Ainda estamos na pré-história dos formatos jornalísticos

Na internet as possibilidades são infinitas, mas nosso padrão ainda é foto + tijolão de texto.
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Linha Fina é uma coluna de opinião sobre mídia e jornalismo

"Por que o Microsoft Word ou o Google Docs até hoje imitam uma folha de papel real?"

Penso sempre nessa pergunta que escutei de um professor da pós-graduação em Jornalismo Multimídia, na PUC-SP. Com tantas possibilidades que o computador com conexão à internet oferece, por qual motivo continuar na mimetização do mundo físico?

Não são apenas os programas de edição de texto: matérias em sites jornalísticos também imitam o modelo linear e retangular de foto + texto como se fossem jornalões impressos.

Fazia muito sentido em 1995, afinal é preciso partir de alguma referência. Mas a gente já deveria ter evoluído e aprendido a contar histórias de outras formas. Há ótimos exemplos que fogem desse padrão, mas que ainda são uma gota d'água de criatividade num oceano de tijolões de texto.

Kat Downs Mulder, chief product officer e managing editor do Washington Post, disse no Web Summit 2021 que "a maioria dos produtos de notícias (95%) são palavras escritas, mas o Instagram é extremamente popular e 95% visual. Há um desejo por uma experiência mais dinâmica e há muito a ser explorado em torno dos formatos de notícias e de tornar as coisas fáceis para as pessoas consumirem notícias”. Mais claro impossível.

Uma análise do BuzzSumo em mais de um milhão de artigos reforça a fala de Mulder: uma história de texto com uma imagem a cada 100 palavras tem muito mais probabilidade de se tornar viral do que um artigo com menos elementos visuais.

Por que, afinal, os veículos jornalísticos não investem mais em outros formatos, já que tudo indica que é o que os leitores querem consumir? Aceito sugestões de respostas.

A conta não fecha: lutamos para arrancar alguns minutos de leitura enquanto pessoas passam horas por dia em apps como Instagram e TikTok. E nem tudo é besteirol: as redes estão cheias de histórias sérias com engajamento milionário. A diferença fundamental está na forma de apresentar e contar essas narrativas.

Sei que um dos maiores hits (não só de audiência, mas também de impacto) da história do Nexo é "O seu salário diante da realidade brasileira", uma calculadora interativa que coloca em perspectiva a renda do leitor em comparação com a da maioria da população. Simples e efetivo, feito em 2016 e atualizado em 2018. O motivo pelo qual o Nexo não investiu mais formatos interativos depois do sucesso avassalador deste conteúdo ainda é um mistério para mim.

Gostaria de ver (e fazer) mais histórias assim. Como essa calculadora do Nexo, como o projeto do extinto Risca Faca que recontou o massacre do Carandiru em tempo real no Twitter ou o perfil no Instagram Eva Stories, que conta a história de uma adolescente vítima do Holocausto como se a própria menina tivesse um Instagram na época.

O Núcleo experimenta novos formatos. Fazemos newsletters diferentes que batem mais de 40% de taxa de abertura, num mercado onde 20% já é motivo de comemoração. Uma delas é o Garimpo, que trouxemos para o site. Também acreditamos que jornalismo pode ser aplicação tecnológica e construímos duas delas: o Monitor Nuclear e o Science Pulse.

Mas a maior parte de nossas matérias são bem tradicionais em termos de formato, apesar de não serem blocões de texto e sempre contarem com elementos visuais. Mas espero que em 2022 mergulhemos de cabeça nesse mar onde hoje estamos só com a pontinha do pé.

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