso. Além dos processos internos, contamos com nossa comunidade, que nos ajuda no monitoramento das vaquinhas.

Ressaltamos que todo conteúdo publicado em uma vaquinha é de total responsabilidade de seu criador e que todas as campanhas que causem alerta de algum dos nossos processos internos ou dos usuários, são analisadas junto ao nosso time de análise e equipe jurídica. Após o contato com o criador da vaquinha para maiores esclarecimentos e a conclusão da análise por parte da nossa equipe, caso a campanha contenha alguma infração, ela é removida do Vakinha e os valores doados podem ser estornados aos doadores cadastrados quando ainda disponíveis em nossa plataforma.

Nós e nossa comunidade estamos sempre alertas, monitorando eventuais casos de vaquinhas que não estejam em conformidade com as boas práticas e termos de uso.

Trabalhamos diariamente para criar um ecossistema do bem, construindo soluções que impactem positivamente a comunidade.

Reportagem Laís Martins
Arte Rodolfo Almeida
Edição Julianna Granjeia
Eleições 2022
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