'Macumbeira' e 'Micheque' lideram ofensas nas redes para Janja e Michelle

Intolerância religiosa e acusações de corrupção são as principais narrativas para atacar as mulheres dos presidenciáveis no Twitter e no Instagram
'Macumbeira' e 'Micheque' lideram ofensas nas redes para Janja e Michelle
Arte: Rodolfo Almeida
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Reportagem Lu Belin (AzMina)
Edição Julianna Granjeia (Núcleo)

O MonitorA é um observatório de violência política online contra candidatas(os) a cargos eletivos.O projeto é uma parceria entre AzMina, o InternetLab e o Núcleo Jornalismo. A iniciativa é financiada por Luminate e Reset. A metodologia pode ser consultada aqui e aqui.


⚠️Atenção: A reportagem abaixo mostra trechos explícitos de conteúdo misógino, de ofensas sexuais e de intolerância religiosa. Optamos por não censurá-los porque achamos importante exemplificar como o debate é violento na internet, como a violência política contra mulheres se espalha pelas redes e é sexista em suas formas, como podemos identificá-la e quais termos foram direcionados às postulantes a primeira-dama.

Levantamento do MonitorAobservatório de violência política online desenvolvido por AzMina, InternetLab e Núcleo Jornalismo – revela que intolerância religiosa e acusações de corrupção, além de misoginia, são as principais narrativas dos ataques à Janja Silva, mulher de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e de Michelle Bolsonaro, casada com Jair Bolsonaro (PL).

Em duas semanas, Janja recebeu ao menos 799 ataques e Michelle Bolsonaro 273, segundo os dados do MonitorA. Foram analisados cerca de 7.000 interações no Twitter e no Instagram com termos potencialmente ofensivos entre 26 de setembro e 9 de outubro (leia mais sobre a metodologia no final do texto).

Os xingamentos à socióloga Rosângela Silva, conhecida como Janja, estão principalmente no Twitter, onde uma em cada cinco publicações analisadas eram ofensivas. No Instagram, a esposa de Lula recebeu 48 ofensas e insultos em duas semanas, presentes em 15% das interações.

Já a atual primeira-dama, Michelle Bolsonaro, que só tem perfil oficial no Instagram, recebeu 273 ofensas, percebidas em 8% dos comentários analisados.

O ódio às mulheres é comum

A misoginia foi a categoria que mais apareceu entre os ataques — quase um terço das ofensas a Janja no Twitter, e 10% das ofensas para Michele no Instagram.

A principal narrativa é xingar Janja através do marido, com termos como “mulher de ladrão”, “esposa de bandido” e “cuidadora de idoso”, entre outras variações. Além disso, ela também é chamada de “janta”, “oportunista”, “baranga”, “amante”, “vagabunda” e “doida”.

No caso de Michelle, os comentários misóginos usam algumas palavras que também são dirigidas à Janja, como “oportunista”, “feia” e “cuidadora de idosos”, além de “fraquejada”.

Em outros casos, os haters vão mais longe e apelam para ofensas e assédio sexual. Nestes, usam palavras explícitas de baixo calão, fazem insinuações sexuais em relação às mulheres ou à vida sexual dos casais.

As discussões sobre gênero foram centrais na campanha eleitoral em 2022. O eleitorado feminino é alvo de ambos os candidatos no segundo turno e poderá ser decisivo para o resultado do próximo domingo (30.out).

Explorar a figura das esposas foi uma das estratégias, tanto de Lula quanto de Bolsonaro, para alcançar as eleitoras, dando às duas protagonismo na corrida presidencial.

No Twitter, intolerância religiosa

Além da misoginia, chama a atenção no Twitter o volume de xingamentos que recorrem à intolerância religiosa ou fazem acusações de corrupção. Vale lembrar que discriminação e preconceito religioso são crimes no Brasil, passíveis de punição com multa e reclusão de um a três anos.

No caso de Janja, que não faz autodeclaração de religião, o número de ataques aumentou depois do primeiro turno. Se antes da votação, 12% das menções analisadas no Twitter eram ofensivas, na semana seguinte o número subiu para 27%.

Consequentemente, o uso de palavras ofensivas de intolerância religiosa também cresceu. Na primeira semana considerada na pesquisa, 3% dos ataques têm referências religiosas. Na segunda, são quase 8 vezes mais ataques do tipo, chegando a um quarto dos tuítes ofensivos.

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No Twitter, 125 posts têm palavras ofensivas sobre religião, incluindo “macumbeira”, “Pombagira”, “satanista” e “demônia”. Michelle, que não tem perfil no Twitter, recebeu no Instagram 11 ofensas religiosas em todo o período observado.

Utilizar expressões que remetem ao candomblé e à umbanda para se referir a alguém com visibilidade política pode trazer uma carga negativa e de acusação, de acordo com Jacqueline Moraes Teixeira, antropóloga e professora do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília. Ela ressalta o viés preconceituoso associado a termos como “macumbeira”.

“Muitas pessoas pensam em macumba como algo que se praticaria para fazer o mal. E, no caso da Pombagira, interpretam como alguém que tem uma sexualidade desenfreada, remetendo à moralidade, à sexualização desmedida dos inocentes. Neste contexto que vivemos, tudo isso leva ao julgamento e à desumanização das pessoas que praticam estas religiões”.

Para analisar as publicações, a metodologia do MonitorA estabelece  uma diferença objetiva entre o que insultos — publicações mais duras que uma simples crítica, mas que não chegam a ser consideradas violência política — e ataques às candidatas, que compreendemos que devem ser retirados das plataformas, por atentarem contra os direitos humanos; no caso, contra postulantes a primeira-dama.

Com essa metodologia, Janja é bastante insultada (em 17% dos tweets) com termos como “ridícula”, “patética”, “hipócrita”, “pilantra”, “mentirosa” e “falsa”. Ela também recebe ofensas morais (12%) como “ladra”, “caloteira”, “corrupta”, “maconheira” e “sem moral”.

Em menor número, aparecem ofensas de inferiorização, nojo, etarismo, desumanização, ofensa/assédio sexual, ideologia política, capacitismo/psicofobia e descrédito intelectual.

Entre os posts observados no Twitter, todos direcionados à Janja, o assunto “corrupção” foi discutido em quase metade das publicações (1.460 tuítes ou 48%).

“As esposas são postas na corrida eleitoral para somar com as propostas políticas/ideológicas dos esposos e, consequentemente, acabam também se tornando alvos das críticas e ataques. Esses ataques acabam assumindo formas de violência de gênero a fim de atingir, de alguma forma, a honra masculina do marido. Atacar as esposas também é atacar os próprios candidatos”, explica a historiadora Dayanny Deise Leite Rodrigues.

No Instagram, religião e moralidade

Enquanto o número de comentários nos posts de Janja no Instagram caiu logo após o primeiro turno, os de Michelle quase dobraram. Mesmo com menos interações, proporcionalmente, Janja recebe muito mais ofensas que Michelle.

No Instagram, a corrupção é a principal narrativa adotada pelo público, citada em 593 comentários, 518 em posts de Michelle Bolsonaro. Quase 80% deles não atacam a atual primeira-dama. Contudo, um em cada quatro comentários sobre corrupção em seus posts atacam ou ofendem Lula, e 17% elogiam ou defendem Jair Bolsonaro. Apenas 5% dos comentários em postagens de Michelle com o tema corrupção trazem ataques e ofensas ao atual presidente.

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Além de ser o principal tema do debate entre os comentadores, a corrupção também dita as ofensas à atual primeira-dama. Mais da metade dos ataques a ela são ofensas morais com acusações de corrupção. O termo “micheque” aparece 143 vezes, mas ela também é acusada de “ladra”, “corrupta” e “traficante”.

“É importante dizer que os ataques às duas estão relacionados a temas polêmicos que ocuparam o noticiário recente. Mas, enquanto Michelle é chamada de 'Micheque' em referência a um fato sobre ela mesma – o caso das rachadinhas -, para Janja, as acusações de corrupção são, na verdade, contra Lula. Não há, em nossa análise, casos que remetem à vida política de Janja após ter se tornado esposa do ex-presidente”, comenta Fernanda K. Martins, diretora do InternetLab e uma das responsáveis pela pesquisa.

As outras formas mais frequentes de hostilidade à primeira dama são insultos (16%), com comentários hostis e expressões como “ridícula”, “patética”, “hipócrita”, “mentirosa” e “vai se foder”.

Aparecem menos, mas também foram registrados, ataques e insultos de inferiorização, intolerância religiosa, ofensa ou assédio sexual, descrédito intelectual, nojo e capacitismo/psicofobia.

A influência do debate religioso

Além de ser um dos principais motivos de ataque à Janja, o debate em torno da fé e das crenças foi central, e marcou de maneiras diferentes as duas campanhas.

No Instagram, quase 500 comentários circundam narrativas religiosas (13%), e quase não há ofensas. Já no Twitter, entre os 280 comentários com esse tema dirigidos à Janja, quase metade usam a religião para atacar a esposa de Lula (132 tuítes ou 47%).

Nesta eleição em particular, as campanhas vêm manipulando diferentes elementos religiosos para conquistar o eleitorado católico e evangélico. Enquanto Janja viajou a Belém para o Círio de Nazaré, Michelle apostou em mudanças na aparência para reforçar a estética associada a mulheres evangélicas.

“Para Michelle, a religião é uma ferramenta de defesa e até as roupas dela comunicam isso — saia abaixo do joelho, não tem decote, o corte de cabelo mudou. Bolsonaro é mais velho, então, ela não pode ter uma imagem de jovialidade. Já para Janja é uma questão de ataque, justamente por ser o contraponto a algo que Michelle tem em exagero”, explica a historiadora Dayanny Rodrigues.

Os lugares ocupados socialmente pelas religiões no Brasil também contribuem para este efeito, de acordo com Jacqueline Teixeira. Segundo ela, graças aos referenciais históricos sobre “a posição da religião na construção de perfis políticos com senso ético para lidar com a política, as religiões africanas ainda estão muito à margem”.

Na prática, isso significa que as falas religiosas contra Janja são lidas como algo aceitável. Paralelamente, o repetido posicionamento “terrivelmente evangélico” de Michelle Bolsonaro “faz com que ela seja protegida dessa violência ética, pois tudo que tem a ver com sua imagem pública gera um senso de proteção e cuidado”.

COMO FIZEMOS


Janja tem 367,8 mil seguidores no Twitter. No Instagram, Michelle Bolsonaro tem 4,4 milhões de seguidores, enquanto Janja tem 343 mil. Michelle não usa Twitter.

Entre 26.set.22 e 9.out.22, o MonitorA coletou 38.017 tweets que mencionavam Janja. No Instagram, foram coletados, 30.596 comentários em posts no perfil de Janja e 239.108 no de Michelle Bolsonaro.

Selecionando somente os potencialmente ofensivos – ou seja, os que contém pelo menos um dos termos do léxico do MonitorA – restaram 3.025 tuítes e 305 comentários sobre Janja, e 3.178 comentários sobre Michelle.

Estas interações, num total de 6.498, foram analisadas uma a uma. Ao final da análise, foram encontradas 1.078 palavras ofensivas - 799 para Janja e 273 para Michelle.

Para acompanhar os levantamentos realizados pelo MonitorA, acesse aqui a página do projeto ou siga o Núcleo nas redes sociais.

Reportagem Lu Belin
Arte Rodolfo Almeida e Revista AzMina
Edição Julianna Granjeia

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