Receba nossas newsletters
É de graça. Só tem coisa fina, você vai curtir!
Em alguns chans brasileiros, usuários anônimos trocam dicas sobre “melhores táticas” para encontrar e dar match com mães solteiras no Tinder tendo um único objetivo em vista: se aproximar de seus filhos e filhas menores de idade.
O Núcleo tem acompanhado discussões em fóruns anônimos online desde o fim de 2023, a fim de entender como esses espaços utilizam as plataformas digitais mais populares – seja pela referência a conteúdos de redes sociais maiores ou por se beneficiarem pela indexação de mecanismos de busca.
Foi nesse contexto que a reportagem identificou, num intervalo de 20 dias entre dez.2023 e jan.2024, três discussões relacionadas ao Tinder em um chan brasileiro com mais de 4 mil usuários – um alerta sobre como a exposição de usuários de outros apps pode respingar em chans mal-intencionados.
Esse chan, criado em 2022, tem milhares de posts sobre exploração sexual, assédio contra meninas adolescentes, “dicas” de aliciamento e outros crimes contra menores de idade.
Duas discussões, por exemplo, exploravam estratégias para otimizar o perfil e atrair mães solteiras, enquanto outra tinha como ponto central os “melhores métodos” de como drogar uma mulher no primeiro encontro.
“Não faça nada com ela logo no primeiro encontro. Faça ela gostar de você, brinque com ela, dê presentes, assim nunca vai ter risco de ela reclamar de você.”
O comentário acima foi feito em uma das discussões sobre como encontrar mães solteiras em aplicativos de namoro. No post, o usuário anexou uma foto da criança que estava no perfil da mãe, com o rosto coberto por um emoji.
Além de manifestar intenções explícitas sobre abusar da criança, o usuário também pediu dicas sobre como se aproximar da menor de idade sem o conhecimento da mãe. Ele recebeu um guia passo a passo.
Uma terceira publicação, não relacionada a menores de idade, discutia as melhores maneiras de drogar alguém durante um primeiro encontro originado de um match. A publicação continha linguagem extremamente misógina, refletindo a cultura dos chans que já é documentada nacional e internacionalmente há muitos anos.
O Núcleo também identificou discussões sobre Tinder e mães solteiras em outros chans, embora com bem menos engajamento do que o fórum citado acima.
Em um curto posicionamento, o Tinder disse que "proíbe estritamente a publicação de fotos de menores e os usuários são lembrados de seguir as regras que desencorajam explicitamente o compartilhamento de imagens de outras pessoas."
PROIBIDO, SÓ QUE NÃO
Os chans, em teoria, possuem regras de moderação que proíbem o compartilhamento de conteúdo ilegal, mas essas regras não são muito eficazes e usuários ficam livres para publicar o que quiserem.
Outras redes sociais também possuem regras sobre links que levam a chans com esse tipo de conteúdo, mas sem a devida atualização de parâmetros de moderação (como identificar domínios associados), às vezes essas referências podem ser encontradas com facilidade.
A reportagem encontrou 13 posts no X (antigo Twitter) que levam ao chan que expõe mães solteiras do Tinder. As diretrizes da rede proíbem o compartilhamento de links que redirecionem usuários para sites maliciosos ou com conteúdo criminoso. O X tem 41 moderadores fluentes em língua portuguesa.
Também foram encontradas algumas referências em comentários feitos em posts de pouca repercussão no Reddit.
Publicações relacionadas ao aliciamento ou qualquer tipo de abuso de menores de idade podem ser avaliadas sob o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que criminaliza práticas de “aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação, criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso”.
Se você mora em qualquer estado da região Norte, nos estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Alagoas, Mato Grosso do Sul ou Santa Catarina, seu estado não possui uma delegacia especializada em crimes cibernéticos.
Nesse caso, você pode compartilhar as informações com o Ministério da Justiça e Segurança Pública por meio da linha de denúncias oficial ou encaminhá-las para a Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos, da organização sem fins lucrativos SaferNet.
Contra a lei
Ao contrário das redes sociais, os chans não contam com uma empresa por trás para formular políticas de comunidade ou termos de uso.
Isso não significa que eles sejam ambientes desregulados e livres na internet. Eles são mantidos e custeados por pessoas reais, que podem ser responsabilizadas por esse conteúdo.
Publicações relacionadas ao aliciamento ou qualquer tipo de abuso de menores de idade podem ser avaliadas sob o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que criminaliza práticas de “aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação, criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso”.
Uma das acusações que resultou na condenação de Marcelo Valle Silveira Mello, o criador de um dos fóruns mais violentos do país, em 2018, foi permitir o compartilhamento de material de abuso sexual infantil de menores no site.
Outro lado
O Núcleo solicitou ao Tinder uma entrevista com um porta-voz brasileiro para entender um pouco mais sobre as políticas da empresa relacionadas à proteção dos usuários e outras pessoas que aparecem nas imagens ao lado deles.
A assessoria do Tinder negou o pedido de entrevista e enviou o posicionamento abaixo.
“Nossa plataforma proíbe estritamente a publicação de fotos de menores e os usuários são lembrados de seguir as regras que desencorajam explicitamente o compartilhamento de imagens de outras pessoas. Não toleramos esse tipo de comportamento e isso não deveria acontecer em nenhum lugar. Mantemos nosso compromisso de promover um ambiente seguro e respeitoso para os usuários, levando a sério qualquer alegação de comportamento inadequado e conduzindo investigações assim que nos é relatado. Reforçamos nossa dedicação à segurança dos usuários e à aplicação das Regras da comunidade.”
COMO FIZEMOS ISSO
Mapeamos os chans da internet brasileira a partir de dados feitos em outros monitoramentos e apurações do Núcleo sobre comunidades extremistas. Em seguida, entramos em contato com as assessorias de imprensa.
Desde o ano passado o Núcleo faz um mapeamento de chans brasileiros ativos.
- Encontramos ao menos
11
sites do tipo ativos no país, além de8
páginas de brasileiros em chans internacionais; 8
deles estão na internet aberta e outros três hospedados em serviços na dark web, protegidos pela rede Tor;- A maior parte foi criada durante ou após 2020.