TikTok derrubou "operação de influência" contra eleições de 2022, mas não avisou TSE

Em meio à falta de leis claras que punam ataques ao processo eleitoral, plataforma removeu 138 perfis falsos ligados a ação coordenada criada para desacreditar o pleito de 2022
TikTok derrubou "operação de influência" contra eleições de 2022, mas não avisou TSE
Arte: Rodolfo Almeida
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O TikTok detectou e derrubou uma "operação de influência" que usou uma rede de perfis falsos para espalhar desconfiança e desacreditar as eleições brasileiras de 2022 – mas o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não foi avisado sobre o ataque coordenado.

Na época, uma parceria entre a corte e a plataforma facilitava a remoção de contas e conteúdos que atacassem a integridade do pleito, mas não obrigava a notificação de eventuais ações coordenadas de desinformação às autoridades.

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O que são "operações de influência", segundo o TikTok?
A política de integridade do TikTok as define como "tentativas coordenadas para influenciar ou mudar a opinião pública e, ao mesmo tempo, enganar pessoas, nossa comunidade ou nossos sistemas com relação a fatores como identidade da conta, localização aproximada, relacionamentos, popularidade ou propósito". Do inglês "covert influence operations", o termo é traduzido como "operações de influência encobertas", "disfarçadas" ou "ocultas".

Procurada pelo Núcleo, a plataforma não quis detalhar o ataque.

A rede detectada somava 138 perfis operados de dentro do país com um total de 643 mil seguidores. A informação consta como um dos itens de um relatório global de transparência da plataforma divulgado em mar.2023.

Ainda que o documento esteja público desde então, o TSE disse à reportagem não ter "nenhuma informação" sobre a operação destinada a influenciar as eleições de 2022.


É importante porque...

TikTok detectou uma rede de 138 perfis falsos com 642 mil seguidores que tentava minar a confiança no pleito de 2022

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não soube dessa ação coordenada disfarçada que atacou as eleições federais

Vácuo regulatório não criminaliza ataques à integridade do pleito nem impõe deveres às Big Techs – regras eleitorais protegem partidos e candidatos de notícias falsas, mas não as próprias eleições


"Os indivíduos por trás dessas contas compartilhavam conteúdo em português e em inglês por meio de contas fraudulentas usando fotos de bancos de imagens como fotos de perfil para se passar por pessoas fictícias no Brasil", diz o relatório do TikTok.

"A rede amplificava discursos que espalhavam dúvida sobre a confiabilidade do processo eleitoral no Brasil."

Relatório do TikTok descreve "operação de influência" contra eleições brasileiras que foi detectada internamente pelos sistemas da plataforma. Eram 138 perfis com 642 mil seguidores. Reprodução: TikTok

Na avaliação do advogado Rafael Morgental, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), o TikTok não estava obrigado a notificar o TSE de eventuais ações coordenadas contra o pleito. Isso porque duvidar das urnas sem provas, por exemplo, não é crime.

"O que me chama atenção é uma carência, insuficiência de normas", lamenta.

Mesmo que uma denúncia do caso chegasse ao TSE, hoje o país está "juridicamente mal protegido" de ataques que tentem minar a confiança da população nas eleições, diz o advogado.

"Tem um déficit legislativo que torna difícil à Justiça Eleitoral e à Polícia Federal punir essas práticas", explica.

O que nos disse o TSE?

Enviamos ao TSE as seguintes perguntas, relativas à operação oculta identificada pelo TikTok:
1) A plataforma avisou o TSE dessa operação encoberta contra o processo eleitoral? Forneceu relatórios e os detalhes devidos?
2) Se sim, é possível que o TSE compartilhe o material conosco? Houve alguma apuração aberta em decorrência desta notificação? Se não, o TikTok tinha alguma obrigação de fornecê-lo ao tribunal, por exemplo, devido ao acordo firmado à época para as eleições?
3) O tribunal soube à época de alguma campanha de desinformação na plataforma com a descrição realizada pelo TikTok, como a com uso das fotos de bancos de imagens? Tomou alguma atitude?

A corte nos respondeu o seguinte:
No TSE não há nenhuma informação a respeito do assunto relatado na sua demanda.

VÁCUO. A legislação eleitoral ainda se dirige à disputa em si, criminalizando mentiras disseminadas sobre candidatos, coligações ou partidos, e não sobre a integridade da votação. "Por isso o TSE se aproximou das plataformas e tentou uma espécie de troca de informações", afirma Morgental.

Na avaliação dele, big techs mantém um "comportamento ambíguo", já que elas se põem à disposição da Justiça Eleitoral para combater campanhas de desinformação enquanto mantém modelos de negócio que monetizam em cima de conteúdos enganosos.

SEM DETALHES

Operação foi descoberta um mês depois de relatório ao TSE

Depois de derrubar mais de 66 mil vídeos por desinformação sobre eleições ao longo de 2022, a plataforma só identificou a operação de influência por meio de uma "análise post-mortem", que seria um tipo de "avaliação retrospectiva" das remoções feitas no período eleitoral, disse ao Núcleo um porta-voz do TikTok.

Ele não explicou quantos desses vídeos derrubados pertenciam à operação de influência, mas justificou que a rede social não avisou o TSE do ataque pois essa "análise post-mortem" só ficou pronta um mês depois da entrega à corte de um documento com estatísticas de combate à desinformação previsto na parceria.

"O que compartilhamos com o TSE foi entregue em fevereiro, mas o (relatório global) de aplicação de diretrizes da comunidade só ficou pronto e publicado em 31 de março", justificou o porta-voz. "São dois calendários e processos diferentes."

Como o TikTok respondeu às nossas dúvidas:

A plataforma não quis nos fornecer detalhes sobre a operação de influência que detectou, mas indicou um porta-voz para falar em nome da plataforma e explicar porque o relatório não foi enviado ao TSE. A conversa foi feita via Microsoft Teams.

Entenda como o TikTok detecta "operações de influência":

De acordo com as diretrizes da comunidade da plataforma, "para investigar e remover essas operações, nós nos concentramos no comportamento e na avaliação dos vínculos entre contas e técnicas para determinar se os atores estão envolvidos em um esforço coordenado para enganar os sistemas do TikTok ou nossa comunidade". A detecção dessas "operações encobertas de influência" inclui o uso de ferramentas de código-aberto ou proprietário em busca de:
– "Evidência de coordenação. Por exemplo, evidência de que as contas estão trabalhando coordenadamente para disseminar narrativas específicas ou são operadas pela mesma pessoa."
– "Evidência de que nossos sistemas ou usuários estão sendo enganados, como técnicas que obscurecem a localização real de uma conta ou que usam pessoas falsas para se apresentarem como alguém que não são."
– "Evidência de tentativa de manipular ou corromper o debate público para afetar a tomada de decisões, as crenças e as opiniões de nossa comunidade."

Termo usado pelo TikTok, "operação encoberta" é um conceito da área de inteligência. Entenda:

No linguajar da inteligência de Estado, "operações encobertas" se referem à ação coordenada de um governo ou organização "para tentar influenciar sistematicamente o comportamento de outro governo ou organização" por meio da manipulação "numa direção favorável aos interesses e valores" de quem patrocina a operação, segundo a tese de doutorado do cientista político Marco Cepik, referência acadêmica na área e atual diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). De acordo com Cepik, o tipo de operação encoberta mais comum é aquela que tenta "influenciar as percepções de um governo ou mesmo da sociedade como um todo, através de agentes de influência, desinformação, falsificação de dinheiro ou documentos, além dos vários tipos mais ou menos encobertos de propaganda". Um exemplo clássico desse tipo de ação foi na II Guerra Mundial, quando os EUA estabeleceram rádios clandestinas na Europa para combater a propaganda nazista.

TikTok promete proteger eleição europeia da desinformação
Plataforma vai reforçar proteção contra conteúdos enganosos gerados por IA e criar “centrais das eleições” para cada um dos 27 países do bloco
Reportagem Pedro Nakamura
Arte Rodolfo Almeida
Edição Sérgio Spagnuolo

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