A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) bolou uma nova sugestão de fiscalização de plataformas digitais, baseada em um sistema composto por três organizações com funções distintas.
A inclusão de um órgão regulador é um dos pontos centrais que está empacando a tramitação do projeto de lei 2630, o chamado "PL das Fake News".
APRESENTAÇÃO. A proposta, apresentada no sábado (13.mai.2023), foi elaborada pela Comissão Especial de Direito Digital da OAB ao deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), relator do projeto de lei.
O sistema proposto pela OAB seria composto por três instâncias:
- Conselho de Políticas Digitais (CPD): um órgão deliberativo responsável pela fiscalização e aplicação das diretrizes, composto por membros indicados dos Três Poderes, além de indicações da Anatel, Cade, ANPD e OAB federal.
- Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.Br): terá a função de "promover o debate sobre o tema no Brasil" com a realização de estudos, recomendações e diretrizes.
- Entidade de autorregulação: organização com a responsabilidade de deliberar sobre casos concretos de moderação de conteúdo.
"A implementação de um sistema verdadeiramente democrático de governança da esfera pública digital não deveria concentrar o poder decisório em um único ator"
– diz o documento, que é assinado pelos advogados Laura Schertel Mendes, Fabrício da Mota Alves e Ricardo Campos, da Comissão Especial de Direito Digital.
AUTARQUIA. O Conselho funcionará sob a forma de autarquia federal de natureza especial. Dentro dele, haverá o conselho diretor, órgão máximo de deliberação, e unidades administrativas e especializadas para fazer valer a lei.
Além disso, a proposta prevê que o CPD tenha observadores da sociedade civil, academia e setor privado, para fins consultivos.
Atribuições do CPD
Pela proposta da OAB, o CPD teria as seguintes atribuições:
I - fiscalizar e aplicar as sanções pelo descumprimento das obrigações previstas nesta Lei, mediante processo administrativo que assegure o contraditório, a ampla defesa e o direito de recurso;
II - definir, por meio de regulamentação própria, o procedimento de apuração e critérios de aplicação, garantindo-se o exercício de contraditório e ampla defesa;
III – requisitar às plataformas digitais de conteúdo de terceiros, mediante requerimento específico e em prazo razoável e especificado, acesso aos dados, documentos e informações necessários para o acompanhamento e fiscalização das obrigações impostas nessa lei;
IV - analisar os relatórios de avaliação de risco sistêmico dos provedores;
V - instaurar protocolo de segurança e realizar demais providências a seu respeito, de acordo com o estabelecido nos artigos 12 a 15 desta Lei;
VI – requisitar, receber, obter e acessar dados e informações das plataformas digitais de conteúdo de terceiros, independentemente de ordem judicial, por meio de acesso remoto, modo presencial ou modo não-presencial, utilizados em tempo real ou diferido e de forma concomitante ou não;
VII – reconhecer entidade de autorregulação, nos termos do regulamento, desde que preenchidos os requisitos desta lei;
VIII - expedir normas para regulamentação desta Lei, inclusive sobre procedimentos associados ao exercício dos direitos previstos nesta Lei, forma e maiores requisitos para a publicação de informações e relatórios de transparência pelos provedores, nos termos do §4o do art. 23 desta Lei e mecanismo e requisitos para a notificação de conteúdos ilegais pelos usuários;
IX - determinar, periodicamente, auditoria externa e independente dos provedores sujeitos à aplicação desta Lei para avaliação, no mínimo, dos aspectos listados no art. 24;
X - realizar a avaliação do dever de cuidado dos provedores, conforme disposto no § 1o do art. 11 desta Lei;
XI - promover ações de cooperação com outras autoridades de proteção da Internet no âmbito de funcionamento de provedores de outros países, tanto de natureza internacional como transnacional;
XII - celebrar, a qualquer momento, compromisso com os provedores para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa no âmbito de processos administrativos, de acordo com o previsto no Decreto-Lei no 4.657, de 4 de setembro de 1942;
Mais sobre a composição do CPD
Segundo a proposta da OAB, o Conselho de Políticas Digitais teria a seguinte composição:
- um membro indicado Câmara dos Deputados;
- um membro indicado pelo Senado Federal;
- um membro indicado pelo Supremo Tribunal Federal;
- um membro indicado pelo Tribunal Superior Eleitoral;
- um membro indicado pelo Presidente da República, que presidirá o CPD;
- um membro indicado pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel);
- um membro indicado pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD);
- um membro indicado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE); e
- um membro indicado do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Os nove membros teriam mandato de dois anos e seria permitida uma recondução ao cargo.
O projeto é comumente chamado de PL das Fake News, embora algumas pessoas não gostem do termo por não mais ter combate à desinformação como ponto principal.
Na Câmara, o projeto tem a relatoria do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP).
>> Acompanhe o PL neste link.
>> Acompanhe a cobertura de regulação do Núcleo.
AUTORREGULAÇÃO. Como parte desse sistema tripartite, haveria uma entidade de autorregulação, mantida pelas plataformas. Essa ideia havia aparecido nas sugestões do governo para o PL 2630.
Pela sugestão da OAB, será reconhecida uma ou mais entidades de autorregulação que demonstrarem:
- a capacidade de revisão de decisões de moderação de conteúdo e contas, a partir da provocação dos provedores ou dos afetados diretamente por uma decisão;
- a existência de órgão competente para tomar decisões, em tempo útil e eficaz, sobre a revisão de medidas de moderação adotadas pelos provedores;
- a independência e a especialidade de seus analistas;
- a disponibilização de serviço eficiente de atendimento e encaminhamento de reclamações;
- a definição de requisitos claros, objetivos e acessíveis para a participação dos provedores de redes sociais e serviços de mensageria privada;
- a inclusão, em seu quadro organizacional, de uma ouvidoria independente com a finalidade de receber, encaminhar e solucionar solicitações e críticas, inclusive por meio digital, e avaliar as atividades da entidade;
Além disso, a CPD poderá revogar esse reconhecimento caso alguma das condições acima deixe de ser cumprida. Essa entidade terá de emitir relatórios semestrais e aprovar resoluções que regulem seus procedimentos de análise. As decisões também deverão ser públicas.
CONTEXTO. A proposta da OAB surge como alternativa num momento em que a possibilidade de ter a Anatel como órgão regulador do PL 2630 ganhava fôlego.
Na semana passada, Orlando Silva salientou, em entrevista à Folha, que a Anatel era o caminho mais rápido e simples, embora fossem necessárias adequações.
IMPASSE. A entidade autônoma de supervisão é um dos maiores impasses nesse momento da tramitação do texto – tanto é que o relator retirou o dispositivo na versão mais recente do texto para evitar uma interdição do debate.
Na avaliação da sociedade civil, a Anatel pode até desempenhar papel no contexto de regulação, mas não pode de maneira alguma ser a entidade reguladora. Isso porque falta à agência expertise e capacidade técnica no assunto de redes sociais, em especial de moderação de conteúdo.