Golpistas usam Google Ads para promover sites falsos da Franui

Centenas de pessoas compraram e nunca receberam o doce argentino. Parceiro comercial de Eduardo Bolsonaro é um dos donos da conta que promoveu os anúncios
Golpistas usam Google Ads para promover sites falsos da Franui
Arte de Rodolfo Almeida
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O Google permitiu que sites fraudulentos que fingiam vender o doce argentino Franui chegassem ao topo das buscas pelo produto na plataforma, inclusive impulsionados por anúncios, levando centenas de pessoas a perderem dinheiro em golpes.

A quantidade de vítimas obrigou o perfil oficial da Franui no Brasil a alertar o público sobre a farsa, que também circulou nas redes sociais da Meta. Os doces eram ofertados com desconto, frete grátis, entrega em até quatro dias e preços entre R$ 29 e R$ 95, sem que jamais chegassem aos consumidores.

Usuários foram direcionados ao golpe após buscarem por termos como "comprar franui", "franui" ou "onde comprar franui" no Google – e o assunto foi até parar em uma nota no UOL.

Os anúncios enganosos foram veiculados por duas contas no Google Ads, a plataforma de publicidade digital da Big Tech, que não tiveram a identidade verificada pela empresa e usaram os nomes de terceiros.

O Núcleo rastreou a origem dessas contas a dois jovens, Bernardo Lemos e Rafael Ramires, que as criaram no nome de parentes. Procurados, eles disseram à reportagem que venderam essas contas do Google Ads no início deste ano e que não sabiam dizer quem foi o comprador.


É importante porque...

A falta de verificação de identidade para se veicular anúncios por meio do Google Ads abre brecha para fraudes

Usuários acabam enganados por anúncios fraudulentos impulsionados pela plataforma e dão dinheiro a golpistas


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Os links fraudulentos estiveram ativos no topo das buscas do Google por doces Franui entre meados de outubro e 16 de novembro, e só foram derrubados após o Núcleo contatar a empresa sobre o caso.

SEM VERIFICAÇÃO. As contas de Google Ads usadas para promover os sites falsos estavam em nome de Rosiane da Silva Ramires e Julio Cesar da Costa de Lemos, segundo a Central de Transparência de anúncios do Google. Ambos não tiveram a identidade verificada pela plataforma.

O suposto dono de uma delas, o empresário Julio de Lemos, é parceiro comercial do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) em uma marca de vinhos que homenageia a família do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). No início de novembro, Eduardo havia anunciado nas redes sociais que garantiu uma "participação" no empreendimento.

Ao Núcleo, Julio disse não saber dos anúncios falsos da Franui, mas admitiu que contas do Ads em seu nome vinham sendo usadas pelo filho, Bernardo Lemos, para promover uma loja de calçados — a reportagem confirmou o uso por meio da lista de anúncios em nome do empresário na Central de Transparência do Google.

Rosiane Ramires não retornou às tentativas de contato feitas via Instagram. A reportagem a localizou porque ela estava na lista de seguidores na rede social de Rafael Ramires, o sócio de Bernardo em negócios de marketing digital, segundo publicações da dupla nas redes sociais.

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No Brasil, o Google exige a verificação de identidade apenas para anunciantes de serviços financeiros e conteúdo político, o que não previne usos indevidos como o deste golpe da Franui. Em nota ao Núcleo, a plataforma disse "estar expandindo a verificação de anunciantes para outras categorias em todo o mundo".

Leia na íntegra a nota do Google enviada ao Núcleo

"Temos políticas robustas que delimitam a forma como os usuários podem anunciar em todas as plataformas do Google, incluindo a proibição de anúncios que tentem confundir usuários e de produtos e serviços que induzam comportamento desonesto. No Brasil, para fazer campanhas de serviços financeiros e conteúdo político, os anunciantes precisam passar por um processo de verificação, que exige que a empresa tenha sua documentação verificada antes de anunciar. Estamos expandindo a verificação de anunciantes para outras categorias em todo o mundo e essas campanhas podem ser encontradas em nossa Central de Transparência de Anúncios.

Quando identificamos uma violação às nossas políticas em nossas plataformas, agimos imediatamente suspendendo o anúncio e, se for o caso, bloqueando a conta do anunciante. No total, apenas em 2022, nós removemos mais de 5,2 bilhões de anúncios, e suspendemos mais de 6,7 milhões de contas de anunciantes em todo o mundo. Isso representa 2 bilhões de anúncios removidos a mais do que no ano anterior. Somente no caso de serviços financeiros, mais de 198 milhões de anúncios foram removidos por violar nossa política.

Se algum consumidor suspeitar ou for vítima de golpe, oferecemos uma ferramenta para denunciar violações de nossas políticas."

Anúncio fraudulento mostrou Julio de Lemos como anunciante "não verificado". Foto: Reprodução
Rosiane Ramires também foi registrada como anunciante "não verificada". Foto: Reprodução

FILHO TERIA REPASSADO CONTA DO PAI

Procurado, Bernardo disse que o golpe da Franui usou um perfil diferente do utilizado por ele na promoção da loja de calçados, que é veiculada por uma outra conta em nome do pai, essa com identidade verificada pelo Google.

Ele relatou, no entanto, que o sócio, Rafael, "vendeu algumas contas de Google Ads que não estavam rodando" no início deste ano. "Provavelmente usaram para aplicar esse golpe aí", disse Bernardo ao Núcleo. Rafael disse que não encontrou o contato do comprador.

A dupla se apresenta como especialista em vendas de marketing digital e ambos costumam postar stories com frases como "ficando milionário", "30k em um dia" e "ficando rico" em que mostram painéis com várias vendas ou transferências de valores na casa dos R$ 80 mil.

Antes de ser contatado pela reportagem, Bernardo seguia o perfil oficial da Franui no Instagram, o mesmo que alertou usuários sobre os golpes. Após a conversa, ele deu unfollow na página.

Depois do contato do Núcleo, a dupla também esvaziou as publicações do perfil no Instagram de uma agência de marketing digital em que se apresentavam como sócios, a Fuse. Com 8 mil seguidores, a página foi inflada com seguidores árabes.

Perguntada sobre a regularidade do comércio de contas do Google Ads, a plataforma não se posicionou sobre o assunto, mas a reportagem identificou que há vários sites que vendem esses perfis para "pessoas que querem ocultar suas identidades".

No Instagram, usuários também relataram ter caído no golpe da Franui — por lá, os perfis fraudulentos foram derrubados

GOLPE SEGUE ONLINE. Apesar de já ter tido os anúncios do Google derrubados e ter sido desindexada do mecanismo de buscas, a página golpista segue no ar na internet. Os domínios registrados para uso no golpe foram:

  • franuibr.com
  • franuibrasil.com
  • franui.org
  • Ao entrar para pagamentos: franuibrasil.com.br

A reportagem não conseguiu localizar a pessoa na qual o domínio .br foi registrado, mesmo após consulta ao Who.is da registro.br.

O perfil oficial e verdadeiro da Franui é este: www.instagram.com/franui.br/. A empresa não vende diretamente os produtos no Brasil.

COMO FIZEMOS ISSO

Após relatos do golpe da Franui viralizarem no X, o Núcleo pesquisou pelo doce argentino no Google e identificou os links patrocinados fraudulentos. Em seguida, clicamos na opção de transparência de anúncios da plataforma para ver quem pagou por eles.

A partir daí, cruzamos os dados dos anúncios disponíveis para a conta verificada de Julio de Lemos e localizamos a conta do empresário no Instagram. Após contatá-lo, buscamos pela loja de calçados que constava no histórico de anúncios de sua conta e constamos que ela pertencia ao filho de Julio, Bernardo.

Ao revisar os perfis de Bernardo no Instagram, identificamos que ele tinha um amigo, Rafael Ramires, que era apresentado como seu sócio em negócios digitais. Em seguida, vimos que o nome de Rosiane Ramires, uma das supostas anunciantes do golpe, estava listado entre os seguidores de Rafael e comentava em suas fotos.

Em seguida, contatamos a dupla para tentar saber por que o golpe usava anúncios em nome de parentes deles.

Reportagem Pedro Nakamura
Arte Rodolfo Almeida
Edição Alexandre Orrico

Texto atualizado em 30.nov.2023 às 15h42 para retificar o trecho em que Julio de Lemos foi referido como "sócio" de Eduardo Bolsonaro em uma marca de vinhos que leva o nome da família do ex-presidente. Apesar de ter anunciado nas redes sociais sua entrada no empreendimento com uma "participação" no negócio, o deputado federal não consta como sócio da empresa no cadastro de pessoa jurídica da Receita Federal. Por isso, corrigimos a relação entre o empresário e o político para "parceiro comercial", e não mais "sócios", visto que a parceria foi anunciada mas ainda não implementada.

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