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Em 16.mai.2023, uma terça-feira, o deputado federal Lafayette de Andrada (Republicanos-MG), apresentou um projeto de lei para servir como uma tão aguardada regulação de plataformas digitais.

O PL 2582/2023 foi proposto como alternativa ao chamado PL das Fake News (2630/2020), que teve sua urgência aprovada em abr.2023, mas enfrenta forte resistência na Câmara dos Deputados, especialmente por partidos de oposição.


É importante porque...

Transparência de interesses e de representação é crucial nesse momento de debate sobre regulação de redes

Frente Digital tenta emplacar regulação mais branda para empresas de tecnologia


Embora tenha poucas chances de ir pra frente agora, esse projeto de lei 2582 é emblemático por dois motivos:

  • ele pega leve até demais com as plataformas digitais;
  • e mostra que parlamentares da Frente Digital estão atuando ativamente em pautas caras às Big Tech.

O texto do PL 2630 é particularmente detestado pelas grandes plataformas porque impõe uma série de obrigações e deveres para essas companhias – alguns dos quais seriam inviáveis ou muito difíceis de realizar.

Já a proposta de Andrada vai na direção contrária e deixa de fora muitos dos pontos importantes de transparência e moderação que especialistas esperam de uma regulação.

Saiba mais sobre o PL 2630 aqui e o 2582 aqui

Tem um motivo pelo qual o projeto de lei apresentado por Andrada é mais amigável às empresas de tecnologia: o deputado é presidente da Frente Digital – apelido da Frente Parlamentar Mista da Economia e Cidadania Digital, grupo composto por deputados e senadores que atua em pautas de tecnologia e economia digital no Congresso.

Criada em 2019, essa frente é diretamente ligada a grandes empresas de tecnologia – plataformas digitais, apps de entrega, serviços de hospedagem – e faz pouco esforço para esconder essa ligação.

COMPOSIÇÃO

O PL, maior partido da oposição, lidera o número de signatários (50) no requerimento para formalização da nova composição da Frente Digital na Câmara, protocolado em 27.mar.2023, junto a outros partidos mais à direita, como Republicanos e União Brasil.

Mas nesse grupo também há deputados do PT e até do PCdoB (partido do relator do PL 2630, Orlando Silva).

Gráfico Interativo

O requerimento teve assinaturas de 204 deputados federais de 19 partidos.

Gráfico Interativo

Os 12 senadores ainda em atividade que constam em lista de 2019 – incluindo o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG):

  • Alessandro Vieira (PSDB-SE)
  • Irajá Silvestre Filho (PSD-TO)
  • Izalci Lucas (PSDB-DF)
  • Jaques Wagner (PT-BA)
  • Jorge Kajuru (PSB-GO)
  • Otto Alencar (PSD-BA)
  • Plínio Valério (PSDB-AM)
  • Rodrigo Cunha (União-AL)
  • Rodrigo Pacheco (PSD-MG)
  • Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB)
  • Weverton Rocha (PDT-MA)

A diretoria da Frente Digital é composta por:

  • Deputado federal Lafayette de Andrada (Republicanos-MG) - Presidente
  • Deputado federal Zé Vitor (PL-MG) - Vice-presidente
  • Deputado federal Mendonça Filho (União Brasil-PE) - Vice-presidente para Congresso
  • Senador Laércio Oliveira (PP-SE) - Vice-presidente para Senado
  • Deputado federal Evair de Melo (PP-ES) - Secretário-geral

Veja a lista completa de deputados signatários aqui

Think-Tank

A Frente Digital está ligada ao Instituto Cidadania Digital, um think-tank que diz facilitar a "interlocução entre o ecossistema digital e o Congresso através do secretariado-executivo da Frente Parlamentar da Economia & Cidadania Digital".

O ICD, inclusive, além de fornecer subsídios para os parlamentares também funciona como o secretariado da Frente Digital – inclusive, a assessoria de imprensa contatada pelo Núcleo atua pelos dois lados.

Apesar disso, o instituto afirma que "o Instituto Cidadania Digital e a Frente Digital são organizações independentes".

Print de descrição no site da Frente Digital

O ICD foi formalizado em mar.2022 e, segundo seu site, tem Felipe Melo França atualmente ocupa o cargo de diretor-executivo.

França já foi assessor legislativo dos deputados Luciano Bivar (União -PE) e Vinicius Poit (ex-deputado do Novo e ex-presidente da Frente Digital), além de ser conselheiro do movimento Livres, um grupo suprapartidário em defesa do liberalismo.

O Conselho Administrativo da ICD é composto apenas por homens. Dois deles – João Paulo Nemoto Sabino de Freitas e Ricardo Leite Ribeiro – são funcionários do iFood e da Uber, respectivamente.

Em resposta a questionamentos do Núcleo (mais detalhes ao fim da reportagem), o ICD informou que "tem como objetivo informar os parlamentares, reunir insumos e conectar os signatários da Frente Digital às pautas da economia e cidadania digital que são relevantes à sociedade e à indústria".

Segundo eles mesmos, o ICD auxiliou a Frente Digital na produção de quatro leis, todas "de interesse direto da sociedade civil e dos brasileiros da ponta":

ASSOCIAÇÕES

Segundo seu estatuto, o ICD tem duas empresas associadas:

  • Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec)
  • Câmara Brasileira de Economia Digital (Câmara e-net)

O representante da Amobitec no ICD é João Paulo Nemoto Sabino de Freitas. No estatuto do instituto, seu email aparece com o sufixo @ifood.com.br . No termo de adesão do iFood ao Programa de Enfrentamento à Desinformação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), assinado em ago.2022, Sabino é apresentado como um dos representantes da empresa.

"O ICD é uma entidade sem fins lucrativos e independente da Frente Digital, mantido por associações setoriais de tecnologia, como a Amobitec, ALAI e Câmara-e.net, conforme informações disponíveis no site oficial e publicadas abertamente. Atuamos de forma transparente realizando advocacy por um Brasil mais conectado", disse a organização.

O Núcleo perguntou quanto o ICD recebe dessas organizações, mas isso não foi respondido.

Ajude o Núcleo a fazer investigações relevantes. Custa apenas R$10.

RELAÇÕES COM BIG TECH

A Amobitec e a Câmara e-net têm como associadas dezenas de empresas do setor de tecnologia, como Amazon, iFood, Flixbus, Uber, Buser, 99, Airbnb, QuintoAndar, Rappi, Shein.

As principais redes sociais são associadas à Câmara e-net: Facebook, Google, Kwai, Twitter, TikTok.

O vice-presidente de Estratégia da Câmara e-net é Marcelo Lacerda, diretor de Relações Governamentais e Políticas Públicas do Google. Foi Lacerda quem assinou o editorial contra o PL 2630 que o Google exibiu na sua página principal – e que levou a uma avalanche de reações do poder público.

Na diretoria, também aparecem outros nomes das big techs, como Murillo Laranjeira, diretor sênior de políticas públicas da Meta.

O Instituto Cidadania Digital, segundo seu site, é mantido pela Amobitec, pela Câmara e-Net e pela Asociación Latinoamericana de Internet (Alai), também financiada por empresas de tecnologia.

SAIBA MAIS - Contra o 2630

A posição da Frente, assim como as das Big Techs, é a de que a versão atual do projeto de lei 2630 foi pouco debatida e pode prejudicar negócios nas redes sociais.

Em uma carta conjunta do final de abr.2023, Câmara e-Net e Alai, duas das mantenedoras do ICD, disseram que a versão atual do PL "agrava riscos de controle estatal" devido à figura do "órgão emissor", dispositivo que foi mantido no texto depois que o relator, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), suprimiu a previsão de uma entidade reguladora autônoma. 

A carta também apresenta inverdades ou informações exageradas, como a afirmação de que o PL obrigaria plataformas a remunerarem veículos que propagam "fake news". Na realidade, a versão atual do texto tem parâmetros vagos e não deixa claro quais critérios específicos serão usados para definir veículos jornalísticos. 

Como fizemos isso

Esse especial é baseado inteiramente em informações e documentos públicos nos sites da Frente Digital, da Câmara dos Deputados e do Instituto Cidadania.

Os dados de signatários da bancada foram tabulados pelo Núcleo e estão disponíveis neste link.

O Núcleo contatou a assessoria da Frente Digital e do ICD (é a mesma) na terça-feira (23.mai.2023). A Frente ainda não enviou seu posicionamento às mesmas perguntas.

Perguntas feitas pelo Núcleo

  1. O ICD compõe o secretariado da Frente Digital. Quais são os trabalhos que isso representa (exemplo: assessoria jurídica, dia a dia operacional etc.)?
  2. O ICD pode escrever PLs inteiros a serem apresentados pelos congressistas da Frente, ou o apenas fornece insumos para a criação dessas proposições?
  3. O Instituto tem como associados e financiadores associações de empresas de plataformas digitais. Vocês vêem algum conflito de interesses com o trabalho de vocês na Frente Digital, especialmente porque algumas proposições sugeridas pela frente beneficiam diretamente os interesses dessas empresas?
  4. Vocês podem divulgar quanto foi recebido pelo ICD de seus mantenedores (Amobitec, Alai e Camara e-net) até agora?
  5. A Frente Digital teve assinaturas de 19 partidos para seu registro. No entanto, partidos de oposição ao atual governo (PL e Republicanos) são predominantes. Como funciona o multirateralismo partidário na Frente? É possível evitar que se torne um instrumento de oposição?
  6. Quantos eventos oficiais (conferências, audiências etc.) a Frente Digital realizou com parlamentares desde sua criação?
  7. Dada a correlação direta do ICD com empresas de tecnologia, é possível dizer que o ICD faz lobby das plataformas digitais junto a parlamentares (e aqui eu não estou demonizando a palavra lobby, que é uma atividade comum e lícita para muitos setores)
  8. Qual a composição atual da Frente Parlamentar? O máximo que achei foi a lista de autores do REQ 920/2023, com 19 partidos e 204 deputados. Posso considerar essa lista?

Veja a resposta do ICD na íntegra

O Instituto Cidadania Digital (ICD) é uma entidade sem fins lucrativos que, à convite da Frente Parlamentar Mista da Economia e Cidadania Digital, conforme consta no estatuto da Frente Digital apresentado à Mesa Diretora, auxilia os parlamentares e assessores buscando reuní-los em torno das pautas relevantes à economia e cidadania digital. Acreditamos que a Frente Digital é a representante do ecossistema digital e, com as ferramentas necessárias, poderá elaborar as melhores políticas públicas para o Brasil do futuro

O trabalho do ICD tem como objetivo informar os parlamentares, reunir insumos e conectar os signatários da Frente Digital às pautas da economia e cidadania digital que são relevantes à sociedade e à indústria. Assim, desde sua criação, o ICD atuou ativamente apresentando insumos e auxílio técnico na produção de quatro leis: a LEI COMPLEMENTAR No 182, DE 1o DE JUNHO DE 2021 (Marco de Startups), a LEI No 14.129, DE 29 DE MARÇO DE 2021 (Lei do Governo Digital), a LEI No 14.510, DE 27 DE DEZEMBRO DE 2022 (Lei da Telemedicina) e a LEI No 14.533, DE 11 DE JANEIRO DE 2023 (Política Nacional de Educação Digital), todos de interesse direto da sociedade civil e dos brasileiros da ponta. Em função de nossa atuação, fomos reconhecidos com a Medalha Mérito Legislativo destinada a condecorar instituições que tenham prestado serviços relevantes ao Poder Legislativo ou ao Brasil.

O Instituto Cidadania Digital e a Frente Digital são organizações independentes. Como exemplo da independência de cada organização, no dia 16 de maio o deputado federal Lafayette de Andrada (Republicanos/MG), eleito por seus pares como presidente da Frente Digital, apresentou o Projeto de Lei (PL) 2582/2023, que trata da regulação das redes no Brasil. O Instituto Cidadania Digital não participou nem da concepção ou da produção do texto, do qual o ICD não teve sequer acesso antes de seu protocolo. Este é um exemplo da independência das instituições, pois o PL 2582/2023 embora introduza novas saídas se comparado ao PL 2630/20, apresenta também diversos pontos divergentes ao interesse do ecossistema digital, à exemplo dos dispositivos de remuneração jornalística, de regras publicitárias e de imunidade parlamentar.

Portanto, o ICD é uma entidade sem fins lucrativos e independente da Frente Digital, mantido por associações setoriais de tecnologia, como a Amobitec, ALAI e Câmara-e.net, conforme informações disponíveis no site oficial e publicadas abertamente. Atuamos de forma transparente realizando advocacy por um Brasil mais conectado.

Texto Laís Martins
Artes Rodolfo Almeida
Edição e interativos Sérgio Spagnuolo

As artes do texto foram atualizadas às 23h58 de 25.mai.2023 para uma correção: a Shein faz parte da Câmara-e.net, não da Amobitec.

Texto atualizado às 10h53 de 26.mai.2023 para alterar referência ao PSOL, que dava a entender que deputados do partido constavam entre assinantes da requisição de 2023. Na verdade, eles fizeram parte da requisição de 2019, como consta na tabela.