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Apesar de ter recebido o apelido de “Elefante Enamorado”, esse mamute em uma pintura rupestre, na caverna de Pindal, Espanha, pode ser um dos mais antigos exemplos conhecidos de uma ilustração com propósitos informativos, um ancestral da ilustração científica. Isso se estiver correta a hipótese de que seu objetivo era ensinar a outros caçadores onde se localizava, anatomicamente, o coração do animal.

Ou pode ser que a ilustração, que tem entre 17 e 22 mil anos, represente apenas um mamute ferido. Talvez nunca saibamos (discussão aqui).

Mas se esse desenho já era belíssimo, desde a estética até tudo que pode evocar, da Era do Gelo em diante refinamos os traços, como mostram os famosos estudos de anatomia de Leonardo da Vinci.

E os desenhos clássicos da ilustração naturalista de Ernst Haeckel, que foi um grande divulgador da Teoria da Evolução.

Ilustrações de Ernst Haeckel. Capa do livro: reprodução Editora Prestel

Hoje, alguns séculos depois, continuamos reconhecendo conexões inseparáveis entre ciência e arte, intencionais ou não, como testemunham os trabalhos de Carolina Frandsen.

Mas o que é, afinal uma ilustração científica? Em uma série de textos no Blogs Unicamp, a própria Carolina, que também é doutora em biologia, traz essa definição:‌‌

(...) Uma simbiose entre arte e ciência, na qual beleza estética não é prioridade, mas a capacidade comunicativa é essencial.‌‌

O objetivo desse tipo de ilustração é ser “útil e acurada – permitindo aos cientistas formular ou demonstrar modelos, teorias e hipóteses”, servindo tanto para pensar a própria pesquisa como para comunicar seus resultados, seja a outros cientistas, seja ao público não especializado.

É "dar vida à história que os dados contam", como disse Ana Letycia Garcia neste curso.

Carolina Frandsen aborda também a primeira dúvida que costuma surgir para quem não é da área: por que desenhar se podemos fotografar?

"A ilustração permite realçar e explicar informações de um modo que outras ferramentas não são capazes de fazer, e é um recurso imprescindível para a evolução do conhecimento, seja por permitir explorar conceitos e analisar hipóteses, seja como ferramenta educativa."

Além disso, explica ela, muitos processos físicos, químicos e biológicos são, essencialmente, invisíveis.

O poder de “tornar o invisível visível” continua sendo fundamental para a evolução do conhecimento.

Por exemplo: não é possível fotografar uma proteína como um anticorpo. Saber a fórmula da sua molécula tampouco esgota o assunto: a estrutura tridimensional, isto é, a forma no espaço de cada proteína, faz uma diferença enorme na sua função.

O doutorando em biotecnologia e divulgador científico Wasim Syed começou a fazer ilustrações científicas pensando em explicar de forma didática o funcionamento das vacinas e outros temas da área. Mas ele também produz ilustrações de biomoléculas com um viés mais artístico do que informativo. "Embora em muitas delas eu associe informações da literatura", conta.

"Eu sinto uma necessidade imensa de fazer com que as pessoas se interessem pela natureza por meio da ciência. Não é preciso procurar filosofias pseudocientíficas para ver beleza na natureza, até mesmo em coisas minúsculas e invisíveis, como proteínas", revela.

Técnicas e estilos

O ilustrador Luís Gustavo Barretto destaca que a imagem também ajuda a resolver problemas de interpretação que possam vir a atrapalhar o entendimento de uma descrição verbal. Se no surgimento da fotografia muitos temeram que a ilustração estava condenada à extinção, hoje sabemos elas podem conviver e se complementar.

Assim, sob o guarda-chuva da ilustração científica cabe muita coisa: infográficos, desenhos de observação, como as ilustrações naturalistas, aproximações anatômicas, diagramas...

E a técnica pode ser variada, incluindo desde as mais tradicionais (aquarela, grafite, lápis de cor, nanquim) até as digitais, de imagens vetorizadas a animações 3D. A escolha depende do objetivo e do que se quer comunicar.

Memes e ícones

Muitas ilustrações científicas se tornaram verdadeiros ícones culturais ou memes, como argumenta o pesquisador em biologia de sistemas Marco Hein. Não tanto no sentido do humor, e sim naquele proposto pelo criador do termo, o biólogo Richard Dawkins: unidades de herança cultural que se replicam e evoluem. “Isso requer uma combinação de originalidade, estética simplicidade e precisão científica”, argumenta Hein.

Ele reuniu em uma thread no Twitter alguns casos de ilustrações elevadas a esta categoria.

Por exemplo, os tentilhões de Charles Darwin. As diferenças graduais nos tamanhos e formas bicos dos tentilhões da Ilha de Galápagos que foram observadas por Darwin fizeram ele imaginar que as espécies poderiam ter surgido de um ancestral comum, se dividindo a partir de adaptações para o tipo de alimento disponível - hoje se sabe que a ecologia alimentar não é o único fator determinado a seleção de adaptações no bico. De qualquer forma, a ilustração popularizada tornou-se um ícone da ideia de seleção natural. E também dá margem às piadinhas internas de cientistas.

E se você deseja se aprofundar no assunto "ilustrações científicas", tem o Congresso Nordestino de Ilustração Científica, que acontece em abril.

Você também pode encontrar no YouTube um bom número de aulas, palestras e entrevistas. Deixo, a seguir, algumas recomendações.

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