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A remuneração de organizações jornalísticas por plataformas digitais é um dos pontos mais controversos do projeto de lei 2630/2020, o chamado PL das Fake News, principalmente pela falta de consenso sobre o tema e pelos múltiplos interesses envolvidos.

Recentemente, ventilou-se a possibilidade de votar essa questão separadamente.

O Comitê Gestor da Internet (CGI.br) publicou, nesta quarta-feira (17.mai.2023), um estudo inédito que resume o que está em jogo no debate sobre a remuneração de conteúdo jornalístico pelas plataformas digitais. O documento foi distribuído pela Agência Bori.

O CGI elencou as cinco principais controvérsias acerca do tema:

  • 1. Quem deve ser beneficiado? Há um impasse sobre os critérios que definirão quem será beneficiado por uma regulamentação da remuneração. Por um lado, optar por critérios detalhados demais e ancorados em coisas como faturamento e número de empregados ou registro profissional pode excluir pessoas físicas, pequenos negócios ou mídias em formatos não-tradicionais. Por outro, não ter critérios bem definidos significa potencialmente permitir que veículos com práticas desinformativas e problemáticas sejam beneficiados.
  • 2. Quem deve pagar? O CGI identificou que diferentes legislações ao redor do mundo usam diferentes termos para definir os atores responsáveis pela remuneração. No Brasil, o PL 2630 fala em "provedores de redes sociais, ferramentas de busca e serviços de mensageria instantânea". Em outros países, acordos têm focado no Google e Facebook, mas o CGI aponta que outras plataformas, como Twitter, TikTok e até serviços de mensageria, poderiam ser incluídos a depender dos critérios dispostos na legislação.
  • 3. Pagar pelo quê? Esse é, talvez, o ponto mais controverso, pois envolve a pergunta: "o que é conteúdo jornalístico?". O CGI cita que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) define notícias como "informação ou comentário sobre temas contemporâneos, explicitamente excluindo notícias sobre entretenimento". Mas algumas iniciativas regulatórias têm ido além dessa definição.

SAIBA MAIS - Pagar pelo que?

Como, em outros países, acordos entre plataformas e empresas de jornalismo têm sido confidenciais, há pouca oportunidade de avaliar critérios sendo usados.

Uma das grandes preocupações é que empregar critérios quantitativos – como acessos, cliques e publicações – seja um incentivo negativo que leve à perda de qualidade.

  • 4. Com base em quais dados? O CGI aponta que, qualquer que seja o formato de abertura de dados, é primordial que eles sejam corroborados por uma auditoria independente ou órgão regulador para que, então, seja tomada uma decisão sobre a remuneração.

SAIBA MAIS - Com base em quais dados?

A demanda por maior transparência pelas plataformas é histórica. No caso deste tema, frequentemente esbarra em questões de segredo comercial ou confidencialidade. Discute-se a possibilidade de ter um órgão fiscalizador que avaliaria esses dados sem divulgá-los. Isso não atende, no entanto, a demandas para que esses dados fiquem publicamente disponíveis.

  • 5. Qual deve ser o papel do Estado? "Até que ponto o Estado deve interferir nas relações entre produtores de conteúdo jornalístico e plataformas digitais", questiona o CGI. Na Austrália, por exemplo, a legislação deixou uma "ampla margem" para que organizações de mídia e veículos negociem de forma autônoma. O CGI aponta que não se sabe e esse é o melhor caminho para o contexto brasileiro, dado que a livre negociação entre as partes poderia resultar em uma "concentração ainda maior de recursos e de poder em um número pequeno de atores".

FUNDO SETORIAL

Uma proposta que tem sido defendida como alternativa à negociação individual entre organizações de mídia e plataformas é a de um fundo setorial público financiado por plataformas e gerido de maneira participativa.

Essa proposta resolveria, por exemplo, os temores de desequilíbrio e concentração de poder e recursos em grandes organizações.

SAIBA MAIS - Fundo setorial

A ideia é defendida por organizações como Fenaj, Ajor e Google. Segundo o CGI, no caso de um fundo, a destinação dos recursos seria baseada em uma proposta de política pública de fomento ao setor. [Disclaimer: o Núcleo é associado à Ajor, mas não necessariamente tem as mesmas opiniões da associação]

COMPOSIÇÃO. Um pré-projeto de lei elaborado pela Fenaj propõe que esse fundo seria administrado por um Conselho Diretor ligado ao Ministério das Comunicações e integrado por 18 membros.

Esse conselho teria representação governamental, do setor empresarial, de trabalhadores da área de jornalismo, de representantes do setor educacional, científico e tecnológico ligados ao jornalismo e representantes de organizações nacionais da sociedade civil com atuação comprovada na área de comunicação social e do jornalismo.

Ainda não há, no entanto, no Congresso uma proposta concreta para um fundo setorial, segundo o CGI.

O QUE ESTÁ EM TRAMITAÇÃO NO CONGRESSO?

No estudo, o CGI mapeou as proposições legislativas que tratam de remuneração do jornalismo.

São 6, a primeira sendo o PL das Fake News:

PL 2630/2020

O que propõe: Não define critérios para cálculo e distribuição da remuneração. A estipulação da obrigação, disposta no Artigo 38, depende de regulamentação específica. 

ℹ️
O PL 2630/2020, cujo nome oficial é Projeto de Lei de Responsabilidade e Transparência para Plataformas Digitais, foi proposto originalmente pelo senador Alessandro Vieira (PSDB-SE). A lei visa regular o funcionamento de plataformas digitais e aplicativos de mensagem no Brasil e estabelece uma série de obrigações para as empresas provedoras.

O projeto é comumente chamado de PL das Fake News, embora algumas pessoas não gostem do termo por não mais ter combate à desinformação como ponto principal.

Na Câmara, o projeto tem a relatoria do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP).

>> Acompanhe o PL neste link.

>> Acompanhe a cobertura de regulação do Núcleo.

O que propõe: "A fórmula de cálculo consiste na taxa mínima de 50% da receita bruta, excluídos os impostos, auferida com a publicização da notícia."

O que propõe: Prevê compensação por parte de provedores de aplicações de Internet, cujo valor poderá ser livremente pactuado entre as partes. Caso não haja acordo, o valor será estimado levando em consideração a remuneração da elaboração da informação jornalística (não define quem faria esse cálculo). Também estipula que provedores de aplicações deverão informar critérios e regras utilizados para selecionar e priorizar as informações e endereços eletrônicos apresentados pelos usuários.

O que propõe: Define diferentes percentuais (5 a 25%) do valor monetizado para autores e editores. A porcentagem varia dependendo do conteúdo republicado (se em sua totalidade, mais da metade ou menos da metade) e do reconhecimento dos autores e editores originais.

Não se aplica à divulgação de hiperlink de conteúdo jornalístico.

O que propõe: Determina que as plataformas digitais devem requisitar autorização prévia ao uso de qualquer conteúdo jornalísitco, sob pena de pagar multa diária de 50 mil reais. A remuneração será baseada em percentual das receitas de publicidade digital que as plataformas obtiverem.

O que propõe: A legislação não estabelece critérios específicos para o cálculo e pagamento dos valores. Há a previsão que o titular do direito autoral poderá imputar ao provedor, mediante notificação, uma das duas possibilidades a seguir:

i) solicitar a indisponibilização do conteúdo de imprensa disponibilizado, ainda que por terceiros, sem sua autorização; e

ii) requerer a remuneração pelo conteúdo disponibilizado quando o provedor de aplicações de Internet exercer essa atividade de forma organizada, profissionalmente e com fins econômicos em território nacional.

FORA DO BRASIL

O estudo do CGI também aborda o caso de outros países que estão discutindo a remuneração de jornalismo pelas plataformas digitais. Enquanto Europa e Austrália já aprovaram legislação nesse sentido, em outros países o tema ainda está em tramitação, como no Brasil.

AUSTRÁLIA

A legislação australiana News Media and Digital Platforms Mandatory Bargaining Code, conhecido como ACMA, foi a primeira do mundo a tratar do tema e, por isso, virou referência em debates. Como entrou em vigor em mar.2021, não houve ainda muito tempo para medir os impactos, mas 30 acordos foram firmados entre Google e Meta e empresas de mídia australianas.

Mas há críticas aos desdobramentos do código, segundo o CGI. Por exemplo, a de que os acordos criaram uma assimetria de poder entre empresas jornalísticas que têm acordo e que não têm. Outra crítica diz respeito à opacidade dos acordos, que dificultam uma avaliação sobre os critérios ou termos.

EUROPA

A União Europeia aprovou um conjunto de normas que dizem respeito ao tema, em especial uma diretiva relativa aos direitos de autor e direitos conexos no mercado único digital, aprovada em 2019. Essa diretiva requer que plataformas cheguem a acordos de licenciamento de direitos com músicos, escritores e autores para viabilizar que esses trabalhos sejam exibidos virtualmente. Isso inclui conteúdo jornalístico. A diretiva ainda está em processo de internalização nos países do bloco, o que também dificulta a avaliação de seus impactos.

Veja o estudo do CGI na íntegra

Texto Laís Martins
Edição Sérgio Spagnuolo
RegulaçãoGeralzão
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