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2022 tem sido um ano estranho. O mercado de tecnologia, em franco crescimento após a catástrofe da bolha pontocom, mais de vinte anos atrás, teve uma ascensão espetacular e tornou-se o mais valioso do planeta. Agora, porém, a maré virou e o que era bonança virou um tsunami de notícias ruins nos últimos meses: demissões em massa, desvalorizações bilionários, quebras generalizadas.
O que está acontecendo?
Você assiste ao noticiário? Se sim, deve ter alguma ideia. É a economia, claro. O setor de tecnologia tem sofrido com uma ressaca generalizada dos mercados, causada pelos efeitos duradouros da pandemia, lockdowns recentes na China, inflação elevada, juros em patamares recordes.
Os principais efeitos dessa caixa de Pandora da economia são o encarecimento do dinheiro e a diminuição dos incentivos para investimentos arriscados, algo inerente à renda variável e ao universo de startups.
Para as startups, a torneira de dinheiro, que até 2021 jorrava, agora secou — os investidores estão mais seletivos nas suas escolhas, mais rigorosos nos “valuations” e menos generosos nas rodadas. Torrar dinheiro em benefícios espetaculares e mobiliário de escritório modernoso começou a pesar.
Em outras palavras, ficou mais difícil convencer alguém que tem muito dinheiro a investir uma parte dele na sua ideia.
Para as empresas já listadas na bolsa, as de capital aberto, as turbulências provocadas pela inflação e por gargalos logísticos colocam em xeque a única métrica que importa: o crescimento.
Em ambos os casos, a lógica desse momento é de que é melhor ter 8–10% de lucro garantido em investimentos conservadores, de renda fixa e bancados pelo governo, do que fazer apostas arriscadas (uma redundância, aliás) em startups e no mercado de ações – apostas que podem dar muito certo, mas que em igual medida podem causar prejuízo e, em casos extremos, transformar dinheiro em pó.
Empresas de tecnologia, que em outros cenários desafiadores escaparam ilesas e até cresceram — pense nas que oferecem soluções de trabalho remoto durante a pandemia —, desta vez não conseguiram escapar do contágio.
Não é que elas tenham, de uma hora para outra, virado negócios ruins. As enormes empresas norte-americanas, por exemplo, continuam dando lucros bilionários em 2022, a despeito de desvalorizações vertiginosas dos seus papéis nas bolsas. Apple, Google e Amazon, por exemplo, parecem pouco menos afetadas pela turbulências por enquanto.
O problema é que as perspectivas de crescimento, o principal motor de valorização, foram abaladas pela alta inflação no mercado doméstico dos EUA, o que gera repercussòes no mundo inteiro. Esse é o maior aumento generalizados dos preços em solo norte-americano em décadas e representa um freio nos gastos do consumidor.
Soma-se a isso infindáveis gargalos na cadeia logística mundial, como a crise dos chips e os lockdowns chineses. Essa mistura é um caldo azedo para o setor de tecnologia que impõem limites externos ao potencial de geração de receita.
É como disse um investidor brasileiro dia desses, numa conversa para outra pauta: “Americano nunca passa por crise; quando passa [por uma], fica assustado.”
Subgrupo em fogo baixo
Para um subgrupo de empresas de tecnologia, porém, existe um fator extra que se soma ao caldeirão de desastres deste pós-pandemia: a privacidade no centro das atenções.
Empresas que dependem de publicidade invasiva — as nossas conhecidas Meta, Alphabet (Google), Twitter, Snap… você sabe de quem estou falando — têm sofrido com ações de governos, em especial da União Europeia, e da Apple, no sentido de expôr práticas controversas e combatê-las.
Quando, em abril de 2021, a Apple obrigou todos os aplicativos do iOS a pedir autorização dos usuários para manter a devassa de dados em outros aplicativos, todo esse subgrupo de empresas foi diretamente afetado. Em uma conferência com acionistas em fevereiro de 2022, David Wehner, CFO da Meta, estimou que essa alteração no iOS custará US$ 10 bilhões à empresa em 2022.
Outras empresas com modelos de negócio similares, como a Snap, também sentiram o golpe.
Naquele mesmo dia em fev.2022, a Meta anunciou a primeira retração da base de usuários desde a sua fundação. A confluência de más notícias culminou na maior desvalorização em um dia da história do capitalismo: US$ 251,3 bilhões evaporaram do seu valor de mercado em 24 horas.
Em set.2021, no ápice, o valor de mercado da Meta rondava US$ 1 trilhão. Na tarde de quinta (7.jun), era de US$ 465,3 bilhões.
E ainda tem o TikTok fungando no pescoço de Zuckerberg. E novas leis europeias, que visam colocar freios nas práticas anticompetitivas das big techs norte-americanas e aumentar a responsabilidade das que trabalham com conteúdo gerado por usuários, na boca do forno.
Não é de graça que Zuckerberg esteja fazendo uma aposta existencial no metaverso. Mais do que a próxima fronteira da relação humano-máquina, o metaverso é uma tentativa ousada (desesperada?) de escapar da dependência que todo mundo tem de Apple e Google, donos de iOS e Android, os “gatekeepers” do nosso acesso ao digital e à internet.
O que acontecerá daqui para frente, só com uma bola de cristal para antecipar. Eu não sou vidente, nem economista. Quem é diz que ainda teremos turbulências no curto prazo. Quanto ao metaverso, ainda é cedo para análises — é uma aposta de uma década.