Entre as muitas medidas adotadas pelo Ministério da Justiça para tentar conter a escalada de conteúdos com apologia e incentivo a ataques em escolas brasileiras, figura uma medida que vai dar muito trabalho com pouco resultado: bloquear IPs de usuários.
Um dos incisos da nova portaria, publicada nesta quinta-feira (13.abr.2023) diz que a Secretaria Nacional de Segurança Pública deverá orientar redes sociais a não permitir a criação de novos perfis a partir de endereços de IPs nos quais já foram detectadas "atividades ilegais, danosas e perigosas".
Parece uma diretiva razoável – afinal, aparentemente tem o poder de impedir que apoiadores de crimes publiquem conteúdo de incentivo à violência.
Mas essa medida ignora certas dinâmicas básicas da internet, e o efeito disso é pouca eficácia e muito trabalho.
Números de IPs (protocolos de internet) são basicamente endereços de computadores em formatos numéricos. Eles servem para que máquinas e servidores conversem uns com os outros, não para identificar pessoas.
A Anatel tem tentado bloquear aparelhos de gatonet a partir de endereços de IPs, com algum sucesso, ao atacar os IPs de fornecedores e não dos consumidores. Mas a própria agência admite que é "impossível" acabar com conexões ilegais por essa via.
São inúmeras formas possíveis de dar a volta na identificação de seus números de IPs – sem precisar ser muito técnico. Qualquer pesquisa no Google retorna alternativas como:
- Utilização de navegadores de internet que podem mascarar IPs, como TOR ou Brave;
- Utilização de VPNs (redes virtuais privadas), que são muitas vezes gratuitos ou bem baratos;
- A simples troca de um aparelho por outro;
- Utilização de computadores de escolas ou bibliotecas;
- Utilização de dispositivos de terceiros (tipo amigos e familiares);
- Em muitos casos, o simples ato de desligar e ligar o roteador de internet atribui um novo endereço IP para a conexão, já que os provedores fornecem IPs dinâmicos em conexões residenciais.
Não é possível esconder um endereço de IP da operadora de telefonia, afinal é ela quem fornece a conexão. Mas é possível esconder dessas empresas o conteúdo e o destino de uma conexão por meio de VPNs, assim a companhia não saberá os sites por onde a pessoa passou nem os dados enviados – inclusive porque redes sociais têm protocolos criptografados.
Além disso, a portaria é destinada a plataformas de redes sociais, não a operadoras de telefonia, que sequer são citadas no texto.
