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Reportagem Laura Scofield
Esta reportagem foi feita numa colaboração entre Agência Pública, Aos Fatos e Núcleo Jornalismo para a cobertura das eleições de 2022. A republicação só é permitida com a atribuição de crédito para todas as organizações.
Este ano a campanha presidencial passou para o metaverso de vez. Apoiadores da reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL) organizaram carreatas e encontros online para defender o presidente dentro de plataformas de games como Forza Horizon, de corrida automobilística, e GTA, de ação. Ao mesmo tempo, simpatizantes de Lula (PT) usaram as redes para tentar convencer o público que jogar se tornou mais caro com Bolsonaro no poder.
Os gamers, um dos grupos que teria ajudado Jair Bolsonaro (PL) a se eleger em 2018, tem sido alvo de ações do presidente, que já fez quatro reduções de impostos nos jogos e criou um anúncio específico para a comunidade, além de vídeos que foram veiculados na TV.
Só no Google, a campanha bolsonarista gastou ao menos R$ 3,5 mil para impulsionar uma peça publicitária de pouco mais de 30 segundos em que defende que “os gamers movimentam a economia” e que o governo teria ajudado o grupo zerando impostos para videogames e reduzindo preços de acessórios e complementos. “Esse é o Brasil que nós queremos, inovador e cada vez mais conectado. Assim todo mundo passa de nível e leva o Brasil mais longe”, diz o vídeo.
Em resposta, o candidato de oposição, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também fez um aceno à comunidade gamer ao falar sobre uma cartilha de medidas no Flow Podcast. Lula defendeu criar cursos técnicos e de ensino superior para desenvolvedores de jogos, revisar a legislação de banda larga para melhorar a velocidade da internet e criar incentivos fiscais para novas empresas do setor. “Sacou que nós estamos atinados a esses problemas? É o novo mundo do trabalho”, finalizou o candidato.
Insuflados pelas campanhas presidenciais, a disputa pelo apoio dos gamers tem aparecido nos mundos virtuais e nas redes.
Motociatas gamers
Os gamers bolsonaristas buscaram mostrar seu apoio dentro dos próprios jogos, que podem ser considerados “mundos paralelos” — parecidos à proposta dos metaversos, que imitam o mundo real no digital. Eles se reúnem em jogos conhecidos como de “mundo aberto”, nos quais o jogador pode explorar cada espaço do ambiente digital de maneira independente, ou seja, sem que o jogo diga o que ele deve fazer. São ambientes em que há liberdade de criação de personagens e situações.
No dia 7 de setembro, quando Jair Bolsonaro (PL) organizou mobilizações nas principais cidades do país durante a celebração de 200 anos da independência, um grupo de fãs do antigo canal Xbox Mil Grau promoveu uma carreata no jogo de corrida Forza Horizon.
“CHAMEM A RAPAZIADA E BORA LOTAR ESSA PORRA, VENHAM COM OS CARROS PREPARADOS”, convidou o jogador e organizador Luiz Reimann no início da tarde.
Como um jogo de corrida de carros, o Forza Horizon permite ao jogador ter acesso a vários tipos de veículos online, que podem ser decorados. Para personalizar seus veículos digitais, os jogadores escolhem “skins”, que funcionam como um adesivo funcionaria no mundo real.
Eles criam os “adesivos” no jogo e colam em seus carros virtuais para que estejam decorados para as carreatas em apoio ao atual presidente — por exemplo, com adesivos verde e amarelo. No horário escolhido para o evento digital, todos os participantes entram em uma sala online criada por um jogador — no Forza Horizon, o limite dessa sala, conhecida como “lobby”, é de 60 pessoas.
O evento se resume em vários jogadores online na mesma sala mostrando seus carros e decorações personalizadas. A plataforma do jogo permite também que eles conversem entre si.
O organizador de um dos eventos do 7 de setembro conversou com a reportagem pelo Twitter e conta que o encontro no Forza Horizon é uma “tradição” de um grupo de colegas que costuma jogar junto.
“Utilizamos recursos de customização de veículos do jogo para criar skins em apoio a Bolsonaro, com a bandeira nacional e símbolos nacionais. É uma ação puramente espontânea de apoiadores, acontece em diversos jogos e nós não somos os únicos a fazer no Forza Horizon”, explicou Reimann.
“Fazemos todos os anos desde as eleições de 2018. A ideia começou com o Chief da Xbox Mil Grau e nós mantivemos ao longo desses anos”, explica. De acordo com ele, “o Chief optou por não organizar a galera”, depois que foi acusado “racismo e nazismo”.
O influenciador Christoph Schlafner e seus colegas de canal, como Henrique Martins, conhecido como Capim, disseram frases como “negros tinham que voltar pra senzala” em suas lives. Foi aberto um inquérito policial para investigar as declarações e outros posicionamentos do canal, mas o processo foi arquivado em 2020 por falta de provas. Chief disse que seus vídeos haviam sido “editados de maneira maliciosa”. Entretanto, a Microsoft obrigou o canal a mudar de nome e hoje eles não podem mais utilizar o termo Xbox Mil Grau.
Chief é apoiador declarado de Bolsonaro e já levantou suspeitas sobre a segurança das urnas eletrônicas, calcadas em desinformação. O sistema eletrônico de votação é seguro e nunca teve fraude comprovada.
Capim também defende o atual presidente e se posiciona com ainda mais frequência nas redes — chegando a endossar tortura. “Olha o que fizeram com meu garoto hoje… Esse é o Bolsonaro que amamos e queríamos”, disse Capim em 26 de outubro, ao compartilhar no Twitter vídeo de 1999 onde Bolsonaro defende a tortura e a necessidade de uma “guerra civil” que mate 30 mil pessoas para mudar o país.
Em 7 de setembro, Capim fez uma live mostrando o processo de decoração de seu carro online para participação nas carreatas.
Em 29 de agosto, Jair Bolsonaro agradeceu a um grupo que teria organizado evento semelhante, as “motociatas gamer”. O tuíte chegou a 121 mil curtidas, 9 mil retuítes e mais de 600 comentários.
No dia anterior, o presidente havia publicado um vídeo que simulava que ele estava em um desses eventos, dirigindo um carro decorado no jogo GTA San Andreas — o GTA é um jogo de ação e “mundo aberto” que se passa em cidades fictícias inspiradas em cidades reais dos Estados Unidos.
O carro de Bolsonaro estava decorado com dizeres como “é melhor Jair se acostumando” e “Bolsonaro presidente” e tocava a música O Homem Disparou, usada em diversas campanhas políticas. O tuíte chegou a 205,8 mil curtidas, 33,1 mil retuítes e 13,6 mil comentários.
Declarações de voto
Grandes canais de Youtube se envolveram na discussão política. Um caso recente envolveu o influenciador Marco Túlio, dono do canal de Minecraft, AuthenticGames, que tem mais de 20,2 milhões de inscritos no Youtube. Ele declarou seu voto a Jair Bolsonaro (PL) no Instagram e defendeu o modelo de família formada por homem e mulher, o que levou parte de sua audiência a acusá-lo de ser homofóbico.
O caso repercutiu na bolha e outros youtubers se posicionaram. Um deles foi Mikhael Línnyker, conhecido como Mike, um dos donos do canal TazerCraft, com mais de 13 milhões de inscritos no Youtube e também sobre Minecraft. Mike se opõe a Jair Bolsonaro no Twitter desde 2018 e se posiciona contrário ao atual presidente. Em uma de suas publicações criticou a gestão do governo durante a pandemia de covid-19.
A crise sanitária que matou 687 mil pessoas no Brasil foi alvo de críticas por gamers que se distanciaram de Bolsonaro. Em 3 de outubro, após o 1º turno, outro gamer conhecido lembrou da covid-19 ao declarar voto em Lula.
“Eu não gosto de nenhum desses aí, sabe mano? O pessoal acha que eu amo o L [Lula], eu não amo não, tá ligado? Eu não gosto não, mas o outro, ruim demais. Ainda mais depois de tudo que a gente passou na pandemia, minha família também… Não sei a família de vocês, mas minha avó ficou dois meses internada para o mano ficar falando que não existia pandemia. É bizarro, tá ligado? É foda”, disse Alan Alazonka, que tem 2,47 milhões de inscritos no canal Lives do Alazonka, no Youtube.
Outros influenciadores, porém, não largaram a mão do presidente. Um dos defensores de Jair Bolsonaro é o canal de Youtube Irmãos Piologo, que tem cerca de 2,61 milhões de inscritos na rede e 37,7 mil seguidores no Twitter. Em 13 de outubro, o canal produziu e compartilhou um vídeo que compara Bolsonaro a um “sorvete de limão” e Lula a um “sorvete de bosta”. “Nunca foi tão fácil escolher”, defendem os dois irmãos, que compartilharam vários posts com as hashtags como #lulaladrao #bolsonaro2022 e #mito no Twitter.
Além de fazer comentários sobre jogos, os irmãos publicam animações. Em 2020, outro canal deles, o Mundo Canibal, foi condenado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) por publicar desenhos com mensagens transfóbicas, homofóbicas e machistas e teve que indenizar a sociedade em R$ 80 mil por danos morais coletivos.
Para Ivan Mussa, professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) que pesquisa a interação entre cultura pop — que inclui games e quadrinhos, por exemplo — e questões políticas e sociais, o debate político no mundo gamer é mais uma demonstração de que o grupo não é homogêneo. Ele aponta que existe uma parcela da comunidade gamer que é mais extremista e “vocal”, e portanto faz mais barulho nas redes, mas não representa os gamers como um todo.
Em agosto, a Agência Pública entrevistou o pesquisador sobre a relação entre o mundo gamer e a desinformação.
Desinformação no Discord e o plano de Bannon
O duelo político no mundo gamer também é visto no Discord, plataforma muito utilizada no mundo gamer, de acordo com Ivan Mussa. Lá são criados servidores que unem pessoas com interesses comuns e é possível conversar por áudio ou por escrito.
A Agência Pública entrou com um perfil anônimo em 10 servidores que falam sobre política e jogos. A maior parte dos disponíveis na busca aberta — pelo Disboard, plataforma que une servidores do Discord — era pró-Bolsonaro.
No servidor Expresso da Vitória, que discute temas diversos, como jogos, política, religião e culinária, alguns usuários lamentaram o resultado do 1° turno, ainda em 2 de outubro. “Perdemo”, disse um.
O usuário Meister disse então que houve “fraude” e que Bolsonaro deveria “usar o restante de poder e alinhamento/engajamento que tem no país” para se manter na Presidência, sugerindo um golpe militar. “Olavo [de Carvalho] já avisou, se você não amarra a mão dos seus inimigos quando eles estão fracos, então você dá tempo deles se reorganizarem, ficarem fortes novamente e derrubarem você”, argumentou o usuário.
Dois dias depois, a falsa narrativa de fraude nas urnas voltou a aparecer naquele servidor: Meister compartilhou um áudio de 4 minutos e meio que afirma que “estava tudo arranjado” para o PT ganhar as eleições em 1º turno.
“O esquema da fraude era ir descontando 1 do Bolsonaro e ir colocando 0,5 pro Lula”, mas o Exército teria descoberto e parado o esquema depois de ser avisado pela “inteligência russa”. “Espalhem no zap”, pediu um usuário em 4 de outubro deste ano. A mensagem foi checada pelo G1 e é falsa.
Mesmo que a maior parte de mensagens dos servidores analisados seja a favor da reeleição de Bolsonaro, usuários simpatizantes petistas por vezes “invadem” os servidores e compartilham críticas e memes que defendem a vitória de Lula. Um usuário publicou fotos de Lula no servidor “Lugar de bolsonaristas”, por exemplo.
Porém, ao contrário do debate em redes abertas que mantêm ferramentas de moderação que não permitem a disseminação de discurso de ódio, o ambiente no Discord é mais violento. Por vezes, o debate sobre política é permeado de misoginia, racismo, e memes preconceituosos.
Entre as pessoas atacadas nas conversas acessadas pela reportagem se destaca a política Manuela D’ávila (PCdoB). No servidor Mitomaníacos o usuário Maledom compartilhou vídeos íntimos que mostram uma mulher parecida com ela e mensagens que a chamam de “vadia” e “feminazi”.
Já no servidor Bolsonaro 2022, uma usuária nomeada Isabela publicou em abril um vídeo que inicialmente diz que ela já não é mais racista. Logo depois aparece uma tela que afirma: “piada de 1º de abril!”
Para o pesquisador Ivan Mussa, parte do preconceito alimentado em parcela da comunidade gamer se deve a uma estratégia de “cooptação política bem sucedida” por parte da extrema-direita. Tal estratégia teria sido iniciada por Steve Bannon, ex-estrategista de Donald Trump e pode estar reverberando no Brasil por meio do discurso contrário ao “politicamente correto”, contra iniciativas de inclusão e diversidade.
No final de 2021, o usuário @titancaveira marcou políticos e influenciadores bolsonaristas, como Jair Bolsonaro e Carla Zambelli (PL-SP), em um tuíte que denunciava que o jogo de corrida Forza Horizon, teria incluído os pronomes “elu/elus” como opção para a criação de personagens — esses pronomes são utilizados por pessoas que não se identificam com os padrões de gênero, como pessoas não-binárias.
Ele lamentou: “Por incrível que pareça já chegou nos gamers” o uso de pronomes inclusivos. Titancaveira diz jogar jogos de tiro e RPG em sua biografia no Twitter.
“Dentro da comunidade [gamer] circulam ideias, teorias de conspiração, ideias de que imposto é roubo, do Estado mínimo, e todas essas coisas vão criando um caldo que facilita você entrar com essas ideias preconceituosas. Foi isso que o Steve Bannon sacou. E como é uma comunidade muito engajada, que posta muito, pra ele era maravilhoso, porque [a comunidade] espalhava muito as ideias que ele queria que fossem espalhadas na internet”, explicou o pesquisador.
Mussa também aponta que a comunidade gamer brasileira é muito atraída pela defesa da redução da influência do Estado no mercado, defendida também por Bolsonaro — embora ele tenha ampliado os gastos sociais em R$ 2,1 milhão às vésperas da eleição para ganhar votos.