A rede social Kwai expõe constantemente crianças e adolescentes a "caça-níqueis gratuitos" e a jogos que prometem recompensas em dinheiro. Com uma verificação etária falha, a plataforma também lucra com anúncios de cassinos e apps que prometem renda fácil sem conseguir garantir que apenas adultos sejam seu público-alvo, mostra investigação do Núcleo.
O marketing de apostas para menores é proibido por lei.
Muitas peças publicitárias que circulam na rede social são de empresas de apostas (as chamadas bets) e também violam as recomendações do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) para o setor.
Essas publis prometem ganhos fantasiosos, ignoram os riscos da jogatina e sugerem que apostas são um meio fácil para quitar dívidas. O Núcleo apura o assunto há mais de 2 meses, catalogando anúncios no app.
É ✷ importante ✷ porque...
Menores estão expostos a caça-níqueis gratuitos, uma modalidade de "cassino social" que pode ser porta de entrada para jogos de azar
Sem restrições para menores, plataforma anuncia cassinos de verdade e oferta moedas virtuais que valem centavos a quem assistir às publis
Com 60 milhões de usuários brasileiros, Kwai quer operar bets no país e já investe no próprio site de apostas
Um desses anúncios irregulares é do site Betse, que sugere ganhos de R$300 mil ao dia e insinua que pessoas paguem suas dívidas com lucros de apostas. Ele é mantido pela Kuaishou, a empresa chinesa dona do Kwai. A rede social também oferece recompensas para usuários que se registrarem e apostarem nesse site, sem a devida proteção a menores.
Atualmente, a multinacional aguarda aval do Ministério da Fazenda para operar bets próprias no país e confirmou em nota ao Núcleo que "investe na Betse".
Dinâmica dos jogos
Na plataforma usuários assistem a publis que rendem fichas virtuais. Elas servem para subir de nível, passar de fase, dar buy-in ou desbloquear recursos nos games do app.
Jogadores que visualizam esses anúncios também acumulam tokens da rede social, as Kwai Golds, que podem ser trocadas por pequenas quantias de dinheiro real dentro do app. Jogar por quinze minutos "rende" cerca de R$0,10
, segundo os testes do Núcleo.
Hoje, o Brasil é o maior mercado do Kwai fora da China.
Cerca de 60 milhões de usuários brasileiros se conectam à rede social diariamente e passam, em média, 1h20min no aplicativo, segundo o jornal Valor Econômico. O país responde por cerca de 80% da receita estrangeira da empresa e por metade dos usuários dela fora do território chinês. Por aqui, a audiência do Kwai se concentra nas classes C, D e E.
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"Cassinos grátis" para menores
O gênero de "caça-níqueis sem apostas" disponível no Kwai é conhecido como "cassino social".
Mesmo sem valer dinheiro, ele pode ser uma "porta de entrada" para jogos de azar e cresceu com o avanço das redes sociais, dizem pesquisas recentes. Estudos também têm associado jogar games do tipo a um maior risco de vício em apostas, mas mais evidências são necessárias para confirmar essa relação.
"Você está expondo cérebros imaturos a um poderoso formador de hábito, condicionando uma geração futura a querer apostar quando chegar na maioridade", disse o médico psiquiatra Hermano Tavares, coordenador do Ambulatório do Jogo do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP).
Isso é uma prática predatória e precisa ser banida.
– Hermano Tavares, da USP
São versões "gratuitas" de jogos de azar como caça-níqueis ou roletas em que, no lugar de dinheiro real, os apostadores jogam com moedas virtuais que são compradas na plataforma ou disponibilizadas após a exibição de anúncios. Não são considerados jogos de azar, já que não há dinheiro envolvido. Estudos sugerem que a indústria dos cassinos têm usado esse gênero de game para atrair usuários jovens à jogatina. "É como oferecer cerveja sem álcool ou um cigarro de chocolate para um menor", lamenta Tavares.
Kwai falha ao verificar a idade dos usuários
Ao menos dez versões gratuitas de jogos de cassino online famosos, como o "Jogo do Tigrinho" ou o "Coelho da Sorte", e outros games que prometem "recompensas altas" estão disponíveis na Central de Jogos da rede social, que costuma ser exibida em destaque na tela principal do app da plataforma.
O único tipo de restrição para abrir esses simuladores é um pop-up que pergunta ao usuário se ele tem ou não mais de 18 anos. A pergunta, contudo, não é feita em todos os caça-níqueis disponíveis no app e, ao teclar "não" na primeira vez, é possível teclar "sim" em uma segunda tentativa e jogar normalmente.
A assessoria de imprensa da plataforma mencionou o recurso como um dos meios que adota para proteger menores de "jogos com temática de aposta" no app à reportagem.
Após o contato inicial do Núcleo, esses pop-ups foram incluídos em games que antes não o pediam, mas vários cassinos sociais seguem sem o aviso.
NEGLIGÊNCIA
"A plataforma não parece oferecer proteções adicionais, para não dizer nenhuma, já que as que existem são frágeis e contornáveis, para evitar que esse público tenha contato com esse tipo de jogo", diz o advogado João Francisco de Aguiar, que atua no programa "Criança e Consumo" do Instituto Alana, ONG destinada à proteção da criança e do adolescente.
Após o contato da reportagem, a entidade também testou o app, encontrou proteções falhas e decidiu pedir explicações ao Kwai.
Em 29.mai.2024, o Instituto Alana notificou a rede social.
"Essa falta de controle e filtragem etária é preocupante, pois expõe crianças e adolescentes a riscos significativos, como a promoção de jogos de azar e a exibição de conteúdo impróprio", diz um trecho da notificação, que foi compartilhada com o Núcleo.
"É fundamental que a plataforma adote medidas rigorosas para verificar a idade dos usuários e ajustar o conteúdo conforme a faixa etária", conclui a entidade.
O que diz o Kwai
Por meio de sua assessoria, o Kwai disse à reportagem contar com uma "camada extra de proteção" para menores, sem explicar qual seria. A rede social também afirmou que "anúncios da indústria de jogos de apostas ou azar são exibidos somente a maiores de 18 anos e, também, são rotulados pela moderação para minimizar os riscos em caso de lacunas no sistema".
"Qualquer tipo de falha ou bug que possa ter causado o problema foi ou está sendo corrigido", disse o Kwai.
Leia a íntegra da nota do Kwai enviada ao Núcleo:
O Kwai reforça que a segurança do usuário é premissa principal de sua atuação e que está totalmente comprometido em oferecer entretenimento de qualidade. A empresa possui diretrizes e políticas de segurança robustas que visam resguardar a integridade da plataforma e de seus usuários, em especial menores de idade, que contam com uma camada extra de proteção.
O aplicativo possui função de restrição de idade durante o cadastro, que não permite o acesso de menores de 13 anos à plataforma. Além disso, acompanha o comportamento e as tendências de consumo para identificar possíveis usuários menores de idade que não tenham feito a declaração corretamente. Uma vez encontrados, eles são bloqueados automaticamente.
A plataforma informa que sua Política de Publicidade para Negócios é clara ao indicar que qualquer campanha passa por aprovação interna antes de entrar no aplicativo. A empresa ainda destaca que os anunciantes autorizados devem seguir todas as leis aplicáveis, incluindo a segmentação dos seus anúncios de acordo com os requisitos legais. Dessa forma, anúncios da indústria de jogos de apostas ou azar são exibidos somente a maiores de 18 anos e, também, são rotulados pela moderação para minimizar os riscos em caso de lacunas no sistema.
Sobre conteúdos publicitários para usuários adolescentes (identificados como aqueles entre 13 e 18 anos), a plataforma esclarece que impede que os anunciantes de jogos de apostas ou azar os segmentem. O Kwai ressalta que o não cumprimento de qualquer uma das diretrizes pode levar à remoção do anúncio ou ao bloqueio do acesso. A plataforma aproveita para explicar que há duas formas do usuário fazer a denúncia de um conteúdo no app, seja anúncio ou vídeo comum: clicando no botão compartilhar ou pressionando o dedo na tela, em seguida selecionando Denunciar e indicando o motivo. A empresa ainda reforça que aprimora constantemente as medidas de proteção aos usuários menores de idade para evitar que anúncios semelhantes sejam exibidos a esse público.
A respeito dos jogos com temática de aposta disponíveis no Mini Game Center do Kwai, é importante ressaltar que estes só podem ser acessados após o usuário confirmar que é maior de 18 anos, o que é feito por meio de um pop-up que abre na tela pedindo a confirmação da idade. Ou seja, quando o usuário indica que é menor de 18 anos, o acesso é negado e ele não consegue jogar.
A companhia reafirma que investe permanentemente em sua estrutura de moderação e realiza varreduras constantes na plataforma. O app conta com mecanismos que atuam 24 horas por dia, 7 dias por semana, combinando inteligência artificial e análise humana para identificar e remover o mais rápido possível conteúdos que violem ou infrinjam as políticas da comunidade. Durante 2023, foram removidos 1.649.939 anúncios no Brasil, o que representa 18,23% do total de publicidade na plataforma.
Somente no segundo semestre de 2023, o sistema de moderação removeu 4.252.536 vídeos em todo o mundo, o que representa menos de 1% de todo o conteúdo enviado no período, e 577.461 contas de usuários foram banidas por violarem as Diretrizes da Comunidade e os Termos de Serviço.
Sobre a Betse, o Kwai esclarece que a parceria entre as empresas é comercial, já que a plataforma de apostas anuncia na rede social. Reiteramos que o Kwai trata todos os anunciantes parceiros da mesma forma.
Por fim, o Kwai reafirma seu compromisso com a ética, o respeito, a confiança e a integridade, valores que são a base da cultura da companhia e a base da relação que, desde 2019, a plataforma constrói com cada um dos seus usuários.
Em seguida, reforçamos nossas dúvidas porque sentimentos que a plataforma não respondeu o cerne de alguns dos questionamentos. O novo retorno na íntegra:
Assim como muitas holdings, a Joyo hospeda os servidores de todas as empresas em que investe em um único local, incluindo Kwai e Betse, e mantém as operações separadas. É uma prática comum em um grupo com investimentos em diferentes companhias. Em relação aos demais tópicos mencionados, qualquer tipo de falha ou bug que possa ter causado o problema foi ou está sendo corrigido.
BET KIDS. A falta de verificação etária também se estende à Betse, a bet da Kuaishou. Usando uma de nossas contas gmail com controle parental ativo, uma criança de 12 anos chamada "Bete Maria", foi possível se registrar no site sem que fossem feitas verificações etárias adicionais.
Com isso, a reportagem do Núcleo – cadastrada como pai da criança fictícia – foi notificada do registro dela na bet.
Até caçar zumbis virou cassino
Na central do Kwai, há recompensas em moedas virtuais até nos games sem "temática de apostas", como os de corrida ou tiros.
Em um dos testes feitos pelo Núcleo durante o jogo "caça-zumbi", cada monstro eliminado rendia "fichas" e, ao fim de cada horda de ataques, o jogador devia assistir a anúncios para seguir à próxima fase.
"DARK PATTERNS". O advogado do Instituto Alana, João Francisco de Aguiar, alerta que crianças e adolescentes são muito suscetíveis a estímulos de recompensa imediatos, o que significa que a "gamificação" usada para reter usuários, como no Kwai, pode trazer "externalidades negativas" aos menores.
Aguiar considera essa configuração uma "dark pattern", ou padrão obscuro, termo usado para definir interfaces que tentam manipular a maneira que consumidores usam apps, sites e redes. "Esses elementos próprios do design das plataformas levam os usuários, especificamente crianças e adolescentes, a passarem mais tempo e a gastarem mais dinheiro nelas", avalia.
PIXZINHO DOS CRIAS. Durante as rodadas do "caça-zumbis", o Kwai exibiu ao Núcleo uma publi de um app chamado "Lucky Walker", que sugere dar "dinheiro fácil" ao "contar os passos" do usuários. Além de conter indícios de fraude pela alegação fantasiosa, o anúncio usa menores em um cenário escolar.
"Minhas amigas depois de descobrir o aplicativo que tá dando dinheiro só para você balançar o celular", diz a legenda do vídeo, que mostra adolescentes em uma sala de aula. Ao fundo, a publi toca uma música com ritmo de funk que repete a expressão: "pixzinho dos crias".
Kwai quer abrir mais bets
Hoje, a rede social aguarda pelo aval do Ministério da Fazenda para operar oficialmente sua própria bet.
A plataforma está cadastrada na fila de espera do licenciamento da pasta com três pedidos em aberto usando empresas distintas, uma delas a própria subsidiária do Kwai no Brasil, apurou o Núcleo por meio de documentos obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI).
Os outros dois pedidos partiram da subsidiária de jogos da Kuaishou sediada em Hong Kong e da sócia da Betse, a XYZ, registrada em nome de advogados de um escritório de serviços corporativos da ilha caribenha de Curaçao, um paraíso fiscal. O pedido da XYZ foi para operar o site de apostas "Kwai Sports", cuja marca já está sendo promovida dentro do app.
O governo federal prometeu ao setor de bets emitir as licenças até o fim deste ano. Procurado pelo Núcleo para comentar as relações entre Betse e Kwai, o Ministério da Fazenda não nos respondeu.
No primeiro retorno que deu ao Núcleo sobre a Betse, o Kwai disse que "a parceria entre as empresas é comercial, já que a plataforma de apostas anuncia na rede social". A reportagem, no entanto, constatou por meio de uma busca de IP que os sites de Kwai e Betse estão hospedados no mesmo provedor, um servidor localizado em Cingapura e mantido pela Joyo, uma das subsidiárias da Kuaishou. Só daí, em um segundo momento, a plataforma admitiu que "investe" no cassino online. "Assim como muitas holdings, a Joyo hospeda os servidores de todas as empresas em que investe em um único local, incluindo Kwai e Betse, e mantém as operações separadas", disse.
Betse faz publicidade irregular
Além de dar espaço privilegiado de anúncios à Betse no app, há diversos relatos de usuários na plataforma ReclameAqui de que o Kwai promete recompensas em suas moedas digitais, as Kwai Golds, para quem se cadastrar e depositar dinheiro na casa de apostas.
Ao longo dos testes realizados pelo Núcleo, um anúncio da bet que viola regras do Conar sobre publicidade responsável foi exibido repetidas vezes. No vídeo, dois amigos – um homem e uma mulher jovens – andam na rua, começam a falar de dívidas e a mulher diz ter pagado uma de R$ 200 mil jogando na Betse, o que é vedado.
"Eu acho que as taxas de ganhos aqui são muito altas. Não sei se é algum bug. Mas eu ganhei R$ 300 mil dentro de um dia! Eu vou usar esse dinheiro para viajar, aproveitar a vida", diz a atriz do vídeo.
Em contato com o Núcleo, o Conar não analisou anúncios em específico, mas confirmou que o relato fornecido pela reportagem sobre o vídeo da Betse contraria recomendações do órgão. A publi foi encaminhada ao jurídico do conselho, disse sua assessoria.
Hoje, já há uma lei aprovada sobre bets no país, mas o Ministério da Fazenda ainda não licenciou nenhuma casa de apostas. Com isso, regras que exigem, por exemplo, que não haja marketing de apostas para menores já vigoram. Contudo, não há consequências claras para quem as desrespeitar, já que o setor segue operando do exterior.
"A lei fala que só vai poder fazer publicidade quem for licenciado no Brasil, mas por enquanto não tem licença, então estamos em um limbo", define o advogado Udo Seckelmann.
Leia o que o Conar disse ao Núcleo:
1) O poder de autorregulação do Conar se estende às plataformas digitais para além das mídias tradicionais? Elas costumam se adequar ou seguir as normas do conselho, em particular com relação à publicidade de bets, como no caso do Kwai? O que acontece com elas em caso de descumprimento?
2) O Conar pode exigir a retirada ou regular de algum jeito a publicidade exibida aqui no Brasil também por cassinos estrangeiros não autorizados a operar no país – neste caso, o conselho pode sancionar o cassino gringo de algum jeito?
Resposta única para as questões 1 e 2:
A autorregulamentação tem origem na vontade, em compromissos éticos voluntários firmados por entidades representativas dos setores da publicidade e pelas empresas integrantes dessas cadeias: anunciantes, agências, veículos de comunicação e meios de divulgação. Também os influenciadores têm sido chamados à adesão e respeito aos padrões éticos, vez que constituem hoje importante segmento da propaganda comercial.
É princípio básico da publicidade a equivalência das regras ao diversos formatos e meios de divulgação, de forma que estas cadeias são chamadas ao respeito às regras, em todas as estratégias publicitárias.
De um modo geral, há a convergência das políticas internas das plataformas aos princípios éticos da autorregulamentação e, como fundamento básico, o imperativo cumprimento da legislação em vigor.
Em relação aos anúncios do segmento bet, há uma robusta legislação em fase de implantação (como no caso da necessidade de registro das empresas anunciantes junto às autoridades do Ministério da Fazenda) e que cita a necessidade de atender à autorregulamentação publicitária.
A norma ética, reunida no Anexo X do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, entrou em vigor em janeiro, tendo sido fruto de convênio com as entidades do segmento, ANJL - Associação Nacional de Jogos e Loterias e IBJR - Instituto Brasileiro de Jogo Responsável.
O Anexo “X” do Código parte do imperativo cumprimento da legislação, para prever regras adicionais, correspondentes aos padrões internacionais, e vem sendo intensa e constantemente aplicado por meio de manejo de queixas de consumidores, monitoramento, notificações, processos éticos cujas decisões são divulgadas em nosso site.
3) Vários dos anúncios exibidos pelo Kwai são fraudulentos. São publicidades que remetem a apps que, por sua vez, tentam dar golpes nos usuários. Também são anúncios que fazem promessas de rendimentos irreais, como lucros diários acima de R$ 10 mil. Permitir esse tipo de material pode atrair alguma sanção do Conar contra a plataforma? Em que caso?
O artigo 1º do Código afirma: “Todo anúncio deve ser respeitador e conformar-se às leis do país; deve, ainda, ser honesto e verdadeiro”. Logo toda publicidade que incide algum tipo de fraude é reprovada pela ética publicitária.
Recebida a denúncia pelo Conar de um anúncio que possa ser enquadrado nestas características – ou sendo ela constata pela nossa monitoria – abre-se representação ética, notificando-se o anunciante, agência e influenciador, quando for o caso, garantindo-se amplo direito de defesa a eles. O caso é levado então a julgamento por uma das oito câmaras do Conselho de Ética que deliberam, se identificado problema ético no anúncio, pela alteração ou sustação da peça, podendo a recomendação ser agravada por advertência. A decisão é encaminhada às partes, que devem providenciar o seu cumprimento. Há duas instâncias de recurso no Conar, mas a decisão inicial deve ser cumprida no menor prazo possível. A tramitação rotineira de uma representação é de cerca de 40 dias. Em casos graves, pode haver sustação liminar do anúncio após a abertura da representação.
4) Um dos anúncios que vi (e gravei) foi o da Betse, a casa de apostas que ao que tudo indica é do próprio Kwai. Nele há a sugestão de que aposta paga dívidas, oferta de ganhos irreais, sugestão de que há um bug no site que permite lucros altos e os atores são influenciadores jovens. Eu gostaria de confirmar se isso vai contra as regras do Conar.
Todas as situações descritas por você contrariam recomendações do Anexo X do Código. Não foram analisados anúncios em concreto, vez que a constatação de irregularidade demandaria o procedimento acima descrito.
Como fizemos isso?
Primeiro, criamos uma conta no Kwai usando um número de celular e o atribuímos ao usuário de testes, batizado de Caio Enzo, de 13 anos. Essa é a idade mínima que a rede social estabelece para se registrar nela. Com isso, usamos a plataforma de forma livre e exploratória para entender se um menor poderia ser exposto a apostas e jogos de azar usando a rede social.
Como esse teste inicial pareceu confirmar a suspeita, criamos duas contas de e-mail no Google, batizadas de Juninho Bet e Bete Maria, respectivamente cadastrados com 13 e 12 anos. No caso de Bete Maria, ativamos o controle parental da big tech norte-americana e colocamos o repórter como "responsável" pela "criança". Fizemos tudo isso em um segundo celular.
Em seguida, nos registramos no Kwai usando esses gmails e passamos a gravar a tela ao longo da nossa navegação usando essas contas infantis. O aparelho teve o cache limpo e o app desinstalado antes de trocarmos de contas em nossa rodada de testes, do Juninho para a Bete.
Ao longo da nossa navegação no app, jogamos os games disponíveis na central do Kwai e tentamos arrecadar as moedas virtuais da rede social. Foram ao menos seis rodadas gravadas de uso, que duraram por volta de 15 minutos cada, realizadas com ambas as contas. Usamos esse material gravado como base para esta reportagem.
Também fizemos outras rodadas mais curtas de uso com o propósito de tirar prints de tela ou gravar brevemente certos recursos disponíveis no app. Todos esses testes foram rodados entre 9.mai.2024 e 30.mai.2024.