O apagão nos serviços do Facebook por 5 horas na tarde de segunda-feira (4.out) enviou uma onda de choque em vários lugares do mundo todo e expôs o nível de dependência que muitos setores econômicos possuem em produtos da maior empresa de redes sociais do mundo.
O caso é muito maior do que parece. A interrupção não afeta apenas a publicação fotos de gatinhos ou memes sobre capivaras e futebol.
Nos últimos anos, o Facebook se expandiu tanto que seus produtos não são apenas mais um centro de notícias e debates ou um ponto de encontro entre amigos, familiares e pessoas com o mesmo interesse, mas também intermediários econômicos e profissionais.

O Núcleo selecionou algumas das principais conversas acerca do impacto desse apagão e de nossa necessidade por esses produtos:
1. Pequenas empresas
Muitos empreendimentos de pequena escala utilizam plataformas do Facebook para vender produtos, serviços ou se comunicar com clientes. Um apagão de 5 horas significa a interrupção nos negócios para milhões de pequenas empresas em todo o mundo.
A pauta interessante, pra mim, é sobre o impacto da queda do Facebook nos pequenos negócios. Encanador e faxineira precisam do Zap, refeições congeladas e personal Instagram, e um sem número de serviços usam Facebook como home, a DM como SAC, etc. 7h offline é muito prejuízo.
— Pedro Burgos #Use 😷 (@Burgos) October 4, 2021
A queda do WhatsApp pode ter sido a mais consequente. Além de fazer a comunicação com clientes, o app de mensagem também processa pagamentos e serve para realizar agendamentos e fazer encomendas, especialmente de comida. Cerca de 70% usam serviços de mensagens com o Zap e o Facebook Messenger para vender.
Por exemplo: o G1 publicou relatos de comerciantes no Distrito Federal que não conseguem nem avaliar o tamanho do tombo que tomara.
"Posso dizer que 99% dos meus clientes pedem comida pelo WhatsApp, e ele parou justamente na hora mais pesada do meu delivery. Até agora não sei o tanto de pedidos que perdi", disse uma chef de cozinha que vende marmitas.
Para além de comércios e serviços, o WhatsApp é basicamente um aplicativo default de mensagens no Brasil. Enquanto nos EUA o uso de SMS via rede celular ainda é bastante usado, por aqui praticamente todo celular tem o aplicativo.
Isso significa que equipes de empresas se comunicam por lá, advogados falam com seus clientes, famílias trocam informações e cidadãos falam com serviços públicos, como polícia e empresas de transporte.
2. Logins via Facebook
Um outro fator de impacto na queda dos serviços é que muitas pessoas usam suas credenciais do Facebook como acesso a outros serviços, como sites de jornais, serviços de entretenimento, aplicativos de entregas, ferramentas de produtividade, entre outros.
Inclusive, muitas pessoas podem utilizar essas credenciais em fechaduras e aparelhos domésticos – que ficariam desabilitados ou com capacidade limitada em caso de apagão.
Isso se soma a outros problemas já encontrados no uso de plataformas de Social Login, como em 2018 quando um ataque ao Facebook permitiu o acesso a plataformas de terceiros para os atacantes. E o uso desses plugins de autenticação para aumentar a capacidade de captação de dados do próprio Facebook.
Funcionários do FB não estão nem conseguindo acessar setores da empresa… https://t.co/P2nuqkAPwV
— Emerson Damasceno (@EmersonAnomia) October 4, 2021
3. O problema do zero rating
O acesso a certos sites e aplicativos sem cobrança de tarifas (o chamado zero rating) é uma prática comum por operadoras de telefonia móvel no Brasil.
Esse é um tema espinhoso.
Embora à primeira vista possa parecer um bom benefício – afinal, não cobrar por acesso ajuda muitas pessoas que não podem pagar – esse mecanismo ajuda a criar uma dependência em poucos sites e serviços online, reduzindo o escopo do que é a internet aberta e deixando usuários reféns de poucas empresas.
Por outro lado, fornece a muitos usuários acesso a serviços que eles não estariam dispostos a pagar, caso pudessem.
o prejuízo pra muita gente q não tem outra forma de acesso à internet é imensurável. é por isso que precisamos combater monopólios, concentração de poder e, sobretudo, os acordos desiguais que fazem com que o fb tenha acesso privilegiado. zap grátis parece bom, mas é uma prisão.
— Tatiana Dias (@tatikmd) October 4, 2021
Afinal, alguém precisa pagar a conta desse acesso "grátis", certo? Muitas vezes as operadoras contam com a parceria de redes sociais e serviços de streaming, por exemplo.
Segundo o pesquisador do InternetLab, Pedro Henrique Ramos:
"O modelo zero-rating está longe de ser uma unanimidade, e têm sido amplamente discutido e debatido na academia e junto à sociedade civil. Por um lado, acadêmicos têm reconhecido benefícios sociais no uso do zero-rating, contribuindo para a inclusão digital. Outra corrente de pesquisadores tem feito oposição a esse modelo, apresentando argumentos tanto de uma perspectiva concorrencial como também por uma perspectiva mais relacionada a discursos de liberdade de expressão e promoção de conteúdo local.
4. Concorrência pesada
Um outro problema com o tamanho do Facebook é que ele, junto ao Google, se tornou uma potência de anúncios online, controlando mais de 50% do mercado de anúncios online, segundo a Emarketer. Junto a outras Big Tech, a fatia vai pra quase 75%.
Isso significa que todo o resto do mercado online (sites de jornalismo, produtos baseados em publicidade etc.) tem que brigar pelas migalhas desse 1/4 que sobra.

5. O Facebook tem seus próprios problemas
De brigas entre acionistas a processos judiciais, basicamente desde seu lançamento o Facebook tem se envolvido em escândalos, brigas e polêmicas.
Mas esse é um momento ambivalente para empresa: nunca esteve tão forte nem tão vulnerável.
Se por um lado a companhia só cresce em faturamento, usuários, produtos, influência, por outro há um tsunami de problemas gerados por ela que constantemente vêm à tona. Como desinformação com graves consequências para a sociedade, vendas de artigos ilegais via suas plataformas e até privacidade de dados e saúde mental.
Em setembro o Wall Street Journal divulgou o Facebook Files, vazamentos internos de uma ex-funcionária que mostram que a plataforma tinha noção de várias falhas sistêmicas, desde saúde mental de adolescentes no Instagram até tratamento VIP para certas personalidades.
O jornal New York Times publicou em 21.set os planos da rede social de melhorar sua imagem ao forçar conteúdos pró-Facebook em seu próprio feed de notícias, em um projeto interno chamado Amplify. O site The Information revelou a existência dos documentos em maio.
