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ChatGPT chega à Câmara dos Deputados

Dois deputados inauguraram o uso de cota parlamentar para pagar assinatura de ferramenta de inteligência artificial; diretrizes internas para uso de ferramentas de IA ainda estão sendo produzidas pela casa

ChatGPT chega à Câmara dos Deputados
Esta reportagem foi disponibilizada primeiro para apoiadores e apoiadoras do Núcleo. Seu conteúdo foi aberto ao público 48h a partir da publicação.

As potenciais transformações impulsionadas por novas ferramentas de inteligência artificial têm sido alardeadas em diversas áreas — da saúde à comunicação, de segurança pública ao setor jurídico. Uma área específica, no entanto, continua fora dos holofotes por enquanto: a atividade legislativa.

Na esteira de incentivos ao uso e desenvolvimento de IA em um dos principais eventos desse setor, a AI Action Summit, que ocorreu em Paris entre os dias 10-11.fev.2025, o governo brasileiro lançou na semana passada uma cartilha para uso de IA generativa (IAG) no setor público.

A iniciativa, no entanto, chegou com certo atraso: dois deputados federais gastaram parte de sua cota parlamentar com a contratação do ChatGPT – ferramenta de inteligência artificial generativa desenvolvida pela empresa OpenAI – em 2024.

Luiz Phillipe de Orleans (PL-SP) e Adriana Ventura (NOVO-SP) assinaram o serviço por seis e nove meses, respectivamente, totalizando R$1.684,00 em gastos no ano. Na rubrica entregue à Câmara, os gastos dos parlamentares foram declarados como “manutenção de escritório de apoio à atividade parlamentar".

Embora o montante tenha sido módico, ele representa a primeira contratação formal registrada de um serviço de IA generativa para auxiliar diretamente na atividade de legisladores brasileiros, dando a largada em uma potencial iniciação de parlamentares em direção a esse tipo de recurso.


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Ventura informou ao Núcleo que a ferramenta foi contratada para auxiliar as atividades da Liderança do Partido Novo na Câmara.

“O ChatGPT é utilizado como suporte na pesquisa e na elaboração de notas técnicas, revisões de textos, requerimentos de informação e outros documentos”, disse ao Núcleo.

“Como o partido possui uma equipe enxuta, a ferramenta tem contribuído para otimizar os trabalhos legislativos, possibilitando maior agilidade e eficiência na execução de tarefas”, completou.

A deputada também possui um chatbot integrado a seu WhatsApp para automação de respostas a eleitores e atendimento à imprensa.

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O ChatGPT responde a perguntas e gera textos com linguagem natural gratuitamente. Na versão paga – escolhida por Orleans e Ventura – por US$20 mensais (aproximadamente R$120 reais) a ferramenta é conectada à internet para geração de respostas mais precisas, utiliza modelos de linguagem mais robustos e processa pedidos maiores, além de atender também a pedidos de geração de imagens.

O deputado Luiz Phillipe de Orleans deu uma resposta parecida. “O ChatGPT é utilizado para otimizar processos, pesquisa legislativa, análise de dados e comunicação com os cidadãos, garantindo mais eficiência e transparência. A versão paga foi escolhida por oferecer maior capacidade de resposta e agilidade", disse.

Além do Chatbot, o parlamentar também informou que utiliza as ferramentas Midjourney, que cria imagens, e Caption, gerador de legendas, para o mandato.

Foi a primeira vez que parlamentares federais declararam gastos com a ferramenta. No Senado, até o momento, não houve qualquer emissão de nota fiscal à OpenAI.

Inteligência Artificial e poder público

O uso de IA na Câmara, no entanto, não é inédito no legislativo brasileiro. Esse tipo de ferramenta vem ocupando, lentamente, espaço na rotina de parlamentares estaduais e federais poucos meses após o lançamento da primeira versão disponível para consumidores do ChatGPT, no fim de 2022.

Em 2023, deputados estaduais de Santa Catarina e do Paraná informaram que usaram a versão gratuita do ChatGPT na formulação de projetos de lei.

Respostas do chatbot também foram utilizadas para embasar votações no Plenário da Câmara. Em março de 2023, o deputado Gilson Marques (NOVO-SC) usou a ferramenta para fundamentar sua posição contrária à regulamentação de serviços de aplicativo de transporte de passageiros.

“Sugiro que consulte no ChatGPT, que tem inteligência artificial, as consequências da regulamentação da Uber. Vai ver lá: restrição à concorrência, aumento dos preços, redução da qualidade do serviço, perda de flexibilidade, limitação da liberdade de escolha”, argumentou em discurso no Plenário.

Já em 2024, o então deputado Abílio Brunini (PL-MT) informou ao UOL que contratou o software em fevereiro “para resumir projetos e acompanhar o pagamento e destino de emendas parlamentares”. O gasto não foi reportado à Câmara. 

No mesmo ano, o governador paulista Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) determinou que escolas estaduais de São Paulo passariam a utilizar o ChatGPT para a produção de aulas digitais. A decisão foi criticada pela deputada Luciene Cavalcanti (PSOL-SP) em discurso no Plenário

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Uso debatido

A aplicação do chatbot no poder público foi debatida em webinar do Laboratório Hacker da Câmara dos Deputados, ainda em 2023.

Na ocasião, analistas da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) compartilharam suas experiências com uso do ChatGPT para atendimento ao público do programa Internet Brasil e levantaram preocupações sobre a geração de respostas falsas pelo chatbot – as chamadas alucinações.

“Isso para um órgão público é muito sensível", reconheceu o coordenador do laboratório, Walternor Brandão. 

Especialistas também problematizam o tratamento de dados pessoais feito pela ferramenta. “A gente tem que ter cuidado muito de como a OpenAI vai tratar os dados que a gente trafega pela API”, aconselhou o analista Lucas Ornelas. 

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O QUE SÃO APIS? Em poucas palavras, APIs são recursos fornecidos por plataformas digitais (ou por qualquer empresa que tenha produtos digitais) para automatizar o uso da ferramenta por terceiros, inclusive com o fornecimento de dados estruturados para monitoramentos.

Meses depois, a OpenAI foi investigada pela ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados) por não ter comunicado incidente de vazamento de dados pessoais de usuários do ChatGPT. Na Itália, a ferramenta chegou a ser banida temporariamente pelo mesmo motivo.

Falta de diretrizes

Não há no regulamento da Câmara dos Deputados qualquer norma ou orientação específica sobre o uso de ferramentas de inteligência artificial por deputados, mas um trabalho para a formulação de diretrizes internas para uso de inteligência artificial está em andamento.

“A locação ou aquisição de licença para uso de software são consideradas reembolsáveis pela área técnica responsável pela Cota para Exercício da Atividade Parlamentar – desde que tenham relação com a atividade parlamentar", afirmou a assessoria de imprensa da Câmara à reportagem.

A Casa, no entanto, ajudou a construir um guia para uso de IA em parlamentos, em parceria com a União Interparlamentar, lançado em dez.2024. Disponível apenas em inglês e francês, o documento faz uma série de recomendações, entre elas a garantia de supervisão humana nos sistemas de IA e limitação do uso da tecnologia a casos com “benefícios claros e riscos gerenciáveis”.

SAIBA MAIS - Histórico de IA na Câmara

A Câmara começou a utilizar sistemas de IA em 2013, quando sistemas legislativos foram adaptados para que a então deputada Mara Gabrilli (PSD-SP) pudesse usá-los apenas com movimentos da cabeça, boca e olhos para votar. 

Desde então, outros programas foram desenvolvidos com o uso da tecnologia, como a plataforma Ulysses, robô que articula dados legislativos a partir de palavras-chave. Nenhuma, no entanto, usa inteligência artificial generativa, tecnologia presente no ChatGPT.

“Atualmente, as áreas da Câmara que trabalham com algoritmos de IA são: gestão do portal institucional; participação popular; consultoria legislativa; consultoria de Orçamento; e taquigrafia.", informaram.

Regulação em pauta

Espera-se que, ainda em 2025, o Congresso vote um projeto de lei que cria um Marco Regulatório para inteligência artificial. Aprovado no Senado no final de 2024, a proposta cria uma regulação baseada em riscos, na qual o ChatGPT se enquadraria como alto risco – sujeito a maiores exigências de transparência e fiscalização. 

Adriana Ventura se posicionou contra as propostas do PL 2338/23 que ela chama de “restrições”. 

“Entendo que é fundamental encontrarmos um caminho capaz de conciliar a segurança e a proteção dos direitos dos cidadãos com a preservação de um ambiente de liberdade essencial para a inovação”, afirmou. “Caso o Congresso consiga chegar a um texto capaz de conciliar a segurança dos cidadãos à proteção da liberdade de expressão e da liberdade de inovação, trabalharemos para aprová-lo.”

Integrante da Frente Digital – bancada que representa interesses de Big Techs no Congresso – o deputado Luiz Phillipe de Orleans também se posicionou contra o projeto de regulação.

“Regulamentações excessivas podem inibir avanços tecnológicos, prejudicar a competitividade e dificultar a adoção de soluções eficientes no setor público e privado. O foco deve ser em diretrizes que incentivem o desenvolvimento responsável da IA, sem impor barreiras desnecessárias", afirmou.

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Reportagem Ethel Rudnitzki
Arte Alessandra Ramos
Edição Alexandre Orrico e Sérgio Spagnuolo
Ethel Rudnitzki

Ethel Rudnitzki

Repórter especializada na cobertura de desinformação. Formada pela Universidade de São Paulo, fez parte das equipes do Aos Fatos e da Agência Pública.

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