O Supremo Tribunal Federal começa nesta terça-feira (28.mar.2023) uma audiência pública que tratará da constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet.
A audiência pública, que contará com a exposição de dezenas de representantes multisetoriais, se dá no âmbito de dois temas que estão no Supremo, relatados pelos ministros Fux e Dias Toffoli.
Ambos tratam da responsabilidade de empresas que hospedam conteúdo na internet de retirar conteúdo problemático do ar. O tema 987, relatado pelo ministro Dias Toffoli, foi interposto pelo Facebook e trata especificamente da constitucionalidade do art. 19 do MCI.
- Esse caso diz respeito à criação de um perfil falso em nome de uma pessoa, que foi empregado para criar desavenças familiares. A mulher (que teve o perfil falso criado em seu nome) disse que, mesmo após denunciar o perfil, o Facebook não agiu para removê-lo.
- Ela buscou a Justiça e pediu indenização por danos morais. Inicialmente, a Justiça não acolheu o pedido se embasando no art. 19. Após recurso, ela teve o pedido atendido e o art. 19 foi declarado inconstitucional, o que levou o FB a entrar com a representação questionando a decisão.
O debate e os argumentos trazidos pelos diferentes representantes têm o objetivo de informar e subsidiar a resolução dos temas no Supremo. Embora não haja data marcada para o julgamento, a realização da audiência pública nesse momento sugere proximidade ou pelo menos impõe uma certa urgência ao tema, explicou ao Núcleo João Victor Archegas, pesquisador no Instituto Tecnologia e Sociedade (ITS) Rio de Janeiro.
TIMING. A audiência que ocorre nesta semana estava originalmente prevista para 2020, mas foi cancelada em função da pandemia de COVID-19. Agora, o tema volta à pauta do Supremo num contexto bastante diferente com o assunto de regulação de redes pegando fogo devido às discussões no governo e após o 8.jan.2023. Segundo o ministro Dias Toffoli, o momento atual é de "maior amadurecimento" sobre o tema.
Não à toa, a audiência conta com a incomum presença de diversos ministros do STF, o que denota a importância que o Judiciário está dando ao tema de regulação de redes.
CONSENSO? "Parece estar se formando um consenso, principalmente a partir do evento da Fundação Getúlio Vargas, realizado no início de março, de que o art. 19 do MCI está 'ultrapassado'", disse Archegas. Sobre a audiência desta semana, ele disse esperar articulação da sociedade civil destacando a importância do art. 19 e da participação multissetorial na elaboração do Marco Civil da Internet.
RISCOS. Não há como prever o desfecho do julgamento no Supremo, que pode decidir pela inconstitucionalidade total do art. 19 ou pode fazer modulações ao seu uso, mas uma derrubada do art. 19 significaria uma "mudança de incentivos" à atuação das plataformas, explicou Archegas.
Na prática, isso significa que, procurando evitar uma responsabilização civil, plataformas tenderiam a remover muito mais conteúdo que elas avaliassem como problemáticos, o que traz implicações sérias ao exercício da liberdade de expressão.
Na maneira como está hoje, o Marco Civil da Internet foi capaz de estabelecer um regime que é bastante protetivo da liberdade de expressão e desencoraja atuações mais agressivas das redes na moderação de conteúdo.
PARALELO. O tema debatido pelo Supremo nesta semana encontra paralelo com um julgamento que também está na Suprema Corte dos Estados Unidos, sobre a seção 230 do Communications Decency Act (CDA). O processo Gonzalez v. Google questiona essa lei, que isenta plataformas digitais (como a redes sociais) de ação judicial ligada a conteúdo publicado por terceiros ou por suas decisões de removerem determinados conteúdos.